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Reportagem

Programar o futuro. A "codar" desde pequenino

03 nov, 2017 - 09:08 • Elsa Araújo Rodrigues

Os computadores não servem só para jogar. Há um mundo novo para lá do ecrã, onde se fala e escreve noutra linguagem, que os alunos do ensino básico do Fundão estão a descobrir. Para o ano, a iniciativa alarga-se a todo o país.

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Criancas codigo fundao - Elsa Araujo Rodrigues D3
Reportagem Programar o futuro. A "codar" desde pequenino

Caras pintadas, chapéus pontiagudos e bruxas. Abóboras e teias de aranha de papel penduradas. Os alunos e as paredes estão vestidos a rigor. Explicam-se quadrantes, graus, blocos. Discute-se a melhor forma de pôr o “drone” a transportar morangos e alfaces. Agora, “run”. Computadores e ratos em vez de lápis e cadernos. Apesar do ambiente de celebração de “Halloween”, não estamos nos Estados Unidos, mas numa sala de aula na EB1 de Santa Teresinha, no Fundão.

Uma das turmas do 3.º ano está a ter uma aula de iniciação à programação. Não há números ou equações à vista, nem fundos pretos com “frases” ilegíveis. Nos ecrãs, uma espécie de jogo parecido ao da velhinha batalha naval. Personagens: “drones”, alfaces, morangos, entre outras. O objectivo é programar as instruções para o “drone” e colocá-lo a apanhar os legumes e as frutas. As tarefas são lúdicas, mas entre um pedido e outro da monitora vão surgindo expressões mais elaboradas.

“Não se esqueçam de colocar o ‘drone’ no quadrante certo”, pede Sandra Leitão. É monitora das aulas de iniciação à programação há dois anos, desde o início do projecto no Fundão, no ano lectivo 2015/2016. Todos os alunos do 1.º ciclo do ensino público do Fundão – 900 estudantes – estão a aprender a usar a linguagem dos computadores. O Governo quer que no próximo ano lectivo a disciplina de programação e robótica seja obrigatória em todo o país.

Sandra Leitão é funcionária da autarquia do Fundão. Trabalhava na área do ambiente, mas hoje percorre as escolas do concelho e ensina as crianças do primeiro ciclo a usar a plataforma Blanc, a ferramenta desenvolvida pela “startup” Academia de Código que quer pôr miúdos e graúdos a programar.

“Nunca tinha estado ligada à educação”, começa por explicar Sandra. “É incrível ver os miúdos a evoluir nestas áreas da tecnologia, é tudo muito rápido.” Fala de sorriso aberto do que faz, acredita que as aulas que dá fazem a diferença e mudaram a forma como os miúdos olham para o computador.

“Tinham muito a ideia de que os computadores serviam para jogar”, relata, e “descobrirem que, afinal, podiam ser eles um dia a fazer os jogos, ficaram muito animados com essa possibilidade”. A partir do momento que “perceberam que havia algo por detrás”, Sandra viu neles “aquela alegria de 'vou eu criar o meu próprio jogo'.”

Um estado de euforia que, dois anos depois das primeiras aulas de programação, ainda não esmoreceu entre os miúdos. Micaela tem oito anos e não deve nada à timidez. Está vestida de bruxa, de cara pintada (afinal, é Dia das Bruxas) e entusiamo não lhe falta. “Eu gosto muito da professora e também das aulas”, diz. “Aprendemos a programar os robôs e já sabemos deslizar com eles.”

Mudar o Fundão

A turma do 3.º ano tem 17 alunos, que trabalham nos computadores aos pares. O material é novinho em folha, os portáteis de tamanho adequado aos miniutilizadores. Foi tudo fornecido pela autarquia, no âmbito do projecto desenvolvido em parceria como a Academia de Código e pioneiro a nível nacional.

O presidente da Câmara do Fundão vê na iniciativa um “investimento” não apenas nas crianças, mas também no resto da região. O projecto é uma parte fundamental da estratégia desenhada para tornar o concelho atractivo para as empresas de tecnologias da informação, explica Paulo Fernandes. Foi no contexto desse programa que a multinacional francesa Altran se instalou na região.

O programa da Academia de Código Júnior não tem apenas impacto no futuro das crianças. É também uma forma de melhorar o desempenho escolar “de um concelho rural, e ainda por cima através do ensino público”, considera o presidente da câmara.

