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“Ainda estamos vivos”. Relatos que chegam a quem vê a guerra longe de casa

28 fev, 2022 - 17:01 • Beatriz Lopes

Mariya Viktorvina vive em Portugal e recebe mensagens de desespero da família que ficou na Ucrânia. À Renascença, garante que os ucranianos “são homens com um H grande” e não vão desistir. Mas a comunidade internacional podia ir mais longe. “Sentimos que fomos totalmente abandonados. Precisávamos de mais do que um ‘boa sorte’”.

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Testemunho da ucraniana Mariya Viktorvina sobre situação na Ucrânia (28/02/2022)

A mensagem de áudio chega entre soluços e lágrimas e com quase quatro mil quilómetros de distância: “Minha querida, olá. Ainda estamos vivos. Estou com medo, estamos a ser bombardeados. Qualquer coisa, desculpa-nos por tudo. Estamos a aguentar-nos. Vivos.”

É Mariya Viktorvina, ucraniana a viver em Portugal há 20 anos, quem a recebe. É uma prima quem dá voz ao desespero, a partir da cidade de Mykolaiv, no Sul da Ucrânia, que tem sido alvo de intensos combates.

“Os meus familiares continuam a dizer-me que os bombardeamentos não param, ninguém consegue dormir. A minha cidade é agora um cemitério. Há muitos corpos no chão. A cidade cheira mal, está destruída”, conta à Renascença Mariya Viktorvina, embora o raciocínio por vezes lhe falhe. “O pensamento está cansado” e há três noites que a realidade teima em não dormir.

É também na cidade de Mykolaiv que vivem os tios, os primos e a avó de Mariya, que não tem internet mas com quem ainda consegue manter contacto, já que foram várias as operadoras de telecomunicações a disponibilizar chamadas gratuitas para a Ucrânia.

“O medo do silêncio” estende-se ao Norte do país, com os militares russos a apertarem o cerco a Kiev, onde Mariya Viktorvina tem também uma prima que, apesar de ter visto para Portugal, "não conseguiu sair a tempo". Agora, todos estão separados pela lei marcial. Ou pela lei da sobrevivência.

“Alguns estão em bunkers. Outros conseguiram ficar em garagens subterrâneas que encontraram e saem apenas para ir às compras, num curto espaço de tempo. Os homens estão na guerra, as mulheres escondidas com filhos. É um medo constante. É sobreviver um dia de cada vez. E respirar por alguns momentos, quando sabemos que estão bem e vivos”, descreve.

"Chega a um momento em que já não consegues sequer perceber com quem é que tens de te preocupar", acrescenta, numa altura em que as imagens de satélite mostram o avanço das tropas russas em várias cidades ucranianas e que se intensifica a ameaça nuclear.

Mas ao relato de medo e pânico de Mariya juntam-se também as palavras de coragem e patriotismo de um povo que "não é cobarde".

"Nós somos patriotas. Até ontem, também eu estava a arranjar forma de ir para a Ucrânia. Comparo isto a uma casa. Imaginem que a vossa casa está a ser assaltada, vocês não estão preocupados em morrer, só querem manter os vossos vivos. O nosso povo só quer manter-nos vivos. Os nossos homens são homens com um H grande, não são cobardes, não desistem. Eles não têm medo de morrer para salvar o nosso país e aquelas famílias", afirma à Renascença.

Sobre as negociações entre a Ucrânia e a Rússia, Mariya Viktorvina diz-se "pouco esperançosa" e considera que as sanções que têm sido impostas pela União Europeia deviam ter efeitos imediatos.

"São sanções que demoram muito tempo. Aqueles castigos só vão ser sentidos um pouco mais tarde. Nós precisávamos de ajudas imediatas. Os russos atacam-nos por terra, pelo ar… O que nós sentimos é que fomos totalmente abandonados. O que nos dizem é ‘estão a ir bem’. E estamos! Estamos a ir muito bem! Mas nós precisávamos de mais do que um ‘boa sorte’", lamenta.

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