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Entrevista

"Não tinha dúvidas". Edmundo Martinho de consciência tranquila com negócio dos Jogos Santa Casa

01 mai, 2024 - 19:00 • Anabela Góis

Sobre a auditoria ao processo de internacionalização que lançou, Edmundo Martinho mostra-se confiante: “não tinha a menor dúvida que não houve qualquer tipo de ilegalidade”

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Entrevistado pela Renascença, Edmundo Martinho, ex-provedor da Santa Casa, lamenta que a direção de Ana Jorge, agora exonerada, “tenha interrompido um processo que tinha um potencial tremendo, sem que tenha sido substituído por uma estratégia alternativa”.

O antigo responsável diz que o afastamento da equipa de Ana Jorge era previsível, mas não esperava que fosse tão cedo. Admite, por outro lado, que os termos do comunicado do Ministério do Trabalho são inusitados, contudo, acredita que “espelham aquilo que foi o relacionamento entre o novo Governo e a administração da Santa Casa”.

A auditoria, pedida pelo Governo de António Costa, às empresas que geriam a expansão para outros mercados, como o Brasil, não encontrou ilícitos criminais ou irregularidades graves, segundo apurou a SIC.

Em declarações à Renascença, o gabinete da ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Maria do Rosário Palma Ramalho, diz que as conclusões foram remetidas para o Tribunal de Contas.

Sobre a auditoria ao processo de internacionalização que lançou, Edmundo Martinho mostra-se confiante: “não tinha a menor dúvida que não houve qualquer tipo de ilegalidade”

O processo de auditoria aos negócios dos Jogos Santa Casa está encerrado e, segundo avança a SIC, não foram encontrados ilícitos criminais ou irregularidades graves. Não ficou surpreendido?

Claro que não. A minha reação não pode ser se não de confirmação ao que eu já sabia. Aliás, se reparar, desde agosto do ano passado, quando se começou a falar do assunto, no início, falava-se de ilegalidades. Depois, passou para irregularidades e, ultimamente, até já se fala só de inconformidades. Não conheço o relatório de auditoria, mas não tinha a menor dúvida de que não houve, neste processo de internacionalização, qualquer tipo de ilegalidade e, portanto, estamos tranquilos relativamente a isso. Portanto, a minha a minha reação só pode ser de confirmação daquilo que eu já sabia que ia acontecer.

E o que pode dizer relativamente às contas da Santa Casa da Misericórdia? Aparentemente, estão bastante mal nesta altura. A que se deve esta situação?

Não sei. Aliás, ao que parece, de acordo com o que foi aparecendo nos jornais, as contas de 2022/2023 foram refeitas. Tive a oportunidade de endereçar à Dra. Ana Jorge, antes de estar demissionária, um pedido de documentação e de informações para perceber como é que contas auditadas pelas entidades que legalmente têm de o fazer - quer do ponto de vista dos estatutos da Santa Casa, quer do ponto de vista legal - podem ser alteradas. Eu, pelo menos, não percebo.

Mas, esta questão das contas da Santa Casa, era previsível há muito tempo e foi nessa lógica de previsibilidade que se resolveu avançar no processo de consolidação financeira e de encontrar fontes adicionais de receita. Foi por isso que se avançou com a internacionalização. O que é lastimável, creio eu, é que se tenha interrompido totalmente um processo que tinha um potencial tremendo, sem que tenha sido substituído por uma estratégia alternativa. Até hoje não se percebe qual é o entendimento desta Administração demissionária relativamente à questão das receitas e do equilíbrio financeiro da Santa Casa. Não dá para perceber. Eu, pelo menos, não consigo perceber. Agora, não há dúvida nenhuma que é uma situação que merece atenção, mas não pode ser uma atenção centrada em cortes, cortes, cortes, que tornam ainda mais difícil a atuação da Santa Casa naquilo que é o seu mundo essencial, que é o apoio aos cidadãos mais necessitados.

Como viu o processo de exoneração da Dra. Ana Jorge e do comunicado do Governo - que a provedora exonerada considera "rude" e "difamatório"?

Só posso partir do princípio de que o comunicado espelha aquilo que foi o relacionamento entre o novo Governo e a administração da Santa Casa. É verdade que os termos do comunicado são um bocadinho inusitados, invulgares, mas, enfim, são a forma como a senhora ministra entendeu o comportamento desta administração. É o que posso dizer, porque não conheço outros fundamentos, a não ser aqueles que resultam do comunicado e do despacho de exoneração. Dois documentos no mesmo sentido e com o mesmo tom.

