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Os residentes na Aldeia de Paio Pires, no concelho do Seixal, queixam-se há anos do ruído, das poeiras ferrosas e do fumo proveniente da Siderurgia Nacional e mostram-se preocupados com a saúde pública.

“São materiais particulados que caem às toneladas em cima de nós”, diz à Renascença João Pereira, um dos elementos do grupo Os Contaminados Concelho do Seixal, constituído por moradores que se juntaram e criaram uma página nas redes sociais para denunciar as situações que vivem e protestar contra a poluição criada por aquela unidade industrial.

“Óxidos de nitrogénio, óxidos de enxofre, óxidos de carbono, metais pesados, compostos, orgânicos voláteis, dioxinas e furanos, entre outros. Isto cai às toneladas todos os dias em cima de nós”, reforça.

A população não quer o encerramento da Siderurgia, porque será um dos principais empregadores da zona, mas exige medidas de controlo da poluição. Por exemplo, uma estação de medição da qualidade do ar que funcione como deve ser – a existente está instalada em cima de um urinol público e num local pouco ajustado a captar os gases e poeiras que a fábrica emana, principalmente se os ventos sopram dos quadrantes sul, dado que, nesse caso, ficarão fora do seu alcance.

Além disso, há escórias acumuladas a céu aberto, a pouca distância de casas.

“Todos os dias nos deparamos com um problema grave que é ignorado pelas autoridades”, reclama Nuno Capucha, outro elemento d’Os Contaminados.

“O agregado que sai da fábrica está sempre em tudo o que é carro, edifício, etc. Acabará também por se depositar também nos nossos pulmões. As autoridades dizem que não oferece risco significativo, ninguém nos garante que está isento de risco”, acrescenta.

João Pereira vai mais longe e acusa as autoridades que quererem esconder a verdade da população.

“Nem o Governo nem a Câmara do Seixal nos sabe ou quer dizer porque é que hoje é proibido construir uma fábrica destas em cima de um agregado populacional. Esta já existia há vários anos, mas se hoje é proibido construir uma fábrica desta natureza ao pé de pessoas e explorações agro-pecuárias é porque ela representa um enorme risco para a saúde pública e ninguém nos diz que riscos são esses. Isto significa que se esconde os riscos da população”, sustenta.

Em tempos, a Siderurgia Nacional produzia 60% das necessidades em produtos siderúrgicos e empregava cerca de seis mil trabalhadores, entre a fábrica do Seixal e a da Maia. Hoje, não são mais de 800 trabalhadores na siderurgia que agora pertence a um grupo empresarial espanhol – o Megasa Siderúrgica, SL.

Segundo as informações disponíveis, na Galiza, em Náron, a qualidade do ar junto a outra fábrica da Megasa é, ao contrário do que acontece no Seixal, devidamente monitorizado, bem como os efluentes líquidos e os ruídos.

Em Portugal, Os Contaminados dizem que a saúde pública e o ambiente, em Aldeia de Paio Pires, estão a ser gravemente negligenciados.


“A autarquia está com a população”

A Renascença está, esta segunda-feira de manhã, na Aldeia de Paio Pires, onde falou com o vereador do Ambiente da Câmara do Seixal. Joaquim Tavares garante que “desde sempre a autarquia se tem preocupado com este problema”.

“A autarquia tem tido um conjunto de intervenções junto das entidades competentes no sentido de exigir um maior rigor no acompanhamento da laboração da fábrica, designadamente, junto do Ministério sempre que há mudança de Governo, levando todo o conhecimento que tem sobre as questões da qualidade do ar e do ruído, que são as que mais tocam a população”, refere.

À questão do que nasceu primeiro – a siderurgia ou a área residencial – o vereador explica que “a zona populacional se desenvolveu [ao longo dos anos] em torno da própria empresa, por os trabalhadores procurarem residência perto da empresa”.

