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​Apoio à Rússia pode custar liderança a Xi Jinping, diz autora de “A mais breve História da China”

25 jul, 2022 - 08:00 • Sandra Afonso

A invasão à Ucrânia está a ser gerida com pinças pelo Governo chinês, eterno aliado de Moscovo. No plano geoestratégico, esta ligação compromete as relações do país com os mercados ocidentais e deixa-o exposto às sanções à Rússia. Muito dificilmente Xi Jinping irá virar as costas a Putin, mas pode sair-lhe caro. É o que avança à Renascença Linda Jaivin, jornalista e sinóloga.

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Com mais ou menos conhecimento sobre a China e a Rússia, ninguém consegue imaginar o rompimento da “amizade sem limites” destes dois países, por causa do apoio à guerra na Ucrânia. Mas a maior economia do mundo também tem pontos fracos, e o Presidente chinês, Xi Jinping, sabe disso.

A China jamais colocará em risco a posição atual de liderança no comércio global, garante Linda Jaivin, autora de “A mais breve História da China” (Ed D.Quixote). “A liderança chinesa atual está a ser muito cautelosa para evitar eventuais sanções por ajudar a Rússia”, diz. Exemplo disso são as medidas que têm sido tomadas, como o fortalecimento da moeda chinesa usada no comércio internacional, “para garantir que as sanções à Rússia não os afetam”.

Para esta sinóloga, “no fundo, a China não está assim tão comprometida com a Rússia que se deixe prejudicar”.

As consequências do conflito na Europa dependem muito de variáveis ainda desconhecidas, como a duração desta guerra. Mas na China há uma data que é certa, o congresso do Partido Comunista, marcado para o outono. Muitos apostam que Xi Jinping se prepara para estender a liderança, mas a atualidade pode alterar-lhe os planos, como aconteceu em Inglaterra com Boris Johnson ou em Itália com Mário Draghi.

Linda Jaivin defende que se deve olhar para o passado da China, ele mostra-nos “que os regimes são vulneráveis a certas coisas, uma delas é a perceção de corrupção. É o que mais motiva os protestos e se existe algum indício de corrupção nas ligações com a Rússia, isso não vai cair bem”.

No congresso do partido vai estar ainda em causa a sucessão. “Xi Jinping permitiu a ele próprio um terceiro e um quarto mandato… Vamos ver o que acontece em novembro, mas entrou num jogo difícil, porque as dificuldades de sucessão já fazem parte da história. Se as pessoas perceberem que a aliança com a Rússia ameaça a posição da China no mundo, terá consequências no próximo mandato de Xi Jinping”, defende esta sinóloga.

Na era de Xi Jinping a China está mais agressiva. Segundo Linda Jaivin, ele abandonou a abordagem suave do antecessor e centralizou o partido na sua liderança.

Com cerca de 95 milhões de membros, o Partido Comunista Chinês é hoje uma mistura de velhos membros da era reformista, apoiantes do passado, e de “millennials” habituados apenas a uma China próspera e forte. Uma mistura que pode ser problemática, para o futuro político da China, sublinha Linda Jaivin.

Apesar de ter concentrado o poder em si mesmo, Xi Jinping tem sido alvo de sucessivas críticas, mas são rapidamente silenciadas. As únicas vozes de protesto, expressivo chegam de Hong Kong, onde as pessoas “estão chocadas e numa situação horrível de privação de direitos”. Passaram de “um país, dois sistemas”, para “um país, um sistema”, perderam a liberdade “da noite para o dia, há muito sofrimento”.

No entanto, na China a população continua “dormente”, seria preciso o país inteiro em protestos para mudar o regime. “Por outro lado, a rede altamente sofisticada e tecnológica de vigilância e controlo é tão invasiva e forte que é muito difícil imaginar como isso seria organizado”, admite Linda. O próprio Partido Comunista Chinês também pode substituir Xi Jinping, mas não vai querer prescindir dos mecanismos que mantêm a população vigiada e controlada.

A população também vai sentindo os benefícios do crescimento económico do país, que é hoje a segunda maior economia do mundo. Mas, no plano global, este posicionamento tem sido conseguido com uma política centrada inteiramente nos resultados.

Pequim tem ainda políticas e leis para as alterações climáticas, mas está a encontrar dificuldade em quebrar com a dependência do carvão, sobretudo em algumas províncias.

A China consegue ganhos onde outros não chegam, o que explica a popularidade em África e na América Central e do Sul. “Está disposta a investir, muito e de forma estratégica. E os projetos têm implicações ambientais e fomentam o emprego”, explica Linda Jaivin.

No entanto, os países não querem só investimento, pedem também apoios. E a China está disponível para emprestar sem condições, ao contrário dos Estados Unidos ou do Ocidente, que pedem a estes países “que acabem com a corrupção ou que adotem processos democráticos”.

Pelo contrário, “a China não quer saber! E isso agrada aos regimes autoritários, ditaduras, regimes corruptos e a quem não quer os modelos impostos pelos norte americanos”, sublinha a autora de “A mais breve História da China”.

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