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Entrevista

Comissária da Energia apela à maior poupança e reutilização de água em Portugal

12 mai, 2023 - 22:21 • José Pedro Frazão

Kadri Simson discutiu os impactos da seca com o ministro do Ambiente e adiantou que Bruxelas está pronta a ajudar a suportar os danos causados por fenómenos climáticos extremos. Em entrevista à Renascença, a comissária europeia da Energia recorda a importância da água nas albufeiras portuguesas também para diminuir emissões de CO2 na produção de energia. A responsável justifica ainda as alterações apresentadas ao mercado europeu de eletricidade e admite que o próximo Inverno ainda será difícil para os ucranianos agora ligados à rede energética europeia.

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A comissária europeia da Energia apela à maior poupança e reutilização de água em Portugal. Em entrevista à Renascença, Kadri Simson garante que Bruxelas está pronta a ajudar a suportar os danos causados por fenómenos climáticos extremos.

Esteve dois dias em Portugal, com encontros com diversas instituições políticas e agentes do setor. Qual foi o propósito da sua visita?

O meu principal objetivo é apoiar Portugal no processo ligado ao aumento das nossas metas de energias renováveis e de eficiência energética para 2030. O Governo português está na fase final de atualização do Plano Nacional de Energia e Clima.

Além disso, aqui em Portugal, existem alguns projetos-piloto impressionantes como os de energia eólica offshore flutuante. Isso tem muito potencial para a expansão das bacias marítimas, uma vez que, devido à localização geográfica, os parques eólicos com fixação não são uma opção. Tive a oportunidade de visitar também a primeira grande instalação eólica offshore flutuante perto de vossa costa, que representa um protótipo dos próximos parques eólicos.

Portugal sempre foi visto como um exemplo em termos de energias renováveis para a Europa. Ainda é assim?

Sim, porque Portugal fixou uma meta de energias renováveis muito ambiciosa e tem algumas vantagens que o resto da Europa não tem, nomeadamente o forte potencial hidroelétrico, que permite estabilizar a energia eólica e solar nas horas em que o vento está não sopra ou o sol não está a brilhar.

Também incentivaremos o desenvolvimento do armazenamento que representa uma alternativa às centrais baseadas em combustíveis fósseis. Neste sentido, o potencial da hidroeletricidade portuguesa é uma peça-chave para alcançar um sistema elétrico totalmente descarbonizado. Claro que a energia hidroelétrica também depende muito das alterações climáticas e acabámos de observar no verão passado como os baixos níveis hidroelétricos podem criar dificuldades regionais.

Há o problema das secas. Estamos outra vez num quadro de generalização da seca severa em Portugal. Existe algum mecanismo para ajudar mais Portugal nesta matéria, tendo em conta os impactos também na produção hidroelétrica?

De facto, estamos todos a assistir ao impacto das alterações climáticas, que estão a ser severas, causando também incêndios florestais noutras partes da Europa, inundações e muita chuva que também causam estragos. E este é apenas um lembrete de que não podemos ignorar o facto de que estarmos a enfrentar uma emergência climática. Claro, podemos ajudar os Estados-membros a lidar com os possíveis danos causados por condições climáticas severas.

Mas, além disso, também temos que dar prioridade a estilos de vida mais eficientes. Se podemos poupar água, devemos fazê-lo. E se podemos reutilizar a água, devemos dar prioridade a essa opção. Discuti também estas questões com o ministro português do Ambiente e Ação Climática.

Muitos consideram que a reforma do mercado de eletricidade que a Comissão apresentou não é tão ambiciosa ao manter o essencial do atual mecanismo e dos princípios existentes no mercado. Muitas pessoas esperavam uma grande mudança, num contexto de problemas no fornecimento de energia e da situação na Ucrânia. Por que razão tomaram essa opção?

No geral, o desenho atual do nosso mercado de eletricidade serviu-nos bem. O seu principal benefício é garantir que a nossa procura é atendida a cada momento pela produção. No verão passado, tivemos várias crises, um nível hidroelétrico muito baixo, a manutenção inesperada de centrais nucleares em França e as consequências da manipulação russa de nosso mercado de gás.

Apesar de todas essas dificuldades, não tivemos risco de apagões porque o desenho do nosso mercado deixou mensagens claras nesses momentos, em que era necessário economizar eletricidade, pois o horário de pico criaria dificuldades. Agora, com este desenho do mercado, queremos cuidar os nossos consumidores para que sejam mais independentes face aos sinais de curto prazo nos preços e que possam desfrutar de preços mais previsíveis.

Ao mesmo tempo, queremos que beneficiem de uma parcela maior de renováveis no nosso mix de energia, porque as renováveis são uma fonte de energia acessível e vão permitir fortalecer a nossa competitividade e também livrar-nos da dependência perigosa de combustíveis fósseis importados. Portanto, esta reforma do desenho do mercado protegerá os consumidores, permitindo que eles optem por contratos pelo preço que escolherem, flexíveis ou fixos. Vamos acelerar as instalações renováveis dando segurança de investimento aos promotores de projetos, mas ao mesmo tempo criando corredores de preços, para que os preços das instalações renováveis sejam previsíveis.

No entanto, a presidente da Comissão Europeia disse no discurso do Estado da União que a Comissão fará uma reforma "profunda e abrangente do mercado de eletricidade" e especificamente para "dissociar a influência do gás no preço da eletricidade. Estamos a falar desta reforma ou será necessário esperar por outro ciclo e Comissão?

