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Encriptação de comunicações

"Apesar dos objetivos nobres", novo regulamento da UE viola privacidade dos cidadãos

11 set, 2023 - 11:33 • Redação

Grupo de associaçoões da sociedade digital pede ao Governo português que impeça "vigilância generalista e indiscriminada". Em causa está uma proposta de regulamento para prevenir e combater o abuso sexual de crianças.

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Onze organizações da sociedade civil portuguesa enviaram, esta segunda-feira, uma carta ao Governo e à representação permanente de Portugal junto da União Europeia (UE) a contestar a proposta de regulamento da União Europeia que visa prevenir e combater o abuso sexual de crianças no espaço europeu. Nela, pedem ao Governo português que se posicione contra a proposta da Comissão Europeia, face a riscos para a privacidade dos cidadãos.

Em declarações à Renascença, o presidente da D3 - uma das associações signatárias - diz que, "apesar de os objetivos serem nobres, e todos concordarmos com os objetivos, não é possível - do ponto de vista tecnológico - atingir estes fins tão nobres, através da tecnologia existente, sem colocar em causa o sigilo e a encriptação das comunicações de toda a gente".

Eduardo Santos explica como a proposta de regulamento da Comissão Europeia força as empresas de comunicação - como o WhatsApp e o Messenger - a fiscalizar as mensagens pessoais de todos os cidadãos europeus, mesmo antes de serem enviadas e encriptadas, no que considera ser uma flagrante violação da privacidade.

"Em todos os dispositivos de toda a gente, há uma tecnologia que vai detetar o conteúdo da mensagem antes de esta ser enviada, antes de ser encriptada. Tecnicamente, a Comissão [Europeia], quando propõe isto, até pode dizer que não está a violar a encriptação, porque a análise [das mensagens] acontece no dispositivo, localmente, antes do envio. Mas, obviamente que, dizemos nós, isto viola o sigilo das comunicações"

No comunicado a que a Renascença teve acesso, os signatários recordam que os serviços jurídicos do Conselho de Ministros da União Europeia consideram que as medidas que estão em cima da mesa implicam um risco grave que “compromete a essência dos direitos à privacidade e à proteção de dados”, por permitir “o acesso geral e indiscriminado aos conteúdos das comunicações pessoais” por parte das empresas.

As propostas incluem medidas para que os fornecedores de apps e plataformas de comunicação cibernéticas sejam obrigados a instalar uma função de monitorização nos dispositivos dos cidadãos que, para funcionar, segundo as associações que subscrevem o comunicado, compromete a encriptação das comunicações, expondo a vida privada de todas as pessoas no espaço europeu.

Os subscritores da carta alegam que "o próprio Conselho da União Europeia reconhece que esta opção é extremamente perigosa, colocando-se acima dos cidadãos, ao adicionar, nas últimas versões do texto, um ponto onde exclui do âmbito do regulamento as comunicações internas dos Estados, por motivos de segurança da informação".

Na sua versão atual, alertam ainda as organizações, "a proposta não só coloca em risco pessoas com profissões críticas, como médicos, jornalistas, advogados, entre outros, como diminui a segurança das comunicações das próprias potenciais vítimas que pretende proteger".

"Crianças e jovens utilizam as mesmas plataformas de comunicação encriptada para interagirem entre si, mas também pais, professores, médicos, e outros profissionais usam as mesmas plataformas para comunicarem com as crianças e jovens."

O presidente da D3 diz ainda à Renascença que, a ser aprovada, a proposta de regulamento da comissão europeia será um incentivo a Estados mais autoritários a utilizarem o mesmo mecanismo para outros efeitos.

"Estamos, na Europa, a dar um mau exemplo porque estamos a implementar sistemas que violam indiscriminadamente o sigilo das comunicações das pessoas e isso vai ser usado por Estados mais autoritários como exemplo para procurar outro tipo de ilícitos, que sejam assim definidos pelo próprio Estado", alerta.

Dessa forma, os signatários, incluindo associações como a Wikimedia, a D3 - Associação de Defesa dos Direitos Digitais e a BAD - Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas, Profissionais da Informação e Documentação, consideram "importante que [Portugal] recuse concordar com este regulamento, sem que se garanta a proteção da encriptação das comunicações e se impeça uma vigilância generalista e indiscriminada".

[atualizado às 15h16 com declarações do presidente da D3]

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