20 out, 2022 - 17:31 • Marta Pedreira Mixão
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Portugal, Espanha e França alcançaram um acordo para desenvolver as interconexões da Península Ibérica para o mercado energético europeu: o "Corredor de Energia Verde".
O entendimento foi alcançado pelos líderes dos governos dos três países após uma reunião em Bruxelas, ultrapassando assim “um dos bloqueios mais antigos da Europa”, segundo descreveu António Costa.
A Península Ibérica vai assim ficar ligada a França e ao resto da Europa, substituindo o projeto do MidCat, destinado apenas ao gás, por um novo gasoduto marítimo que vai ligar Barcelona a Marselha e que prevê o transporte de hidrogénio verde.
O gasoduto marítimo foi escolhido como sendo “a opção mais direta e eficiente para ligar a Península Ibérica”.
As infraestruturas que serão criadas para a distribuição de hidrogénio “deverão ser tecnicamente adaptadas para transportar outros gases renováveis, bem como uma proporção limitada de gás natural como fonte temporária e transitória de energia”.
Portugal e Espanha também acordaram o armazenamento conjunto de eletricidade.
Há muito que Portugal e Espanha têm pressionado França para dar resposta aos compromissos assumidos numa cimeira de interligações celebrada em Lisboa em 2018 – já com Macron -, e, anteriormente, numa cimeira em Madrid, em 2015. A França, contudo, mantinha-se inflexível em relação ao gasoduto que teria de passar pelos Pirenéus.
Com a atual crise energética, agravada pela invasão da Rússia à Ucrânia, a necessidade de reduzir a dependência da União Europeia (UE) em relação aos combustíveis fósseis russos e de diversificar e garantir o aprovisionamento energético ficou ainda mais evidenciada. Para tal, a UE começou a visar outras alternativas, tentando reforçar também a aposta em opções mais ecológicas – como as energias renováveis.
Em 2018, a produção e consumo de energia da União Europeia representavam 75% das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) da União, que ainda está depende da importação da maioria da sua energia, principalmente no caso do petróleo e do gás.
E foi a pensar no desenvolvimento de hidrogénio limpo, que a Comissão Europeia propôs uma Estratégia do Hidrogénio para uma Europa com Impacto Neutro no Clima, para um sistema energético neutro em termos climáticos até 2050. Contudo, atualmente, o hidrogénio representa apenas cerca de 2% do cabaz energético da UE.
O hidrogénio é produzido separando as moléculas da água (em hidrogénio e oxigénio), um processo que necessita de grandes quantidades de energia. Por isso, nem todo o hidrogénio é verde, cerca de 95% é produzido por combustíveis fósseis, que libertam anualmente entre 70 a 100 milhões de toneladas de CO2.
O hidrogénio é classificado consoante o seu processo de produção e as emissões de GEE que esse mesmo processo gera. Assim, o hidrogénio verde – também referido como hidrogénio limpo ou hidrogénio renovável – é aquele que é produzido pela eletrólise da água, recorrendo a eletricidade de fontes renováveis - eólica, solar - e, por isso, sem emissão de GEE. Esse hidrogénio pode depois ser usado para produzir células de combustível, que podem ser armazenadas.
O hidrogénio é visto como uma alternativa "eficiente" e com um grande potencial energético, podendo contribuir para a "descarbonização" da economia, uma vez que, como referido, a sua utilização para fins energéticos não gera emissões de gases com efeito de estufa - uma vez que o único subproduto do processo é água.
Além disso, pode ser utilizado para produzir outros gases e combustíveis líquidos e as infraestruturas existentes (de transporte de gás e armazenamento de gás) podem ser reutilizadas para hidrogénio, como é o caso deste "Corredor de Energia Verde", que dará resposta ao transporte de gás e, no futuro, hidrogénio verde.
Atualmente, o hidrogénio desempenha um papel reduzido no abastecimento energético global e existem vários desafios à sua utilização, nomeadamente os custos, escala de produção, necessidade de infraestruturas e questões de segurança - já que este é o elemento químico mais abundante na natureza, mas também é um dos mais reativos.
Alguns estudos citados pela Comissão Europeia mostram que as energias renováveis podem vir a representar até 100% do cabaz energético da UE em 2050 e que o hidrogénio pode chegar a representar até 20% no total, entre 20 e 50% da energia utilizada para os transportes e entre 5 e 20% da energia utilizada na indústria.
Já em Portugal, o Plano Nacional do Hidrogénio, aprovado em Conselho de Ministros em 2020, prevê que até 2030 o hidrogénio represente 2% a 5% do consumo de energia na indústria, 1 a 5% no consumo de transportes rodoviários, 3 a 5% no transporte marítimo doméstico e 1,5% a 2% no consumo final de energia. Para isso, está prevista a criação de 50 a 100 postos de abastecimento de hidrogénio no país.O Plano Nacional do Hidrogénio estabelece uma estratégia nacional que tem como objetivo "a introdução gradual do hidrogénio verde enquanto pilar sustentável e integrado numa estratégia mais abrangente de transição para uma economia descarbonizada".
E este desbloqueio do "Corredor de Energia Verde" vem reafirmar
as ambições portuguesas de exportar hidrogénio verde, uma aposta do
governo português para o tal processo de descarbonização da economia.
Ainda em 2021, no âmbito da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia (UE), Portugal organizou uma conferência sobre hidrogénio. A propósito da conferência, João Pedro Matos Fernandes, na altura ministro do Ambiente e Ação Climática, defendia que o hidrogénio verde era a melhor aposta para o país e que poderia transformar o papel de Portugal, que passaria de importador de energia a um exportador - algo que, segundo defendia, deveria acontecer dentro de seis ou dez anos e que seria um caminho "a trilhar".
Portugal já tinha lançado a primeira "call" do hidrogénio para saber quem eram os interessados em concorrer ao "Important Project of Common European Interest" (IPCEI), onde Portugal se juntou à Holanda e à qual se candidataram vários projetos.
Agora, o calendário, as fontes de financiamento e os custos relativos à execução do corredor verde serão debatidos num novo encontro, a realizar-se a 9 de dezembro, em Alicante (Espanha).
A aposta política no
hidrogénio verde tem sido fortemente criticada por diversos
especialistas. Em resposta à Estratégia Nacional para o Hidrogénio
apresentada pelo Governo em 2020, um grupo de 30 personalidades da área
da energia assinou o documento "Os Erros da Estratégia Nacional para o
Hidrogénio (EN2) – Manifesto para a recuperação do crescimento e
estabilização económica pós Covid-19".