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Há quem tenha de pagar IRS mesmo estando isento. Saiba porquê

30 nov, 2018 - 11:42

Em causa está uma cláusula do Código do IRS, criada em 2001, que a Provedoria de Justiça considera injusta, pelo que já lançou imensos apelos à sua revogação.

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É uma situação de injustiça fiscal que se arrasta há praticamente 18 anos. Em causa, a forma como são tributados, em sede de IRS, os rendimentos produzidos em anos anteriores.

A maior parte das queixas que chegam à Provedora de Justiça dizem respeito a pensionistas, mas há também casos de trabalhadores com salários em atrasos ou mães que anos a fio não recebem a pensão de alimentos para os filhos. Quando finalmente os valores em dívida são pagos, o fisco faz o englobamento dos rendimentos, o que conduz a um agravamento do valor do IRS a pagar, porque se trata de um imposto progressivo.

Cardoso da Costa, provedor de Justiça-Adjunto, diz que a prática que está a ser seguida pela Autoridade Tributária perverte a própria lógica do imposto, que “tem uma lógica anual”.

“Se se perde a lógica anual, perdem-se todas as características do imposto, desde logo a principal que é a da sua progressividade, constitucionalmente obrigatória: em primeiro lugar, há um limiar abaixo do qual não se paga e depois há escalões de diferentes rendimentos de tributação”, começa por explicar.

“Se, sem as pessoas terem responsabilidade por esse facto, num determinado momento são tributadas acima do escalão que deveriam ser tributadas ou, mais grave, são tributadas quando em regra não deveriam ser tributadas, há uma injustiça evidente. E depois há uma segunda injustiça: é que muito do sistema social português, de apoios sociais, está indexado ao IRS”, afirma no programa Em Nome da Lei, da Renascença.

A Provedoria de Justiça já recebeu mais de 100 queixas. As pessoas são triplamente penalizadas, porque não recebem os seus salários ou pensões na altura devida e depois, quando finalmente os recebem, o fisco faz o englobamento desses retroativos com o rendimentos desse ano, disparando o valor de IRS a pagar, e impedindo essas pessoas de ter benefícios sociais que são indexados ao IRS.

Procedimento viola a Constituição

O fiscalista Manuel Faustino explica com um caso concreto: “Um trabalhador que tenha sido despedido há 10 anos ilicitamente e que ganhasse o salário mínimo, sendo agora declarada, em 2017, a ilicitude do despedimento e tendo a receber a totalidade dos 10 anos de salário mínimo, teria um rendimento bruto de 68.362 euros. Deduzindo-lhe a Segurança Social dos 11%, ficaria com um rendimento líquido de 60.842. No quadro atual, a dividir pelos 10 para efeitos de determinação da taxa, ele tem um IRS a pagar de 8.572,12, sendo o caso mais simples – uma pessoa solteira e sem descendentes”.

Ou seja, se este trabalhador estivesse a trabalhar, não teria de pagar IRS, mas o fisco assume a totalidade do que recebeu agora e cobra o imposto.

No tempo em que Manuel Faustino era diretor dos serviços do IRS, o fisco tributava os rendimentos, imputando-os ao ano a que diziam respeito e à taxa respetiva. Mas a lei foi alterada em 2001 e assim se mantém, apesar dos alertas feitos pelos vários provedores de justiça e também, recentemente, pela atual titular Maria Lúcia Amaral.

Outro advogado fiscalista Samuel Fernandes de Almeida considera que, além injusto, o procedimento do fisco viola a Constituição.

“O facto tributário da pensão não nasce no ano em que a mesma é paga com efeitos retroativos. A pensão é devida ao ano e é aí que o facto tributário nasce. Portanto, este sistema, além de ser profundamente injusto, vai contra todos os princípios em que o próprio sistema tributário está montado. Portanto, as minhas dúvidas e reservas relativamente à constitucionalidade são mais do que muitas”, refere no Em Nome da Lei, que pode ouvir no sábado entre as 12h00 e as 13h00.

A questão já foi analisada pelo Tribunal Constitucional em 2010, mas os juízes não consideraram inconstitucional a norma do Código do IRS que manda englobar os rendimentos retroativos. O curioso é que uma das juízas que assina a decisão é Maria Lúcia Amaral, que agora, na pele de Provedora de Justiça, pede ao Governo que mude as regras.

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