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"Se a vossa liderança não decidir sobre a nossa adesão, recorreremos ao vosso povo. Os portugueses são como nós"

10 mar, 2023 - 07:18 • José Pedro Frazão , enviado da Renascença à Ucrânia

Em entrevista exclusiva à Renascença, o vice-chefe de gabinete de Volodymyr Zelensky responsável pela política externa confia no apoio de Portugal à adesão da Ucrânia à União Europeia e sublinha que o povo português está quase totalmente a favor dessa decisão.

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"Se a vossa liderança não decidir sobre a nossa adesão, recorreremos ao vosso povo. Os portugueses são como nós"

O braço direito do Presidente ucraniano foi o homem designado por Zelensky para dialogar com o gabinete de António Costa e diz esperar "decisões ousadas" do primeiro-ministro português e dos outros líderes europeus. Sobre a ajuda militar, espera que Portugal continue o seu apoio à Ucrânia mas prefere não revelar os próximos passos dessa ajuda. A reconstrução da região de Zhythomyr, patrocinada por Portugal, está a avançar mas não deve ficar pelas escolas, admite Ihor Zhovka nesta entrevista registada no complexo de gabinetes onde trabalha Zelensky em Kiev.

A Ucrânia está a aprofundar a sua relação com o mercado único europeu e demorará o seu tempo até conhecer uma decisão política. Consegue reconhecer que o processo de adesão à União Europeia será uma corrida de fundo?

Repare, não há necessidade de especular agora sobre quantos anos levará. No caso de Portugal, se não me engano, demorou nove anos, pelo que me disseram nos vossos gabinetes. Mas, ao mesmo tempo, tudo isso aconteceu noutras circunstâncias geopolíticas. Estávamos noutro estágio de desenvolvimentos históricos. Foi há 40 anos. Hoje vivemos em condições completamente diferentes. Estamos a travar uma guerra, a defender todo o continente europeu contra o agressor, a defender o nosso povo, as outras nações, os nossos vizinhos mais próximos. Por estas razões, merecemos estar convosco.

Somos iguais a vocês. Somos os mesmos europeus. Vi tantos ucranianos em Lisboa que são iguais a vocês. Trabalham no duro, têm conhecimentos, estão a dominar o vosso idioma. Trabalham de forma eficiente no vosso país para depois voltarem após a vitória da Ucrânia. Na verdade, já estamos lá [na União Europeia]. Portanto, os vossos líderes só precisam de ser ousados e inteligentes para tomar a decisão política apropriada. Quando a tomarão? Isso depende deles. Mas se eles não conseguirem [tomar uma decisão], provavelmente recorreremos ao vosso povo. Sabe quantas pessoas em Portugal apoiam a entrada da Ucrânia na UE? 87% do vosso povo apoia a ideia de estarmos convosco. Acha que os vossos líderes vão estar contra a decisão do vosso povo?

Espera ações ousadas do primeiro-ministro António Costa?

Esperamos decisões ousadas de todos os líderes da União Europeia. São os tipos de decisão que todos vocês precisam de ter durante a guerra contra o agressor em cada uma das nossas unidades. Portanto, esta é uma guerra geral, não é apenas a Ucrânia que está a lutar. Vocês estão a ajudar-nos, dando-nos armas, implementando sanções contra a Rússia, dando apoio financeiro. Mas temos que ser fortes e unidos, tomando os tipos de decisão que o Presidente Zelensky está a adotar.

Tem o mesmo sentimento em relação a todos os atores políticos em Portugal?

O vosso primeiro-ministro esteve aqui em Kiev a 21 de maio do ano passado e encontrou-se com o meu Presidente e falou com os líderes do meu país. E depois tiveram várias conversações telefónicas. O meu Presidente encontrou-se pela última vez com o vosso primeiro-ministro no dia 9 de fevereiro em Bruxelas durante o Conselho Europeu para o qual o nosso Presidente foi convidado.

Sentimos o apoio do vosso primeiro-ministro. Pensamos que o Presidente de Portugal também partilha desta posição, embora ainda não tenha visitado a Ucrânia. Mas sentimos apoio e não apenas nestes termos. O vosso país está a ajudar-nos em termos de armamento.

Quando aqui esteve em Kiev, António Costa ofereceu a assistência portuguesa relacionada com a experiência do processo que conduziu à adesão. Como é que esse processo avançou?