Antes de chegar ao Fundão, a Academia de Código começou por desenvolver a ideia na capital. Em 2015, a “startup” pôs os alunos de três escolas públicas de Lisboa a programar, com o apoio da autarquia local e da Fundação Calouste Gulbenkian.

João Magalhães, 35 anos, um dos dois co-fundadores da Academia de Código, aponta os resultados obtidos na altura. “Para além de ajudar as crianças em questões de ‘problem solving’ [resolução de problemas], de estimular a criatividade e ajudar a desenvolver competências importantes nos miúdos, ajuda também ao desempenho escolar. Tivemos uma universidade a estudar o impacto das aulas e, ao fim de 12 meses, os alunos melhoraram entre 11 e 18% as notas de Matemática.”

O autarca Paulo Fernandes não tem dúvidas que o impacto nos resultados escolares dos alunos do concelho será muito semelhante. “A parte da programação, no ataque aos problemas mais estruturais que tínhamos na educação, podia ser extraordinariamente eficaz”, afirma. “Nomeadamente nas disciplinas que são sempre um problema, como é o caso da matemática e do cálculo,” explica Paulo Fernandes, que diz que as mais-valias são transversais. Traz também “benefícios ao nível do raciocínio lógico” e até para as “outras linguagens, como o português, por estranho que possa parecer”.

A programar desde pequenino

Mudamos de escola e de turma. É na EB2/3 João Franco do Fundão que cerca de 20 alunos do 4.º ano têm as aulas de programação. É ali que aprendem a programar numa sala equipada em exclusivo para a Academia de Código.

O impacto da programação ao nível da linguagem entra pelos ouvidos de quem assiste à aula: os miúdos já desenvolveram uma espécie de língua franca própria. “Agora faz ‘run’”, “arrasta para ali”, “olha os graus”, “vai buscar o bloco”. É assim que falam entre eles, a tentar encontrar a melhor forma de colocar os ‘drones’ que aparecem no ecrã a cumprir as ordens.

Martim, com nove anos, explica como se faz: “é preciso ir buscar uma peça do ‘run’ e pôr. Depois pomos outra peça dentro do ‘run’ e se quisermos mais peças, vamos buscar outras. E depois carregamos no ‘run’ e o ‘drone’ começa a fazer o que nós quisermos”. Confuso? Só para quem está de fora, porque o Martim e os colegas já tratam a plataforma por tu.

Muitos descobriram a vocação. Foi o caso de Diana, de 9 anos. “Já mostrei que sou boa a programar e a fazer aquilo que aprendi nas aulas de informática”, diz, orgulhosa. E quando for grande? Diana responde que ainda não tem certezas, depende “daquilo em que for melhor”. Mas já tem uma ideia: “Se calhar, vou trabalhar em programação.”

Baixar salários?

“Existe uma falta gigante de programadores a nível mundial. Só na Europa, os estudos da Comissão Europeia apontam para 550 mil postos de trabalho por preencher. Ou seja, existem os empregos e não exis-tem pessoas formadas para estes trabalhos”, relembra João Magalhães, da Academia de Código.

Na turma do 4.º ano, ainda não se pensa em trabalhar. Para já, programar é sinónimo de diversão e brincadeira e, para muitos, pode nunca vir a passar de “mais uma competência”.

A falta de programadores é reconhecida a nível global devido à rapidez com que as tecnologias invadiram a vida quotidiana. As empresas tecnológicas de Silicon Valley foram as primeiras a chamar à atenção para a falta de mão-de-obra. Empresas como a Google e a Facebook têm feito pressão junto da classe política dos Estados Unidos para introduzir a programação nos currículos escolares o mais cedo possível (e já o conseguiram, em alguns estados).

A iniciativa foi apoiada por muitos e criticada por outros tantos. As vozes contra alertam para o facto de que a pressão das tecnológicas para criar cada vez mais programadores tem um objectivo: baixar os custos salariais com futuros trabalhadores. Afinal, quanto mais pessoas adquirirem uma competência, menos será valorizada pelos empregadores.

Por cá, o impacto negativo que saber programar pode vir a ter no ordenado (ainda) não está na lista de prioridades. Mas, confrontado com a questão, o monitor da Academia de Código que dá aulas à turma do 4.º ano, não desvia a resposta. Hugo Rodrigues está numa posição privilegiada para responder, não fosse engenheiro informático de formação.

