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Afeganistão a morrer à fome. Há pais a sedarem filhos e a venderem filhas

24 nov, 2022 - 11:05 • Redação

Reportagem da BBC denuncia dura realidade dos afegãos no segundo inverno sob poderio talibã, numa altura em que a ajuda humanitária internacional ao país continua congelada.

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Ao segundo inverno do Afeganistão sob administração dos talibãs, depois de a milícia ter tomado o poder no país em agosto de 2021, há pessoas desesperadas a sedarem os filhos por não terem comida para lhes dar e até quem venda órgãos e as próprias filhas para sobreviver.

Com a ajuda humanitária ao país congelada, no contexto do que a ONU classifica como uma "catástrofe humanitária" que piorou em larga escala sob o regime talibã, há milhões de afegãos em risco de morrer à fome, denuncia a BBC numa reportagem publicada esta quinta-feira.

"As nossas crianças estão sempre a chorar, não conseguem dormir", relata Abdul Wahab, residente nos arredores de Herat, a terceira maior cidade do Afeganistão. "Não temos comida, então vamos à farmácia buscar comprimidos e damos aos nossos filhos para eles ficarem sonolentos."

Abdul vive num campo de deslocados internos com casas sem condições, fruto da guerra que devastou o Afeganistão desde 2001, mas que tem aumentado nos últimos anos também por causa das alterações climáticas.

Ali, quase todos medicam os filhos esfomeados. É o caso de Abdul e também de Ghulam Hazrat, que do bolso tira uma caixa de comprimidos para mostrar aos correspondentes da BBC.

É uma caixa de alprazolam, um tranquilizante usado para tratar a ansiedade. Ghulam tem seis filhos e dá este medicamento a todos, incluindo ao mais novo, de um ano.

Outros entrevistados mostram caixas dos antidepressivos escitalopram e sertralina. Qualquer destes medicamentos ingerido por quem não esteja bem nutrido pode causar falência do fígado e uma série de outros problemas de saúde, como fadiga crónica e doenças comportamentais e do sono.

A maioria dos homens que vivem nesta parte de Herat trabalham à jorna. Enfrentam dificuldades diariamente desde o início da guerra, há 21 anos, mas desde que os talibãs chegaram ao poder a situação piorou em larga escala.

Na maioria dos dias não há trabalho e, nos raros dias em que há, cada homem faz pouco mais de 1€ por dia. Em todas as zonas que a BBC visitou, multiplicam-se os relatos de situações extremas e passos desesperados para tentar salvar famílias da fome.

É o caso de Ammar (nome fictício), um jovem na casa dos 20 anos que vendeu um rim por cerca de 3.100€; o dinheiro já foi todo usado para pagar dívidas que contraíra para comprar comida para a família.

Há alguns anos, as cheias levaram o único rebanho de ovelhas que era o ganha-pão da família; Ammar ficou sem sustento e sem maneira de pagar a dívida que contraiu para poder comprar os animais. Agora, os cobradores exigem-lhe que lhes venda a filha de dois anos.

A BBC diz ter recolhido provas de inúmeras famílias que já venderam filhas para conseguirem comprar comida, muitas vezes por metade do valor de um rim.

Questionado sobre a situação, o porta-voz do governo provincial talibã de Herat assegura que estão a ser feitas coisas para responder à fome generalizada e garante que os talibãs vão criar postos de trabalho, com a "abertura de minas de ferro e um projeto de gasoduto" -- projetos que, a concretizarem-se, não respondem às necessidades imediatas da população.

Todas as pessoas ouvidas pela BBC dizem-se abandonadas, pelo Governo talibã e pela comunidade internacional.

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  • sofia
    25 nov, 2022 lisboa 23:42
    E depois os americanos "colonizadores" é que eram os maus, como se ouviu várias vezes em entrevistas de rua à população. As queixas dos americanos eram mais que muitas, queriam ser independentes. Aí têm. Quando o ser humano não faz nada por evoluir, por se desenvolver, com esforço e trabalho, ficam nas mãos dos outros. Quando os outros são bons, criticam-nos. Quando os outros são maus, passam fome.
  • Cidadao
    24 nov, 2022 Lisboa 18:38
    Quando os talibãs fizeram aquele passeio triunfal para reocuparem o Poder, vocês Afegãos, que já sabiam o que a casa gastava, deviam ter pegado em armas e resistido, já que o vosso "exército" de 300 000 soldados, resolveu antes abrir a pernoca e deixá-los entrar. Agora, depois de 20 anos e milhares de milhões de dólares em ajudas Ocidentais, querem mais? Desculpem, mas temos as mãos cheias com a Ucrânia e os migrantes que aparecem todos os dias...

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