A+ / A-

Afonso Cabral

​Como joga o campeão Inter? Entre o espanto e a explicação

24 abr, 2024 - 09:15

O treinador e comentador Afonso Cabral desmonta as camadas do jogo do Inter de Simone Inzaghi. "O Renascimento voltou ao norte de Itália, mas desta vez a bola substituiu o pincel."

A+ / A-

Caravaggio, da Vinci, Verdi, Simone Inzaghi. À primeira vista faz lembrar um jogo de associação de palavras em que temos de encontrar o intruso. Facilmente se aponta o último como o nome que destoa, mas isso não será bem assim.

À final da Liga dos Campeões a que chegou na temporada passada, o Inter juntou a conquista da Supertaça e da Taça de Itália. Este ano, o terceiro de Inzaghi no Giuseppe Meazza, venceu confortavelmente o título nacional, confirmado com a vitória na ‘casa’ do rival AC Milan.

Adicionemos ao sucesso desportivo a estética das exibições. O resultado é um cocktail azul e negro de nome Inter.

Após seis temporadas na Lazio, Simone Inzaghi aceitou o convite de Steven Zhang, que lhe propôs devolver aos nerazzurri uma hegemonia estruturada e pensada a longo prazo. Desenvolvendo as suas capacidades ano após ano, o treinador mescla a posição e a relação dos jogadores e transforma um futebol europeu ‘preso’ aos ideais de Guardiola ou Klopp. Como anos antes Helenio Herrera, num estilo totalmente diferente (e, permitam-me, mais aborrecido) com o seu ‘catenaccio’, é agora Inzaghi a redefinir o jogo também no gigante de Milão.

A palavra de ordem é fluidez. Função sobre posição e peças a moverem-se em efeito dominó, iniciado por um primeiro jogador, para confusão dos adversários. Mas dentro desta aparente anarquia há padrões bem visíveis.

Os dois avançados complementam-se. Habitualmente titulares, Thuram e Lautaro dividem o espaço: o primeiro é o alvo da bola longa e a quem os colegas aproximam na tentativa de resgatar uma segunda bola, o segundo é quem liga entrelinhas e faz a equipa jogar e progredir no terreno, através de apoios frontais.

Nas linhas, Darmian ou Dumfries à direita e Dimarco à esquerda têm uma função híbrida. Ora se projetam na frente e tentam receber no espaço (vindos bem de trás para confundir), ora pedem a bola por dentro, oferecendo o corredor lateral ao central exterior, ora juntam à linha defensiva para construir a quatro, em caso de pontapé de baliza.

Os médios Barella e Mkhitaryan perfilam lado a lado, enquanto o turco Çalhanoğlu protege-lhes as costas e assume as funções de um tradicional ‘regista’. Por vezes, é possível vê-lo a construir como se fosse um defesa e isso tem uma explicação simples e que faz este texto passar aos centrais.

São três no papel, os defesas da equipa milanesa. Já mencionados, os exteriores têm funções diferentes do habitual, no momento de construção. Podem ter que dar largura para abrir a equipa e dificultar marcações, mas são também, muitas vezes, responsáveis por movimentos de rotura e criação de superioridade numérica mais à frente.

Para Stefan de Vrij não se sentir sozinho no eixo da defesa, Çalhanoğlu faz-lhe companhia. Por vezes, Barella junta-se a eles. Assim, o Inter ganha capacidade de construção a partir de trás, materializada no passe longo do turco e na capacidade de condução do italiano, contando com os defesas aproximados a uma zona de perda de bola, um momento em que são significativamente mais intensos para reagir à perda. Win-win, mas algo que não está ao alcance de todos.

Sem bola, a equipa dispõe-se no habitual 5x3x2 se estiver remetida ao seu meio-campo, e espelha o sistema adversário quando pressiona. Aí, há mais um capítulo na fluidez que já aqui abordei: se o adversário construir em 4x4x2, por exemplo, um dos centrais avança para um dos médios, os laterais encarregam-se dos laterais adversários, e a equipa fica homem a homem em campo inteiro, desvalorizando a superioridade numérica da linha defensiva face aos avançados, defendida por tantos treinadores.

Ganha o estilo. O Renascimento voltou ao norte de Itália, mas desta vez a bola substituiu o pincel.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+