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Guerra na Ucrânia

Londres e os oligarcas. Um tímido pedido de divórcio

03 mar, 2022 - 21:28 • António Fernandes , correspondente em Londres, com Redação

Governo de Boris Johnson não aperta sanções. Oposição teme fuga de dinheiro russo. Em Portugal, o ministro dos Negócios Estrangeiros diz desconhecer quantos oligarcas russos têm as contas congeladas em Portugal, alegando que essa matéria é da competência do Banco de Portugal e não do Governo.

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Quando começou a invasão da Rússia à Ucrânia, o primeiro-ministro britânico Boris Johnson prometeu “espremer a Rússia da economia global, peça a peça”. O anúncio das sanções a oligarcas no Reino Unido parecia considerável. 100 indivíduos veriam os seus bens congelados, disse o Governo. A lista, no entanto, é maioritariamente composta por entidades. Apenas 8 são oligarcas, tidos como próximos do Kremlin, na imensidão de dinheiro que tem circulado na economia britânica nas últimas décadas. Para além de verem os seus bens congelados, estes 8 estão também impedidos de viajar para o Reino Unido e ninguém no país pode continuar a fazer negócios com eles. Há também promessa de divulgar uma lista dos multimilionários ligados ao Kremlin cujos bens poderão ser congelados, mas isso ainda não aconteceu.

Esse número 8 parece curto, e é. A União Europeia já aplicou sanções a 680 oligarcas ou pessoas com ligações ao Kremlin. Em vez das sanções, o Governo de Londres está investido em acelerar uma legislação para o crime económico, que já estava a ser discutida desde 2016, e que pretende expor os donos de propriedades e negócios.

Legislação em vez de sanção

As grandes casas nos bairros luxuosos de Londres custam muito dinheiro. Milhões. O que têm em comum? Muitas são propriedades de cidadãos russos. Ou melhor, pensa-se que são propriedades de cidadãos russos. Essas propriedades são compradas através de empresas, que fazem parte de outra empresa, que no seu ponto de criação só custou 12 libras através de um processo sem grande controlo. No meio do turbilhão o verdadeiro dono dessas propriedades ficava por conhecer.

Segundo o projeto-lei, quando um advogado tentar registar nova propriedade terão de declarar publicamente quem é que vai beneficiar dela. Se isso não acontecer, a propriedade ficará congelada e o dono não a conseguirá alugar ou vender. A lei também será aplicada a quem tenha adquirido propriedades nos últimos 20 anos.

Há muito tempo que é assumido que esse dinheiro, de origem tantas vezes suspeita, circula por Londres por via de investimentos que o legitimam. Sistemas de lavagem de dinheiro conhecidos, mas que até agora não foram combatidos. Esta legislação é um passo nesse sentido, de lidar com o dinheiro que chega da Rússia - e não só - e saber a quem pertence. O grande problema é que a guerra avança de a hora a hora e não só a legislação ainda está a ser discutida como conta com um muito criticado período de graça de 18 meses para quem já tem propriedades no Reino Unido.

Para o Partido Trabalhista, líder da oposição, este período de graça dá tempo aos oligarcas para “lavarem o seu dinheiro calmamente”. Por isso, avançou com uma proposta para alterar esse período para 28 dias.

É neste entretanto que surge o caso de Roman Abramovich, dono Chelsea FC. Dono, por enquanto. Confrontado com as primeiras sanções a nacionais russos, Abramovich anunciou que ia ceder a gestão do clube. Poucos dias depois avançou mesmo para confirmar que vai vender o clube. Os lucros líquidos da venda, disse em comunicado, serão revertidos para uma fundação para as vítimas da guerra na Ucrânia. Não escapando dos holofotes da fama, têm sido muitos os pedidos para que o Governo lhe aplique sanções por uma proximidade a Putin que Abramovich nega. Antecipando esse cenário, Abramovich estará já a vender vários apartamentos que tem em Londres.

Não será o único a seguir esse caminho de tentar vender os seus bens, numa altura em que na União Europeia muitos já foram alvo de sanções e podem aproveitar este tempo enquanto o mesmo não acontece aqui no Reino Unido. Numa entrevista ao New York Times, Misha Glenny - o autor de “McMafia”, livro sobre crime organizado que se tornou numa popular série de TV - disse que o plano do governo acaba por ser como “fechar a porta do estábulo depois do cavalo ter saído a correr”. A legislação pode chegar depois de muito dinheiro ter deixado o Reino Unido.

O que atrasa as sanções de Londres?

