“Há um défice de leitura em Portugal”, diz José Pacheco Pereira, que fala com a propriedade de quem tem “cinco quilómetros de estante” e herdou do pai, avô e bisavô uma vasta biblioteca à qual deu continuidade.

Na edição desta semana do programa “Ensaio Geral”, à margem do LeV – o Festival Literatura em Viagem, em Matosinhos, o historiador e ensaísta confessa que “não é comum uma biblioteca de família durar tanto tempo”.

Embora não se assuma como um “bibliófilo”, como os seus antecessores, Pacheco Pereira considera que há hoje “dois problemas com a leitura”. Na identificação desses factores de défice de leitura, o escritor diz que “um deles é português e tem a ver com muitos indicadores culturais em que temos um atraso significativo em relação a outros povos da Europa e tem a ver com tradições culturais”.

Depois, acrescenta, há hoje “um problema novo que é a mudança de hábitos e comportamentos e que tem a ver, nos mais novos, com uma educação que é feita em grande parte por imagens em movimento e pela interacção com essas imagens”.

Pacheco Pereira vai mais longe e diz que, actualmente, “as pessoas não são formadas para terem um tempo lento. E o tempo da leitura é um tempo lento e silencioso. O mundo de hoje está feito para não ser silencioso e ter um tempo lento e isso é uma ameaça para a leitura.”

Num programa gravado na Biblioteca Florbela Espanca, o ex-eurodeputado identificou “uma crise que não é apenas do livro”, mas “em muitos aspectos também do pensamento racional. E conclui: “Saber pensar de forma lógica e racional faz muita falta na sociedade contemporânea e isso a leitura dá”.

Pacheco Pereira lembra que “há diferentes tipos de ameaça ao papel central da leitura e isso é preocupante, porque quem não lê, não domina o mundo e isso é um atavismo. Isso está também associado ao empobrecimento da linguagem e ao número de palavras em circulação.”

Presente no “Ensaio Geral” esteve também Fernando Rocha, vereador da cultura da Câmara de Matosinhos, que destacou a acção do Plano Municipal de Leitura que tem levado à cidade vários escritores. “Não temos aferido, mas achamos que há mais pessoas a ler”, afirma o vereador, que lembra que agora “os professores já preparam os alunos, os alunos têm de ler” e isso, diz Fernando Rocha, é o que pretendem com o plano.

Questionado sobre a influência da Língua Portuguesa, José Pacheco Pereira considera que “nós temos uma das grandes línguas de cultura do mundo” e, mais do que o valor económico do Português, interessa o significado cultural da língua.

Homem do Porto, Pacheco Pereira chegou a Matosinhos carregado com um saco de livros. “Comprei mais do que deveria ter comprado”, confessa, porque “não se compram quilos de livros quando se vai fazer uma viagem”.

Mas o historiador dono de uma biblioteca que tem mais de 200 mil títulos corre o risco de regressar a Lisboa com mais livros. “Vou ter a oferta de um pequeno arquivo”, diz o historiador, que vai ter de “comprar uma mala dos chineses” como “recorrentemente” faz “sempre à última da hora apesar de já trazer sacos para esses imponderáveis”.

Sobre a dinâmica cultural de Matosinhos, o vereador Fernando Rocha afirma que a cidade tem “uma necessidade de se afirmar” por estar ao lado do Porto. Embora não possa “competir directamente”, Matosinhos tem de “assumir a diferença e ser uma extensão e alternativa”.

Ainda antes do Verão está planeada a abertura da Casa do Design e do Museu da Arquitectura, até ao final do ano, indica Fernando Rocha o vereador que é o motor do LeV – o Festival Literatura em Viagem que vai na sua 10.ª edição e que até domingo leva a Matosinhos escritores como Claudio Magris, Howard Jacobson, Andrés Barba, Teolinda Gersão, Patrícia Reis, Alberto S. Santos, João Ricardo Pedro ou Clara Ferreira Alves.