Pela experiência que tem tido com os alunos, o que as crianças mais gostam é de perceber “como funciona a tecnologia por detrás do utilizador”. A curiosidade dos miúdos leva-os a perguntarem como funcionam “outras coisas maiores” – como o gravador da Renascença (mais do que o microfone, os miúdos estavam interessados nos números do visor do aparelho, queriam saber “se tinha um programa lá dentro”).

Repetimos a pergunta. No futuro, vamos ser todos programadores? Hugo é contundente: claro que não. Então porque é que todas as crianças devem aprender a programar? “O objectivo não é serem todos programadores, tal como não é serem todos músicos porque têm música ou filósofos porque têm filosofia”, responde.

“Ajuda na resolução de problemas, a divisão em problemas mais pequenos, por exemplo, os algoritmos”, diz. E remata: “Programar ajuda desenvolver capacidade de organização. E isso é muito importante para todas as áreas da vida.”

Comentários
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  • Filipe
    05 nov, 2017 évora 14:55
    Ainda bem , faz-se luz no fundo do túnel , as reportagens vão aparecendo para dignificar as crianças . Nas crianças não existe medida certa em determinadas situações ou tudo ou nada e se faz mal : corta ! https://www.rtp.pt/play/p3071/jornal-da-tarde .... se bem que os pais adoram ter as crianças entretidas para praticarem sexo ... fumarem ganzas . Não esquecer que estes " filhos e filhas " são hoje de quem na idade deles teve conhecimento de um significado deturpado da "liberdade" .
  • Fábio
    04 nov, 2017 Lisboa 19:56
    Amigos, da realidade das tecnologias as nossas crianças já não estão livres, felizmente. A ideia aqui é ensina-los a usar a tecnologia de forma a contribuírem para o desenvolvimento do país e do mundo ao invés de abusares da tecnologia para aceder viciantemente a redes sociais ou fazer comentários ignorantes e sem conhecimento de causa em páginas de jornais. Estudos científicos falam do problema da exposição inadequada das crianças às tecnologias, assim como dos benefícios das mesmas quando usadas de forma adequada. É aí que a entra com o excelente trabalho de os ensinar a usar de forma útil e proveitosa!
  • Filipe
    03 nov, 2017 évora 23:22
    Experiências com crianças frente aos aparelhos eletrónicos?Se em todo o Mundo civilizado se tenta a todo o custo com estudos científicos proteger-se as crianças , por cá a todo o custo se tentam medidas para as deitar para o lixo ou cemitérios prematuramente .Desde cedo sem autorização parental ou avaliação prévia de quantidades já administradas de Flúor , atiram pela boca abaixo soluções misturadas com água a fim de , dizem eles , proteger da cárie . Quando na realidade estão a queimar o cérebro das crianças com esse veneno , aplicado da mesma forma nos campos de concentração Nazi para meterem os judeus calmos . A todo o custo para os manterem calmos , compram a todo o custo Ritalinas e afins , é droga pesada e proibida da maneira que é utilizada em Portugal , se no tempo Nazi as meta anfetaminas serviam para incentivar as tropas a combaterem , depois modificada serviu na guerra fria para sentar as crianças nas escola , mas logo se descobriu que mais tarde matava e agarrava o cérebro a outras drogas pesadas . E agora isto , "Várias gerações de crianças de todo o Mundo correm o risco de ficar viciadas em televisão, computador e outros aparelhos electrónicos, alertou um especialista britânico, que refere estudos que associam o hábito de ver televisão ou estar sentado à frente de outros ecrãs a riscos maiores de as pessoas desenvolverem diabetes e doenças cardiovasculares, enfermidades que, por sua vez, estão relacionadas com maiores índices de mortalidade." In: Aric Sigman
  • Joaquim Santos
    03 nov, 2017 Tojal 09:34
    Caras pintadas, chapéus pontiagudos e bruxas. Abóboras e teias de aranha de papel penduradas. Os alunos e paredes estão vestidos a rigor. Explicam-se quadrantes, graus, blocos. Discute-se a melhor forma de pôr o “drone” a transportar morangos e alfaces. Agora, “run”. "Computadores e ratos em vez de lápis e cadernos. Apesar do ambiente de celebração de “Halloween”, não estamos nos Estados Unido, mas numa sala de aula na EB1 de Santa Teresinha, no Fundão." Quanto sofre Santa Teresinha com estes louvores Satânicos. Pelo natal, um pai natal, quanto muito. Assim se ofende a Deus e se induz nas crianças o espírito do mal.

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