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Qatargate. Tudo o que já se sabe sobre o escândalo de corrupção no Parlamento Europeu

12 dez, 2022 - 09:20 • Olímpia Mairos

É já considerado o caso de corrupção “mais sério”, “mais chocante” e “mais flagrante” a atingir a UE nos últimos anos. Uma vice-presidente da instituição, a grega Eva Kaili, está entre os detidos, bem como o antigo eurodeputado italiano Antonio Panzeri e Luca Visentini, o novo chefe da Confederação Europeia de Sindicatos - o maior grupo de organizações sindicais do mundo.

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Está em curso uma investigação a um alegado caso de corrupção, organização criminosa e branqueamento de capitais ligado a suspeitas de que o Qatar - anfitrião do Mundial de Futebol - terá tentado influenciar decisões políticas e económicas no Parlamento Europeu.

O caso batizado "Qatargate" já levou à detenção de Eva Kaili, vice-presidente do Parlamento Europeu. Mas o que envolve e quem está envolvido nele? Eis tudo o que já se sabe sobre o que alguns consideram ser o escândalo de corrupção mais grave a atingir o coração da União Europeia (UE) em muitos anos.

O que está em causa?

Órgãos de fiscalização dizem que pode ser o escândalo de corrupção “mais sério”, “mais chocante”, “mais flagrante” a atingir Bruxelas nos últimos anos.

A vice-presidente do Parlamento Europeu Eva Kaili e três outras pessoas foram acusadas e detidas neste domingo, na Bélgica, no âmbito de uma investigação sobre suspeitas de corrupção relacionadas com o Qatar no seio desta instituição.

Kaili, uma das vices do PE, foi apanhada "em flagrante delito", pelo que não está abrangida pela imunidade que o cargo lhe concede.

A polícia federal belga fez pelo menos 16 buscas, tendo apreendido 600 mil euros, telefones e computadores.

Quatro pessoas foram presas após serem indiciadas por um juiz de instrução de Bruxelas por “pertencerem a uma organização criminosa, lavagem de dinheiro e corrupção”, informou a procuradoria federal em comunicado à imprensa. Outras duas pessoas foram libertadas pelo juiz.

Quão grave é este caso?

O "Qatargate" pode ser “o caso mais flagrante” de alegada corrupção que o Parlamento Europeu já viu em anos, disse o chefe da Transparência Internacional, Michiel van Hulten.

Alberto Alemanno, professor de direito da HEC Paris, classificou o escândalo como "o mais chocante da história da UE”.

O eurodeputado alemão Daniel Freund, co-presidente do intergrupo anticorrupção do Parlamento, destaca tratar-se de um dos “escândalos de corrupção mais graves em Bruxelas nas últimas décadas”.

Van Hulten disse que o Parlamento criou uma “cultura de impunidade (...) com uma combinação de regras e controles financeiros frouxos e uma completa falta de supervisão ética independente”.

Alemmano também alertou que esta seria apenas a “ponta do icebergue”, esperando que um amontoado de escândalos venha a criar um impulso político para um sistema ético independente.

Quem é Eva Kaili?

É uma das 14 vice-presidentes do Parlamento e uma das mais poderosas da instituição. Ex-apresentadora de notícias na Grécia, é também uma das figuras mais glamourosas de Bruxelas.

Recentemente tornou-se uma grande defensora do Qatar, com declarações recentes de Eva Kaili a causarem mesmo grande estranheza no Parlamento Europeu.

Numa sessão plenária em novembro, caracterizou o país como um “pioneiro dos direitos laborais”, apesar das profundas preocupações internacionais sobre as condições para os trabalhadores imigrantes – nomeadamente durante a construção de estádios para o Mundial de Futebol, ainda a decorrer no país, durante a qual milhares morreram.

Quem mais está envolvido?

O parceiro de Kaili, Francesco Giorgi, também foi detido. Conselheiro para a região do Oriente Médio e Norte da África no Parlamento Europeu, Giorgi é o fundador de uma ONG chamada Fight Impunity, que visa promover “a prestação de contas como um pilar central da arquitetura da justiça internacional”.