Joaquim Tavares não se responsabiliza pelas decisões tomadas no passado, mas garante que “a autarquia está com a população na resolução destes problemas”.

Entre meados de 2013 e finais 2014, as queixas e as manifestações de inquietação por parte da população aumentaram. As emissões de gases provocavam irritações nos olhos e vias respiratórias em muitos moradores e as queixas estão devidamente registadas nas autoridades competentes, como por exemplo na GNR local.

Foi ainda criado um grupo de trabalho interdisciplinar para a qualidade do ar no concelho do Seixal, que viria a realizar uma vistoria à fábrica em Fevereiro de 2015.

A empresa foi pedindo adiamentos dos prazos para apresentar soluções para alguns dos problemas e começou a fazer o corte de sucatas durante a noite, de modo a os fumos cor de ferrugem não alarmassem a população.

Em Janeiro de 2016, o Ministério do Ambiente não terá conseguido dizer, de forma segura, que qualidade tinha o ar respirado pelos moradores.

Carla Graça, da associação ambientalista Zero, concorda que os dados recolhidos pela estação de monitorização da qualidade existente não são fiáveis, dado “estar numa zona afastada e protegida e, por isso, poder não reflectir o que vem da siderurgia”.

A partir da informação disponível na Agência Portuguesa para o Ambiente, “verificamos que não há medição dos metais pesados nas partículas – que são dos poluentes mais significativos em termos de saúde pública provenientes da siderurgia – desde 2011”.

“A questão do ruído também não tem sido de todo acautelada pelas autoridades competentes, sendo que já existem bastantes denúncias de organizações ambientalistas e das próprias populações e sentimos que não há, de facto, uma política definida para resolver estas questões”, destaca ainda Carla Graça.

O grupo Os Contaminados também já foi ouvido numa comissão parlamentar de ambiente, mas daí não parece ter qualquer solução.

Siderurgia garante “cumprimento da legislação aplicável”

Em resposta enviada à Renascença esta segunda-feira de manhã, a SN Seixal garante que a empresa utiliza “as melhores tecnologias disponíveis” no sector e que “monitoriza e realiza análises periódicas nas suas fontes de emissão, garantindo o cumprimento da legislação aplicável”.

“Salientamos, aliás, que não só a empresa reúne e mantém as condições exigidas para que, após uma exigente avaliação pelas autoridades competentes, lhe tenha sido concedida licença ambiental, mas também se submete a inspecções das entidades oficiais sempre que as mesmas assim o entendem, bem como a auditorias ambientais periódicas por entidades independentes”, refere o e-mail recebido.

“A qualidade do ambiente para aqueles que trabalham na empresa e para os que vivem na sua proximidade e todas as demais partes interessadas, constitui uma preocupação constante da nossa empresa”, garante a SN Seixal.

A Renascença pediu ainda esclarecimentos à Agência Portuguesa do Ambiente (APA), que confirmou a licença ambiental detida pela SN Seixal – Siderurgia Nacional, S.A., “datada de 21/02/2005 e alvo de um aditamento relativo às vertentes ambientais água, águas residuais, resíduos, energia e emissões gasosas, e de sete prorrogações de validade, sendo que, a LA [licença ambiental] em questão se mantém válida”.

“Refira-se que a citada LA estabelece as condições de laboração a respeitar pelo operador, nomeadamente no que diz respeito ao controlo de emissões para a atmosfera”, explica o documento.

A APA reconhece que, em 2014, foi feita uma denúncia “relativa à deposição de partículas (pó preto) em residências que se encontram situadas nas imediações da S.N. Seixal – Siderurgia Nacional, S.A.” e que, “da análise dos dados de emissão de partículas com origem nas fontes de emissão pontual para o ar, relativos ao ano 2013”, se concluiu que “foram cumpridos todos os Valores Limite e Limiares Mássicos de Emissão, indicando que não serão a origem das emissões de partículas denunciadas”.


[Notícia actualizada às 10h00]