O Governo defende que para impor as sanções é preciso ter a certeza de que não se dão passos errados legalmente. No entanto, há quem diga que a demora em aplicar sanções pode estar relacionada com o facto de estas serem as primeiras grandes sanções que o Reino Unido aplica por conta própria desde que saiu da União Europeia, que já pediu ao Reino Unido para agir mais rápido.

Por outro lado, há uma cumplicidade com um sistema implementado de lavagem de dinheiro que tem alimentado a economia da capital britânica, principalmente no ramo do imobiliário.

A organização contra a corrupção Transparency International estima que quase dois mil milhões de libras de imobiliário britânico tenham sido comprados por russos acusados de corrupção ou com ligações ao Kremlin. Desses 2 mil milhões, dizem, 430 milhões foram gastos em Westminster, onde fica o Parlamento britânico. Por isso, quando falamos dos oligarcas e da sua influência junto ao Kremlin temos de pensar também na sua influência junto a Westminster.

Boris Johnson nega que o Partido Conservador tenha recebido dinheiro de oligarcas. Quando lhe perguntaram se abdicaria das suas doações disse no parlamento que era “importante perceber que não recebemos dinheiro de oligarcas russos. Nós recebemos dinheiro de pessoas que estão registadas para votar no Reino Unido”. Tecnicamente Johnson tem razão. Por lei não seria possível a um cidadão russo doar por a um partido britânico, mas muitos deles têm já dupla cidadania e por isso podem votar. Quem doa ao partido não são cidadãos russos, são cidadãos britânicos. Dessas mãos russo-britânicas o Partido Conservador recebeu, só desde que Boris Johnson se tornou primeiro-ministro em julho de 2019, 2 milhões de libras. Perto de 2.4 milhões de euros. Muito desse dinheiro veio de Lubov Chernukhin, casada com um antigo ministro de Putin. De acordo com os Pandora Papers, saiu da Rússia para o Reino Unido com mais de 400 milhões de euros e todos os seus negócios intactos. Chernukin, dizem, ganha todos os leilões do Partido Conservador. O último valeu-lhe uma partida de ténis com o primeiro-ministro. Anos antes ganhou um jantar com a então primeira-ministra Theresa May.

Evgeny Lebedev, dono do Evening Standard, um jornal gratuito de Londres mais alinhado com o Partido Conservador e com circulação de quase 500 mil exemplares por dia, é tido como próximo de Johnson. Johnson, de resto, já passou mesmo um fim de semana no castelo de Lebedev em Itália. Lebedev condenou a guerra num editorial no jornal, mas ninguém esqueceu que a fortuna provém das ligações ao Kremlin por via do KGB, onde o pai trabalhou.

Sem impor mais sanções diretas, ao avançar com a legislação para o Crime Económico o Governo britânico progride lentamente, mas mostra uma intenção de apertar o cerco aos oligarcas russos. Durante muito tempo, esses oligarcas mantiveram-se perto dos círculos de poder e o Reino Unido beneficiou desse investimento sem fazer perguntas. Agora tem dificuldades em saber como avançar para o divórcio.

Santos Silva admite não saber quantos oligarcas russos têm contas congeladas em Portugal
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E Portugal, o que está a fazer?

A questão foi colocada ao ministro dos Negócios Estrangeiros que, no programa Hora da Verdade, disse desconhecer quantos oligarcas russos têm contas congeladas em Portugal, e disse, até, sentir-se “um pouco embaraçado, porque não gosto de pronunciar-me sobre assuntos que não domino inteiramente”.

A explicação, diz o ministro, é que a decisão sobre o congelamento de contas bancárias e bens de oligarcas não é competência da política externa, mas sim “do Banco de Portugal”.

“Não lhe sei dizer porque como isso não é matéria de política externa não quero atrever-me a dar por garantido uma coisa que tenha acontecido noutro departamento”, acrescentou o chefe da diplomacia portuguesa.

Certo é que, também em entrevista à Renascença, a embaixadora ucraniana em Portugal, Inna Ohnivets, defendeu mão dura sobre os oligarcas russos e diz que estar a colaborar com as autoridades portuguesas na elaboração da lista dos que devem ser sancionados.

Desde 2012 até janeiro deste ano, mais de 530 cidadãos russos obtiveram direto de residência através dos vistos gold e aplicaram mais de 35 milhões de euros por ano, desde 2019, um valor que pesou entre 5% e 7% no investimento estrangeiro total em Portugal.

Comentários
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  • Anónimo
    05 mar, 2022 Lisboa 16:53
    Se a escumalha milionária russa está toda em Londres, ainda mais fácil é prendê-los e só libertá-los quando Putin parar com esta porcaria toda.

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