O nosso objetivo é que as centrais de gás não sejam definidores dos preços da eletricidade. Necessitamos que a nossa produção de eletricidade seja descarbonizada e que as energias renováveis estabeleçam o preço, porque é sempre o último licitante a definir o preço.

Ainda estamos a meio de uma crise energética e temos que acelerar a legislação. Mas isso também significa que a reforma deve ser direcionada. Caso contrário, as negociações a nível europeu com os nossos colegisladores , ou seja os 27 Estados-membros e o Parlamento Europeu, levarão demasiado tempo. Mas precisamos desta reforma antes do início do próximo inverno.

Há boas hipóteses de termos esta legislação em vigor antes do início da próxima época em que os aquecimentos são necessários. Isso permite-nos fortalecer as condições de proteção dos nossos consumidores. Mas, além disso, envia também uma mensagem clara aos investidores para que iniciem os seus projetos agora mesmo porque precisamos dessas renováveis já em 2030. Precisam de começar a planear agora, mas, para isso, precisam também de algum tipo de certeza legislativa.

Qual é a sua opinião sobre a situação atual do programa RePowerEU, criado para diversificar as fontes de energia na Europa?

No ano passado, vimos que o nosso principal fornecedor de gás, a Rússia, cortou unilateralmente vários contratos. Perdemos dois terços do gás russo e, ao fazer isso, a Rússia criou uma crise no mercado global de gás porque não foi capaz de vender esse gás também para os seus outros consumidores porque não tinha rotas alternativas de gasoduto. E fomos muito claros que substituiríamos parcialmente esses abastecimentos alternativos e todos os nossos parceiros de confiança aumentaram a sua produção. Da Noruega e Estados Unidos ao Azerbaijão e Reino Unido todos forneceram volumes adicionais para a Europa.

Além disso, pedimos aos nossos Estados-membros que reduzissem o consumo de gás natural. Entre agosto e março, cortaram 18% do consumo de gás equivalente a 52 mil milhões de metros cúbicos de gás natural. Conseguiram fazer isso substituindo alguma da sua procura com energias renováveis. 2022 foi um ano recorde para as renováveis em toda a Europa. Mas, em parte, também deram prioridade a medidas de poupança e temos que continuar a economizar porque sabemos que a procura está a crescer em todo o mundo. A China regressou ao mercado e não há outra alternativa senão continuar a dar prioridade à poupança. Nesta primavera todos os nossos Estados-membros concordaram com a Comissão para o prolongamento da obrigação de poupança por mais um ano.

Isso também significa que optaremos por soluções mais eficientes e, a longo prazo, pagaremos menos por combustíveis fósseis importados. Isso também é claro no plano da nossa dependência da Rússia. Em março, as empresas da UE pagaram mais de 20 mil milhões de euros mensais por carvão, gás e petróleo. E um ano depois, em março de 2023, esse valor caiu para menos de dois mil milhões.

E qual a importância do projeto que Espanha e Portugal têm para ajudar a Europa a nível energético?

Para nós, é muito importante que todos os nossos Estados-membros estejam suficientemente interconectados com o resto do mercado. Mercados suficientemente interligados permitir-nos-ão acomodar mais renováveis e trazer benefícios para todos os estados-membros. Existem vários projetos de eletricidade em andamento e a Comissão Europeia colocou-os na lista de projetos de interesse comum, o que significa que, se a parte licenciadora for cumprida, podem candidatar-se a financiamento europeu.

Já está em construção a interligação elétrica pelo Golfo da Biscaia. Existem dois projetos de eletricidade de atravessamento dos Pirenéus e já há o anúncio de um plano para candidatura a apoios também para um gasoduto de hidrogénio.

Que lições aprendeu do inverno passado em termos de cooperação energética com a Ucrânia? E o que mudará no próximo inverno?

Antes do início da guerra, tínhamos uma cooperação muito boa com a Ucrânia e a Moldávia, que tinham um plano de intenções de ligar o seu sistema elétrico ao europeu. Então, à meia-noite de 24 de fevereiro de 2022, a Ucrânia, juntamente com a Moldávia, iniciou um teste para saber se um dia seriam capazes de sair da rede elétrica russa e de se conectar à europeia.

A guerra começou algumas horas depois e a nossa resposta foi acelerar a sincronização das redes elétricas da Ucrânia e da Moldávia. Conseguimos conectá-las em semanas e a importância desse ato ficou clara no outono. Em outubro, a Rússia começou a atacar a infraestrutura civil ucraniana. Eles começaram a danificar as ligações de rede, destruíram subestações e até atacaram centrais nucleares. E só o fato de a Ucrânia estar sincronizada com uma rede europeia permitiu evitar apagões constantes.

Mas como será o próximo inverno?

Eles restauraram agora o acesso a eletricidade para os seus cidadãos. Será outro inverno muito difícil. Mas acredito que juntos podemos também ajudar os ucranianos a montar fornecimentos alternativos. Por via de fundos europeus, nós fornecemos-lhes apoios em espécie para restaurar a conexão com a rede. Mas, além disso, também enviámos um primeiro lote de painéis solares para que possam ser instalados nos telhados de hospitais e escolas.

Portanto, mesmo que os russos ataquem novamente as linhas de transmissão em edifícios importantes, parte da eletricidade será produzida localmente. Claro, espero que a guerra acabe muito em breve e a que a Ucrânia prevaleça e restaure o controlo sobre o território. Estamos prontos para iniciar o processo de reconstrução e este é um compromisso nosso para ajudá-los a reconstruir um sistema de energia para o futuro. Eles alinharam a legislação com a nossa e há também um grande potencial de renováveis na Ucrânia.

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