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​"Há vontade política" para trocar dívida de Cabo Verde por capital climático

09 set, 2022 - 20:57 • Sandra Afonso

Em entrevista à Renascença, o primeiro-ministro de Cabo Verde, Ulisses Correia e Silva, aponta ainda várias oportunidades de investimento no país para os empresários portugueses.

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O acordo ainda não está fechado, mas os ministérios das Finanças de Portugal e de Cabo Verde já estão a trabalhar na proposta técnica que vai transformar cerca de 170 milhões de euros em projetos de financiamento climático, avança o primeiro-ministro de Cabo Verde, Ulisses Correia e Silva.

Em entrevista à Renascença, à margem das Conferências do Estoril, Ulisses Correia e Silva aponta ainda várias oportunidades de investimento no país para os empresários portugueses.

Admite que a inflação atingiu com violência Cabo Verde, quando começava a recuperar da pandemia, mas o turismo está a crescer, mesmo na época baixa.

Cabo Verde foi fortemente afetado pela pandemia, já viraram esta página?

A crise provocada pela pandemia da Covid-19 teve um impacto muito forte em Cabo Verde. Aliás, está classificado pelo Banco Mundial como um dos países mais impactados pela crise. Em termos económicos, tivemos uma contração de 14,8% em 2020, afetou o emprego, aumentou os níveis de pobreza.

A nível sanitário, fizemos um bom combate. Cabo Verde é um dos países africanos com maior nível de vacinação. Temos mais de 85% da população com idade superior a 12 anos vacinada. Vamos iniciar agora a vacinação dos cinco até aos 12 anos, isso tem funcionado, de facto, como um grande protetor.

É um país que vive muito do turismo. Como é que está a Cabo Verde nesta altura? Já começa a recuperar? Que avaliação faz?

Por causa dos níveis de combate à pandemia e do aumento do nível de segurança sanitária, tivemos a retoma do turismo em 2021. Isso provocou um crescimento de 7% no último ano. O emprego também recuperou e a atividade económica ganhou força novamente.

Estávamos todos animados e agora, com a invasão da Rússia na Ucrânia, esta guerra tem estado a provocar impactos extremamente gravosos, a nível da inflação, cujo impacto económico tende a ser tão ou mais grave do que o impacto da pandemia, a nível dos preços dos produtos energéticos.

Dependem apenas da energia?

Cabo Verde importa cerca de 80% daquilo que consome, ao nível do gás, gasóleo e gasolina. Isto impacta depois na eletricidade. E a nível dos produtos alimentares, cereais, temos também uma dependência muito forte e está a provocar novamente a necessidade de intervenção do Estado, e temos estado a intervir, para estabilizar os preços de forma a evitar que haja transmissão dessa inflação na sua totalidade para as pessoas e para as empresas. Isto depois representa custos elevadíssimos.

É nisto que temos estado a trabalhar, para ver se mais uma vez ultrapassamos esta fase mais difícil e criamos as condições para o país voltar a crescer em 2023 para níveis mais elevados.

No que concerne ao turismo, a retoma agora no Verão deste ano tem sido boa. A taxa de ocupação dos hotéis está elevada, no Sal e na Boa Vista anda à volta de 80 a 95% e num período em que em Cabo Verde, normalmente, é época baixa, no verão. Pensamos que no inverno podemos ter ainda muito maior nível de procura turística para podermos dinamizar ainda mais a economia.

Neste momento há oportunidades de investimento em Cabo Verde para as empresas portuguesas?

Sim, há e vai ser reforçado, até porque nós estamos a acelerar algumas outras prioridades. A questão da transição energética vai exigir um nível de investimento muito elevado, público e privado, e contamos que empresas portuguesas também possam estar interessadas.

Temos a estratégia da água para a agricultura. Em Cabo Verde chove pouco e de forma irregular, vamos ter que encontrar soluções estruturais para a agricultura. Estamos a investir fortemente na dessalinização da água, reutilização de águas residuais, a massificação da régua gota a gota, para podermos ter maiores condições de exercício da atividade agrícola. Isto pressupõe também investimentos e os privados podem criar aqui oportunidades também de investimento nesta área.

Temos ainda o desenvolvimento da economia azul, que é um grande potencial que Cabo Verde tem. Para além do turismo, que continuará a ser o motor de crescimento da economia do país, mas é um espaço onde se pode desenvolver mais e crescer mais.