Recordo que ele mencionou isso e logo após sua visita, no espaço de dez dias, estava já a visitar o vosso país. E por sugestão do vosso primeiro-ministro, reuni-me com o secretário de Estado dos Assuntos Europeus. Tive conversas, discussões e trocas de opiniões muito profundas com as vossas pessoas, não apenas sobre o que fizeram para se tornarem um estado-membro da UE, como também esta responsabilidade em termos de integração na União Europeia.
Trocámos algumas experiências. Algumas do vosso país são relevante para nós. Mas, reitero, o vosso país entrou na União Europeia há várias décadas e agora estamos numa situação bem diferente. Aproveitaremos concerteza toda a melhor experiência do vosso país. E estabelecemos contatos entre os vossos gabinetes e as autoridades relevantes na Ucrânia. Eu estou em permanente contacto com o gabinete do vosso primeiro-ministro. Vamos levar em conta as melhores experiências, mas em definitivo vamos também seguir o nosso próprio caminho.

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Espera mais ajuda militar de Portugal?

Sim. O vosso país é membro da coligação dos tanques. Esta foi a última decisão e é muito boa. Eu pude ler muito boas declarações da vossa ministra da Defesa a esse respeito. Portanto, neste momento estamos satisfeitos por Portugal não só ter começado a fazer declarações, mas também por ter começado a entregar o que prometia.

Se me perguntar se é suficiente, definitivamente não. Mas não me refiro apenas a Portugal. Se tivessemos armas suficientes já podíamos ter começado a contra-ofensiva e libertar todo o território do nosso país. Como esse não é o caso, não estamos satisfeitos a 100% com a quantidade de armas que estamos a receber dos vossos países. Precisamos muito de artilharia, de munição, de tanques "ocidentais" e veículos blindados. Precisamos da defesa aérea para começar a contra-ofensiva para libertar o país e finalmente vencer.

Portugal ofereceu outros tipos de ajuda, como, por exemplo, formação?

Bem, conversámos também sobre esse aspeto. Infelizmente, não posso contar tudo à imprensa. Não vamos facilitar a tarefa ao agressor. Às vezes é melhor fazer isto em silêncio e, depois, obter resultados em vez de falar sobre isto em voz alta.

Fala muito de Portugal. Apesar de ser um país muito mais pequeno, é assim tão importante para si?

Isto não é sobre geografia ou sobre o tamanho do país, mas sim sobre a força da voz. Cada voz conta. Portugal é membro da UE, das Nações Unidas ou de muitas outras plataformas importantes. Embora estejamos longe geograficamente, embora não tão longe assim, estando vocês na outra parte da Europa, acho que vocês sentem o que nós sentimos.

Provavelmente não seria o caso há algumas décadas. Mas agora todos em Portugal sabem definitivamente que a Ucrânia não é a Rússia. A Ucrânia não está nem sequer perto da Rússia. A Ucrânia é um futuro membro da família europeia.

Foi anunciado um projeto de reconstrução de escolas por Portugal em Zhythomyr. Como está esse processo?

Durante a minha visita, reuni com a empresa Parque Escolar, se bem me recordo. Estamos a tratar disto. Estão a fazer bons contatos com as nossas autoridades locais. Isso é muito importante, porque queremos ter uma recuperação rápida já a partir de agora. Não queremos esperar pela vitória. Uma recuperação rápida significa reconstruir as escolas, jardins de infância, hospitais, habitação social.

Está a correr muito bem e espero que muito em breve as vossas autoridades possam vir à região de Zhythomir e abrir a escola renovada onde a bandeira de Portugal estará ao lado com a da União Europeia. E isso será um sinal de que Portugal realmente nos apoia.

A estratégia de Portugal recuperar Zhythomyr é semelhante à iniciativa, por exemplo, que entregou à Dinamarca a recuperação de Mykolaiv?

Sim, essa foi a ideia que o meu Presidente sugeriu a todos os líderes da União Europeia. Pegar numa região onde sintam que podem ser mais fortes.

E recuperar não apenas o setor da educação em Zhythomyr?

Sim, é sobre a reconstrução em geral. A reconstrução da habitação social, das escolas e jardins de infância precisava de ser feita agora. E, diga-se de passagem, Portugal é um dos países que imediatamente tomaram esta iniciativa e ajudou-nos muito.
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  • Joao Oliveira
    11 mar, 2023 Edimburgo 18:58
    Para que a pressa?So colocaria o futuro da UE e da Ucrânia em risco. Que haja paz primeiro na Ucrânia - reconstrói-se o país, saram-se as feridas do próprio povo e com os Russos, e que se resolvam os serios problemas sociais e económicos dentro daquele pais que preveniram ate agora a integração Europeia. Antes da guerra, a Ucrânia ja era um dos pais pobres do continente - o fim desta pode trazer um impeto de unidade nacional e de recomeço, mas levara muitos anos ate que este país esteja pronto para a adesão- será um grande dia, mas não para já - e muito menos sem as reformas tao urgentes para tirar aquela nação definitivamente da ‘era Sovietica’.

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