O presidente da Fight Impunity é Pier Antonio Panzeri, um ex-eurodeputado italiano também do grupo social-democrata (S&D). É figura central no caso e também foi detido, assim como a esposa e a filha. Panzeri é acusado de “intervir politicamente com membros que trabalham no Parlamento Europeu em benefício do Qatar e de Marrocos”.

De acordo com a agência de notícias italiana Ansa, Niccolò Figà-Talamanca também foi detido. Ele é o diretor-geral de outra ONG, No Peace Without Justice, centrada na justiça criminal internacional, nos direitos humanos e na promoção da democracia no Oriente Médio e no Norte da África. A organização está oficialmente sediada em Nova Iorque e Roma, mas tem o mesmo endereço de Bruxelas que a Fight Impunity, na 41 Rue Ducale.

Mogherini renunciou ao conselho no sábado de manhã, de acordo com um porta-voz do Colégio da Europa, onde é agora reitor. Avramopoulos disse, através de um e-mail na manhã de domingo, que ele, Cazeneuve e Wikström também renunciaram “imediatamente quando fomos informados na sexta-feira”.

O caso está limitado ao Parlamento Europeu?

Não, como mostra a detenção de Luca Visentini, que no mês passado assumiu o cargo de secretário-geral da Confederação Sindical Internacional (CSI) e que foi chefe da Confederação Europeia de Sindicatos durante vários anos.

O que ganha o Qatar com o lóbi?

O processo de eleição do país anfitrião do campeonato do mundo ficou marcado por escândalos de corrupção e, ao longo da preparação, calcula-se que tenham morrido várias centenas de trabalhadores imigrantes no país, onde trabalham sem o mínimo de condições.

Os críticos liberais aproveitaram o evento mundial de futebol para atacar a posição do país muçulmano conservador sobre os direitos das mulheres e LGBTQ+.

Manter uma boa reputação é assim crucial, já que o Qatar está empenhado em fechar acordos com os países da UE para o comércio do seu gás natural, numa altura de crise energética no continente na sequência da invasão russa da Ucrânia.

A proposta para conceder aos qataris a isenção de visto para viajar para o espaço Schengen da UE também é outro tema quente que está a avançar no Parlamento Europeu.

E agora, o que acontece?

Face aos acontecimentos recentes, a Comissão Europeia deverá propor um órgão de ética independente que se aplique a todas as instituições da UE, mas é quase certo que tenha poder de investigação ou de execução.

O eurodeputado alemão Daniel Freund argumenta que os países que não fazem parte da UE deveriam ter de seguir as regras aplicadas aos lóbis que já estão em vigor em Bruxelas. Atualmente, os países não precisam de se registar no registo de transparência da UE de grupos de interesse, por exemplo, e os eurodeputados não são obrigados a relatar esses contactos.

“A UE deve melhorar isto imediatamente”, defende Freund.

O que diz o Qatar? E quais as consequências para o país?

“Qualquer associação do Governo do Qatar com as alegações relatadas é infundada e gravemente mal informada”, lê-se no comunicado oficial do Qatar emitido no domingo.

“O Estado do Qatar trabalha através do envolvimento de instituição para instituição e opera em total conformidade com as leis e regulamentos internacionais”, é acrescentado no documento.

O S&D já pediu que a proposta de liberalização de vistos para qataris seja suspensa. O relator dos Verdes diz que votaria contra essa liberalização se ela fosse votada esta semana.

Ao mesmo tempo, o Comité de Relações Exteriores do Parlamento, que planeava uma deslocação à Arábia Saudita e ao Qatar nas próximas semanas, cancelou a ida ao Qatar, deixando o país em desvantagem face a um dos seus principais rivais no que toca às atenções da UE.

O que se segue no Parlamento Europeu?

Na noite de sábado, a presidente do Parlamento, Roberta Metsola, suspendeu o mandato de vice-presidente da eurodeputada social-democrata grega Eva Kaili, detida na sexta-feira.

Quando o plenário se reunir em Estrasburgo esta semana, é provável que os eurodeputados revoguem a imunidade parlamentar de Kaili. A esquerda já pediu formalmente que um debate sobre o incidente seja adicionado à agenda, com uma votação marcada para a noite desta segunda-feira.

Kaili também já foi suspensa do grupo S&D e do seu partido na Grécia, o Pasok.

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