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​Donetsk e Lugansk, os trunfos de Putin

21 fev, 2022 - 23:42 • José Bastos

Reconhecer as repúblicas pró-russas é a jogada mais recente de Putin na partida de xadrez que mantém com Biden. O trunfo de 2022, como a Crimeia, agora inegociável, foi em 2014 ou, antes, a Ossétia do Sul e a Abecásia.

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No imprevisível tabuleiro ucraniano, a decisão de Putin de reconhecer como países independentes as duas auto-proclamadas repúblicas de Donetsk e Lugansk, além de representar, na prática, o fim dos acordos de Minsk de 2015, pode antecipar o início de uma operação militar em larga escala. O reconhecimento chega depois de semanas de tensão, com 180 mil soldados russos rodeando a fronteira da Ucrânia e com a ameaça da invasão a impender em cima da mesa.

Não se trata de uma decisão totalmente inesperada. Putin já havia aludido, a semana passada, a alegados ataques à sua população e na reunião desta segunda-feira do Conselho de Segurança em Moscovo, como seria antecipável, todas as intervenções foram no sentido de satisfazer as exigências dos líderes separatistas, favorecendo o reconhecimento de Donetsk e Lugansk como estados independentes.

Na ronda de intervenções no Conselho de Segurança russo, o mais explícito foi o ex-presidente e ex-primeiro ministro Dmitri Medvedv, “sabemos o que acontecerá se as repúblicas de Donetsk e Lugansk forem reconhecidas. A pressão será ilimitada, mas saberemos resistir. Na opinião de Medvedv, “O Ocidente pedirá para regressar ao diálogo sobre segurança estratégica se a Rússia apoia o Donbass, como já sucedeu em 2008, tendo em conta a intervenção russa na Ossétia do Sul e Abecásia”. Afinal, a referência a um cenário idêntico, o reconhecimento das regiões separatistas da Geórgia, causando como a guerra de agosto russo-georgiana, o primeiro grande momento de deterioração da relação da Rússia com o Ocidente, desde o final da guerra fria.

Dmitri Kózak, representante do Kremlin no “grupo de contacto” que negoceia a aplicação dos acordos de Minsk, também veio dizer “ser evidente que Ucrânia e os seus aliados ocidentais não necessitam de Donbass em nenhuma circunstância. Kózak também foi da opinião de que “as negociações dos acordos de Minsk estão no grau zero desde 2015”.

Fim dos acordos de Minsk e primeiro passo para uma posterior anexação ou a conversão em protetorados russos? A decisão de hoje é a sequência do levantamento em armas das províncias de Donetsk e Lugansk, depois da revolução da Euromaidán que derrubou a presidência de Viktor Yanukóvich. Havia sido a resposta do Kremlin à saída do poder dos oligarcas pró-russos a mandar em Kiev, desde o fim da URSS. Desde 2014, Donetsk e Lugansk estavam controladas pela milícia Nova Rússia. Donetsk e Lugansk são, nesse sentido, os trunfos mais recentes de Putin na partida de xadrez que mantém com Biden, como a Crimeia o foi em 2014.

Para Moscovo, a Crimeia é agora inegociável. Apesar dos protestos e da violação do direito internacional é um cenário diferente de Donetsk e Lugansk. Pode a Crimeia formar parte de um entendimento com múltiplas variáveis? Que, entre as possibilidades, a Ucrânia admita a soberania russa em troca de que Moscovo aceite a integridade territorial ucraniana nas fonteiras atuais, Donetsk e Lugansk incluídas, no regresso a Minsk 2? A exigência de que Moscovo não abdicaria seria o congelamento da aproximação da Ucrânia à NATO.

Mas o conjunto de dúvidas na sequência do propagandístico reconhecimento de Donestsk e Lugansk de uma independência que não é real de territórios tutelados por Moscovo desde 2014, não se esgota na reação a aguardar da Casa Branca. É a crise da Ucrânia o maior aviso para a Europa desde o final da guerra fria? Serve a NATO os interesses das democracias europeias num mundo que deixou de ser bipolar? É que além do jogo de xadrez Putin/Biden, há outro em curso, a opor os Estados Unidos à China.

Putin não terá interesse em que os europeus interfiram no confronto com Biden (visto de Moscovo, o duelo é entre duas super-potências e não admite intermediários), mas a realidade é que o grosso dos membros da União Europeia é, ao mesmo tempo, de aliados na NATO. Países a ser afetados em pleno na sua política, economia e segurança por um conflito na sua fronteira oriental. Da Europa também se espera maior presença e influência diplomática para oferecer uma alternativa para desativar a crise e ‘destrunfar’ a última jogada de Putin: Donetsk e Lugansk.

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