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​Nova embaixadora americana é vista na ONU como um mal menor

23 nov, 2016 - 21:22 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque

Nikki Haley será a representante dos EUA nas Nações Unidas. Governadora da Carolina do Sul é uma mulher pragmática e dialogante, o que afasta os piores receios no “Palácio de Vidro”.

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Donald Trump anunciou esta quarta-feira a escolha da governadora da Carolina do Sul para embaixadora na ONU. Nikki Aley é a primeira mulher apontada por Trump para integrar a sua administração. Filha de imigrantes indianos, tem 44 anos, e a sua ascensão no Partido Republicano ficou a dever-se sobretudo à emergência do movimento Tea Party, sendo por isso um membro da ala mais conservadora dos republicanos.

A escolha de Nikki Haley é encarada em alguns círculos das Nações Unidas como um mal menor, dado que desde a eleição de Trump o nome de John Bolton tinha sido um dos mais falados. A nova embaixadora não tem qualquer experiência de política externa, mas é considerada uma opção bem mais sensata do que a do antigo embaixador nomeado por George W. Bush.

Bolton foi embaixador na ONU num dos períodos mais conturbados da organização. Durante a invasão do Iraque, em 2003, provocou as divisões mais profundas entre a comunidade internacional e mesmo entre os países ocidentais.

O então embaixador americano ficou conhecido pela inflexibilidade na defesa das opções da administração Bush, o que só agravou a opinião que dele foi formada na ONU, organização pela qual, aliás, tinha muito pouca consideração. Ficaram célebres os seus ataques à burocracia das Nações Unidas e mesmo à sua “inutilidade”, posições que no fundo reflectiam a tendência unilateralista que caracterizava a administração Bush.

Mas mesmo do ponto de vista pessoal, Bolton não deixou saudades na ONU, havendo ainda hoje quem recorde amargamente o seu temperamento irascível, intransigente, conflituoso e nada dado ao compromisso. Isto numa organização onde qualquer sucesso depende justamente de compromissos.

Pelo contrário, a governadora da Carolina do Sul é vista como dialogante, dinâmica e é genericamente respeitada. A sua flexibilidade política ficou patente durante o recente processo eleitoral. Nas primárias republicanas começou por apoiar o senador da Florida Marco Rubio, quando este desistiu apoiou o senador do Texas Ted Cruz, mas quando Trump bateu todos os adversários internos não se lhe rendeu. Fez até várias críticas ao candidato, nomeadamente quando ele não repudiou as simpatias que membros do Ku Klux Klan exprimiram pela sua candidatura. Trump ripostou, acusando-a de ser “fraca” a lidar com a imigração e dizendo mesmo que os habitantes da Carolina do Sul estavam embaraçados com ela.

As críticas de Haley à extrema-direita valeram-lhe, aliás, o ódio dos mais radicais entre os conservadores, sobretudo porque a governadora conseguiu que a bandeira da Confederação – que simboliza aqueles que durante a guerra civil americana se opuseram à abolição da escravatura – fosse retirada do edifício do Congresso do estado onde ainda esvoaçava, cem anos após o conflito que dilacerou o país. Isto na sequência de um massacre numa igreja em que um jovem branco matou nove negros.

As críticas de Haley a Trump foram sempre feitas numa linguagem civilizada e estritamente política, nunca em termos pessoais, ao contrário da prática corrente do magnata. Isso permitiu-lhe assumir publicamente mais tarde que iria votar no candidato oficial do partido sem causar qualquer estupefacção.

Embora não tenha experiência em política externa, enquanto governadora da Carolina do Sul desenvolveu relações internacionais com vários países para atrair investimento para o seu estado. Isso mesmo parece reflectir o comentário do representante francês na ONU, que, enquanto foi embaixador de Paris em Washington, teve profícuos contactos com Nikky Haley, por quem tem grande respeito político e profissional e com quem espera enfrentar os grandes desafios que esperam as Nações Unidas.

Também o embaixador britânico elogiou os grandes sucessos da Carolina do Sul e fez votos para que a relação histórica entre ingleses e americanos se reforce no seio da ONU. No Conselho de Segurança, os dois países sentam-se lado a lado, lembrou o embaixador Rycroft, que espera que assim continuem a encarar os problemas.

Embora as posições que a nova administração Trump adoptará na cena internacional continuem a ser uma incógnita em muitos aspectos, a escolha de uma mulher dialogante e pragmática para embaixadora na ONU surge como um sinal positivo perante as perspectivas mais sombrias que foram sendo alimentadas nas duas últimas semanas.

António Guterres terá certamente em Nikki Haley alguém que saberá ouvir e talvez concertar posições. Alguém talvez mais sensível ao sofrimento humano e menos obstinado em impor pontos de vista unilaterais.

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