Mas já esperava a saída da Dra. Ana Jorge? Acha que era inevitável?

Acho que era previsível, por razões que têm que ver com sintonia entre a administração da Santa Casa e o Governo, o que não esperava era que fosse tão célere. Isso não esperava, mas, agora, que era expectável que isto ia acontecer, do meu ponto de vista, não tenho dúvida nenhuma.

Por que diz isso?

Digo isto porque o último ano desta administração foi um ano de destruição de valor, de valor patrimonial e de valor reputacional da Santa Casa, e isto tem de ter consequências. O que lhe digo é que não esperava que fossem consequências tão rápidas, mas estava plenamente convicto de que o modo como esta administração se comportou ao longo deste ano, em todos os aspetos, não podia conduzir a outra solução.

Hoje uma notícia do Correio da Manhã diz que a Santa Casa da Misericórdia tem quase 500 pessoas em cargos de chefia. A direção de Ana Jorge reduziu 40. Ainda assim, são muitos diretores...

Não são diretores, são dirigentes. E o que acontece é que em determinado momento nós integramos, nos quadros da Santa Casa, centenas de ajudantes de apoio domiciliário que estavam com contratos de prestação de serviços. Com isso, vieram uma série de coordenadores, porque quando se fala de diretores estamos a falar de dirigentes e dirigentes, [que] vão desde coordenadores de equipas até diretores de departamentos. Agora, há uma coisa que é verdade, era bom que se fizessem as contas, porque - tanto quanto julgo saber - esta administração, que se vangloria de ter reduzido o número de dirigentes, admitiu uma série dirigentes novos para os seus quadros e isso também devia ser sinalizado e sublinhado.

Portanto, acha que o PS não tem razão quando diz que o que este Governo está a fazer é substituir a direção da Santa Casa por alguém mais próximo e mais domesticável?

Não posso fazer declarações de intenções relativamente a isso. A única coisa que sei é aquilo que vem no comunicado do Governo e nos despachos de exoneração, embora me pareça compreensível que quando há mudanças de ciclo político haja mudanças de alguns dos intérpretes, porque os governos tendem a querer ter a levar à prática as suas orientações, pessoas em quem tenham absoluta confiança. Isso não me parece uma coisa nova nem sequer particularmente surpreendente.

E, na sua opinião, qual é que teria de ser o perfil do próximo Provedor ou Provedora da Santa Casa, para resolver a crise que a instituição atravessa?

Tudo depende daquilo que o Governo entenda que quer pedir à nova equipa, mas é essencial que tenha uma forte motivação, uma forte estratégia relativamente ao futuro da Santa Casa e que seja capaz de inovar e de avançar. Aquilo que vimos neste último ano foi, desse ponto de vista, nada.

Portanto, motivação é essencial?

Sem dúvida nenhuma. Ser Provedor da Santa Casa da Misericórdia não pode ser entendido como um lugar de recuo ou de fim de carreira. Não pode ser. Não deve ser.

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  • Anastácio José Marti
    02 mai, 2024 Lisboa 12:32
    Este ex provedor até pode estar de consciência tranquila no que diz respeito aos negócios que fez em nome da SCML, mas será que consegue dormir descansado e tranquilo após a sua administração ter retirado o apoio que outras administrações anteriores da mesma SCML decidiram dar na aquisição dos medicamentos para os DOENTES CRÓNICOS? Os cidadãos considerados doentes CRÓNICOS pelas autoridades de saúde e pelos que o antecederam no cargo, será que deixaram de ser doentes crónicos para que na sua administração lhes tivessem sido negados os apoios que sempre tiveram na aquisição dos medicamentos de que necessitam para sobreviverem com as limitações que os seus problemas crónicos de saúde lhes impõem? É esta a formação humana de alguém que foi pago pelo erário público que tem como competências dar respostas aos problemas sociais da população e não andar a fazer negócios, seja de que espécie for, e uma das suas medidads não foi aumentar o apoio aos mais vulneráveis da sociedade, por exemplo na aquisição dos medicamentos de que necessitam para sobreviverem, mas sim, antes pelo contrários, negar-lhes esse mesmo apoio, como se os mesmos utentes que até a sua administração eram crónicos para os seus antecessores, para ele será que o deixaram de ser para perderem esse direito que tinham até então? Como pode um político ter a consciência tranquila quando as suas decisões nestes casos, em nada vão ao encontro das necessidades dos mais vulneráveis da sociedade, bem antes pelo contrário.

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