Além disso, temos a economia digital, que é a nossa grande aposta também na transformação digital. Posicionar Cabo Verde como um hub digital em África.


Há um acordo com o Estado português para transformar a dívida externa de Cabo Verde em capital climático. Em que ponto é que está esse acordo? Que balanço é que pode fazer?

Não fechamos o acordo ainda, estamos a trabalhar. Já há uma proposta técnica que já está a ser trabalhada entre os dois ministérios das Finanças, para transformar a parte da dívida entre os Estados, de Cabo Verde e Portugal, em capital que possa ser investido no aumento da resiliência, na aceleração da transição energética, na estratégia de água, na própria proteção dos oceanos e ação climática.

Isto poderá ter um impacto muito forte, porque é investir hoje para podermos ser mais resilientes amanhã e menos expostos a choques externos.

Está num bom processo. Há vontade política de ambas as partes. Creio que poderá ser um elemento inovador, relativamente à concretização daquilo que tem sido propalado, que é o financiamento climático. Cabo Verde e Portugal podem mostrar que é possível e com ganhos para todos é "win win". Porque nós iremos contribuir também para aumentarmos o nosso nível de participação na ação climática e Portugal, uma grande referência para a própria União Europeia, ver que é possível encontrar soluções de boas parcerias que possam operacionalizar o conceito de financiamento climático.

Já há uma data prevista para a conclusão deste acordo?

Não há uma data. Estamos a trabalhar e é preciso afinar depois todos os mecanismos técnicos e os instrumentos para que se possa operacionalizar.

E qual é o montante envolvido?

Nós temos com Portugal uma parte significativa da dívida, mais de 170 milhões de euros, que é uma parte que pode ser transformada em capital climático.

É para abater em quanto tempo, já há um horizonte definido?

O trabalho vai definir essa calendarização, porque vai ser ao ritmo também dos investimentos que vão sendo feitos e assim vamos retirando essa parcela da dívida.

Em relação à lusofonia, que balanço faz das iniciativas que têm sido desenvolvidas? Acha que a cooperação tem sido suficiente? Podia ser dinamizado de outra forma o espaço lusófono?

Era importante conseguirmos o acordo sobre a mobilidade e conseguimos. O segundo ponto é a operacionalização do acordo de mobilidade, estamos a conseguir. Portugal já tem todos os instrumentos aprovados, Cabo Verde também vai ter, brevemente. Já aprovámos o acordo, mas temos um instrumento adicional que vai concretizar. Isto é muito importante para que a comunidade não seja apenas um espaço de cimeiras políticas, mas um espaço de cidadania.

Nós, quando apresentámos na cimeira do Sal o reforço dessa proposta, foi no sentido de dizer que não é só a mobilidade de pessoas, mas a mobilidade da cultura, do desporto, da ciência, da tecnologia, da academia, de investimentos, de iniciativa empresarial... porque isso só anda com as pessoas. Quando isto ganhar mais consistência, não tenho dúvidas de que todos os países ganharão e o espaço da lusofonia também.

Tivemos agora a Cimeira Luso-Moçambicana. Este tipo de eventos também pode ser importante para os restantes países da CPLP?

Sem dúvida e Portugal tem um papel importante, os outros países africanos da CPLP, o Brasil. Precisamos cada vez mais de ter esses intercâmbios, também maior presença da cooperação política e maior presença institucional vai dar um corpo muito forte à CPLP. Demostra também ao resto do mundo que é possível.

Há ainda esta questão da mobilidade. Hoje é cada vez mais difícil, em determinados espaços do mundo. Portugal, Cabo Verde, Angola, Moçambique, São Tomé, Timor, Brasil, Guiné-Bissau, podem demonstrar algo diferente.

É impossível terminar esta entrevista sem falar das eleições que decorreram em Angola e vão decorrer no Brasil. A UNITA continua a contestar o resultado eleitoral. No Brasil os dois candidatos que reúnem mais intenções de votos são também os mais contestados. Como olha para estes processos?

Relativamente a Angola, os resultados já estão apurados. Há a contestação. Nós esperamos que tudo se resolva, dentro do quadro da normalidade institucional. Isso é importante para que a confiança dos cidadãos no sistema democrático saia reforçado.

Quanto ao Brasil, não podemos antecipar. Estão ainda em fase de campanha eleitoral. Vamos ver o que é que vai resultar em termos da decisão e da escolha dos brasileiros. Os brasileiros decidirão quem será o seu presidente.

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