Afirma que há um grande preconceito em Portugal contra o romance policial, mas há 25 anos que criou a personagem do inspector Jaime Ramos que habita os seus livros. Francisco José Viegas lança agora “A poeira que cai sobre a terra”. A obra com a chancela Porto Editora reúne cinco histórias onde há cinco crimes, muita ironia, mulheres e o inspector Jaime Ramos que completa em 2016, 60 anos e que até já tem página própria na internet - jaimeramos.booktailors.com. Entrevistamos o escritor ou o inspector?

Ao autor Francisco José Viegas pergunto que contos são estes e ao inspector Jaime Ramos que histórias são estas?

São sobretudo histórias. Costumo dizer que não sei escrever contos porque não tenho a noção do tamanho e da estrutura do conto. Prefiro vê-las como histórias. São histórias que têm como elemento comum passarem-se todas na cidade do Porto, onde vive o inspector Jaime Ramos; e serem todas histórias que circulam à volta da vida de mulheres. E têm um olhar entre o melancólico e o irónico de Jaime Ramos.

Quem é que está a responder? O inspector Jaime Ramos ou o escritor Francisco José Viegas?

(risos) Eu acho que o Jaime Ramos tem vida própria. Eu não poderia responder por ele. As pessoas perguntam muitas vezes se ele é um alter-ego. Sinceramente, não é um alter-ego. É outra pessoa. Diz coisas com as quais eu não concordo, faz coisas que eu acho reprováveis, mas é uma pessoa viva que tem independência em relação a mim. Só isso explica que eu tenha muitas vezes que me vigiar e controlar porque penso “Ele não diria isto!”, ou seja, ganhou autonomia e vida.

São 25 anos de uma personagem, mas o inspector Jaime Ramos tem mais idade?

Ele deve estar a entrar nos 60...faz 60 este ano. Está naquela fase em que olha para um inquérito policial e já é capaz de ver os desenvolvimentos que ele vai ter. Por isso é cada vez mais importante a equipa de inspectores que o rodeia, porque ele perde-se um bocadinho em divagações. São coisas próprias da idade, da falta de paciência e de “pachorra” como ele diz, para cumprir os requisitos todos de uma investigação policial. Não quer dizer que não a faça, mas há pormenores que não lhe interessam tanto.

Pergunto quando é que Jaime Ramos despertou dentro do escritor?

Eu tinha escrito um romance policial chamado “Crime em Ponta Delgada” do qual este ano deverá sair uma nova edição e tinha um detective, o Filipe Castanheira. E eu precisava de um detectiva que não fosse exactamente o Filipe Castanheira que era da Polícia Judiciária de Lisboa que tinha pedido transferência para os Açores para viver em São Miguel um período de reclusão e afastamento.

Eu precisava de um detective que fosse exactamente o contrário. Que fosse irónico, céptico e um conservador no meio de uma cidade conservadora, que de alguma maneira fosse uma imagem da polícia. Com o tempo o Jaime Ramos qualificou-se e transformou-se numa personagem que às vezes me dá vontade de rir. Às vezes leva-me como autor a escrever coisas que eu não tinha pensado. Ele vai um pouco à minha frente e eu senti necessidade dele.

O cenário de um crime nem sempre é perfeito, mas é perfeito em termos literários. Tem um morto, suspeitos e sempre muitos ingredientes literários.

Eu acho que quase toda a literatura é policial. Esses ingredientes, a morte, o desaparecimento, o mistério, o enigma, a perseguição, a culpa são elementos fundamentais da literatura policial, mas são elementos que também toda a literatura acaba por tomar como seus. A literatura policial mantem vivo o espírito de contar uma história com princípio, meio e fim, sendo que pode não se começar pelo princípio, coisa que geralmente ocorre. A literatura como a lemos hoje é muito devedora do romance policial.

O romance policial é reconhecido em termos literários em Portugal?

Não. Acho que em Portugal há um grande preconceito contra o romance policial. O próprio meio literário olha para o romance policial como uma espécie de subproduto. Eu acho que são preconceitos injustificados porque nada nos impede de considerar um romance policial um grande romance.