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Em defesa dos indígenas, Vaticano condena a "Doutrina das Descobertas"

30 mar, 2023 - 18:19 • Aura Miguel

Doutrina que serviu para justificar a expropriação dos indígenas por parte dos soberanos colonizadores "não faz parte do ensinamento da Igreja Católica", refere nota publicada hoje.

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O Vaticano condenou esta quinta-feira a chamada "doutrina das Descobertas", reagindo a um pedido feito pelos indígenas, lê-se na “Nota conjunta sobre a Doutrina das Descobertas”, divulgada pelos Dicastérios para a Cultura e a Educação e para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral.

O documento afirma que a "Doutrina das Descobertas", teoria que serviu para justificar a expropriação dos indígenas por parte dos soberanos colonizadores, "não faz parte do ensinamento da Igreja Católica". A nota diz ainda que as bulas papais com as quais foram feitas concessões aos soberanos colonizadores nunca se tornaram magistério.

O texto surge oito meses depois da viagem do Papa Francisco ao Canadá e reitera a rejeição da Igreja Católica à mentalidade colonizadora. Ao longo da história, “os Papas condenaram os atos de violência, opressão, injustiça social e escravidão, inclusive os cometidos contra as populações indígenas”, lê-se na Nota que recorda “numerosos exemplos de bispos, sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos que deram a vida em defesa da dignidade daqueles povos”. O documento recorda ainda que “muitos cristãos cometeram atos celerados contra as populações indígenas, pelos quais pediram perdão em várias ocasiões os últimos Papas.”.

O conceito jurídico de «descoberta» foi debatido pelas potências coloniais a partir do século XVI e encontrou particular expressão na jurisprudência dos tribunais de vários países do século XIX, segundo a qual “a descoberta de terras pelos colonos conferia um direito exclusivo de extinguir, por meio de compra ou conquista, o título ou a posse destas terras pelas populações indígenas". Alguns defensores desta "doutrina" basearam-se nas Bulas de Nicolau V "Dum Diversas" (1452) e "Romanus Pontifex" (1455), e na de Alexandre VI "Inter Caetera" (1493), documentos nos quais estes dois Papas autorizaram os soberanos portugueses e espanhóis a apoderar-se das propriedades nas terras colonizadas e suas populações originárias.

A Nota afirma que “os documentos papais em questão, escritos em um período histórico específico e ligados a questões políticas, nunca foram considerados expressões da fé católica”. E acrescenta que a Igreja “reconhece que essas bulas papais não refletiam adequadamente a igual dignidade e direitos dos povos indígenas”, tendo sido “o conteúdo destes documentos manipulado para fins políticos pelas potências coloniais em competição, para justificar atos imorais contra as populações indígenas, às vezes realizados sem a oposição das autoridades eclesiásticas”. Portanto, é justo, afirmam os dois Dicastérios da Santa Sé, “reconhecer esses erros, consciencializar-se dos efeitos terríveis das políticas de assimilação e o sofrimento vivido pelas populações indígenas, e pedir perdão”.

A “arte do encontro” e a “arquitetura da reconciliação”

Num comentário que acompanha o texto hoje divulgado, D. José Tolentino de Mendonça, Prefeito do Dicastério para a Cultura e Educação, sublinha que “a doutrina das descobertas não fazia parte do ensinamento da Igreja Católica, e é repudiada nesta Nota; mas este trágico acontecimento recorda-nos a necessidade de estarmos cada vez mais vigilantes na defesa da dignidade de todos os homens e na necessidade de crescer no conhecimento e na valorização das suas culturas”.

O cardeal português refere que este Documento “faz parte do que poderíamos chamar de arquitetura da reconciliação, e é também o produto da arte da reconciliação, o processo pelo qual as pessoas comprometem-se a ouvir umas às outras, a falar umas com as outras e a crescer na compreensão mútua”. Tolentino revela que as perceções que informam esta Nota são “fruto de um diálogo renovado entre a Igreja e os povos indígenas”, reconhecendo que é ouvindo os povos indígenas que a Igreja “aprende a compreender seus sofrimentos, passados e presentes, e nossas carências”. E que é no diálogo cultural “que nos comprometemos a acompanhá-los na sua busca de reconciliação e cura. Devemos viver a arte do encontro.”, conclui

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