27 jun, 2017 - 01:28 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque
É uma meia vitória para Donald Trump. O Supremo Tribunal dos Estados Unidos autorizou esta segunda-feira que os cidadãos de seis países muçulmanos sejam impedidos de entrar na América, tal como determinava uma ordem executiva da administração emitida em Janeiro.
Mas a caução ao decreto de Trump não é total. Os cidadãos que tenham laços familiares, laborais ou bolsas de estudo nos EUA não podem ser impedidos de entrar, contrariando aqui o que dispunha a ordem executiva.
Ou seja, a partir de agora, o governo americano pode proibir a entrada de cidadãos provenientes da Síria, Líbia, Irão, Iémen, Somália e Sudão que queiram imigrar ou sejam refugiados desses países desde que não tenham quaisquer ligações familiares ou contratos de trabalho ou de estudo nos EUA. O que na prática pode abranger todos aqueles que tentam entrar na América pela primeira vez. Mas essa proibição já não se aplica a quem tenha qualquer laço anterior ao país e cuja atitude seja avaliada como de “boa-fé”.
A boa-fé
O Supremo Tribunal baseou a sua decisão neste conceito de “boa-fé” da actuação daqueles que procuram os EUA para viver ou fogem de qualquer situação de perseguição. No fundo, assume que pessoas que já viveram, trabalharam, estudaram ou têm família à qual se querem juntar nos EUA e cujo comportamento não suscitou qualquer suspeita às autoridades, não são ameaça para a segurança nacional e não podem ser proibidas de entrar.
A proibição “não se aplica a estrangeiros que aleguem ter uma relação de boa- fé com uma pessoa ou uma entidade nos EUA”, diz o acórdão.
Recorde-se que este foi justamente o ponto mais polémico da ordem executiva de Trump, emitida ainda na primeira semana em funções. Mal começou a ser implementada, num fim-de-semana, desencadeou imensa polémica e manifestações de protesto.
Inúmeros cidadãos dos países visados, que por coincidência estavam no estrangeiro mas que viviam nos EUA, foram barrados nas fronteiras e impedidos de se reunir à família. Ou de regressar ao seu trabalho habitual. Ou de retomar os estudos na universidade que lhes tinha dado uma bolsa. Cidadãos muçulmanos que, apesar de já viverem nos EUA (alguns há muitos anos), ou terem sido escolhidos para frequentar uma universidade ou trabalhar numa empresa se viram subitamente abrangidos por um decreto presidencial que os considerava uma ameaça à segurança nacional.
Foi em casos deste tipo que vários tribunais de primeira instância americanos fundamentaram a sua contestação ao decreto presidencial, considerando-o inconstitucional porque baseado numa discriminação de carácter religioso. Mais do que uma vez, tribunais federais revogaram o decreto, impedindo a sua aplicação.
A decisão do Supremo Tribunal desta segunda-feira vem contrariar parcialmente esses tribunais. Admite que a administração tem legitimidade para impedir a entrada a cidadãos dos seis países referidos por um determinado período de tempo que lhe permita rever a política de imigração em vigor e eventualmente corrigir os critérios de admissão de estrangeiros no país.
Em Outubro se verá
A decisão sublinha o carácter provisório da medida, que se aplica durante 90 dias para quaisquer viagens para os EUA e durante 120 dias para pedidos de refugiados políticos. O Supremo anuncia que fará uma análise global do decreto em Outubro e espera que até lá a administração tenha estabelecido em definitivo os seus critérios.
Ou seja, nos 90 dias que medeiam daqui até Outubro, o Supremo Tribunal admite que a proibição esteja em vigor, mas espera que no Outono a nova política de admissão de cidadãos dos seis países afectados esteja definida e possa ser avaliada à luz da Constituição. Nessa altura, pronunciar-se-á em definitivo e essa decisão pode ser substancialmente diferente da que foi tomada agora.
No fundo, o acórdão parece deixar uma mensagem clara à administração. Tem legitimidade para impedir provisoriamente a entrada aos cidadãos dos seis países referidos durante 90 dias (120 dias para quem pedir asilo político) que deverão servir para estabelecer os novos critérios de admissão e esses, sim, serão avaliados em Outubro.
Até lá, porém, quem tiver laços aos EUA (familiares ou a entidades americanas) não pode ser impedido de entrar.
Três juízes discordaram da utilização do conceito de “boa-fé” como critério para autorizar estas entradas, alegando que ele encerra alguma subjectividade e vai abrir a porta a muita litigância. Clarence Thomas, Samuel Alito e Neil Gorsuch — todos considerados conservadores — puseram esta objecção, mas votaram a favor do acórdão, que foi aprovado por unanimidade.
Donald Trump congratulou-se, naturalmente, com a decisão do Supremo, dizendo que ela é “uma clara vitória para a segurança nacional” e “um instrumento para proteger a nação”. E é sobretudo para ele uma clara desforra em relação aos tribunais federais que tanto contestou publicamente, chegando a insultar alguns juízes.
Mas só em Outubro é que se verá quem ri melhor.