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Um homem (talvez com algumas ajudas) contra 200, durante seis dias. O país está a assistir em directo à fuga do duplo homicida Pedro Dias, de 44 anos. O suspeito já fugiu a emboscadas, a perseguições e não tombou. O que é que isto diz da acção policial e da estratégia seguida pelas forças de segurança?

“Não podemos pensar que, por estarmos do lado de cumprimento da lei, somos os únicos seres pensantes. Os bandidos também pensam. Também têm inteligência, têm planos de preparação e planos de contingência e sobrevivência, como neste caso”, avalia um dos elementos da Polícia Judiciária (PJ) que está na investigação do caso, o coordenador da directoria da Guarda, José Monteiro.

Inteligente e meticuloso

Para o responsável da PJ, Pedro Dias é “um individuo muito inteligente e que preparou convenientemente a possibilidade de isto acontecer”.

Por outro lado, a orografia da zona de Arouca, de onde o fugitivo é originário, é de “alta densidade florestal” e onde “ele conhece todos os trilhos e até pode ter esconderijos”.

Há ainda que ter em atenção que o foragido está “fortemente armado” pelo menos com uma das armas que roubou à GNR. “Tem mais de 40 munições e já deu quatro tiros na cabeça a cidadãos”, sublinha.

Por isso, José Monteiro não crê que a caça ao homem, expressão que odeia por ser simplista, esteja a ser mais demorada do que seria suposto. Faz uma auto-avaliação positiva à actuação das autoridades.

“Este assunto está a correr muitíssimo bem, porque nós podíamos estar ao quinto ou sexto dia [de fuga] com três ou quatro homicídios e não sabermos quem é o autor”, explica.

“Neste momento a história está esclarecida, a não ser que haja uma grande surpresa. Temos um grau de certeza e de evidência”, adianta José Monteiro.

O caso, defende, não é “uma guerra desenfreada” e a progressão das polícias tem de ser feita “com cálculo e previsibilidade”. “Tragédia, já temos que chegue”, argumenta José Monteiro.

Um contra 200

Mas será que é normal um só homem conseguir fugir a 200? Rui Pereira, ex-ministro da Administração Interna de um dos governos de José Sócrates, diz que não se pode falar de incompetência das autoridades policiais.

“A ideia [de incompetência] é generalizada, mas é descabida. É de quem não percebe o que é uma perseguição ou uma busca. Isso não tem sentido nenhum. Se uma pessoa se esconder num sítio inacessível ou num sítio não conhecido as coisas não se podem pôr dessa forma”, argumenta o ex-governante.

O coordenador da PJ da Guarda também desdramatiza e enfatiza a perícia de Pedro Dias. “Ele foge porque teve habilidade suficiente. Não é que não tivessem sido adoptadas todas as medidas que a situação impunha. Não foram é eficazes. Mas já o foram para recuperar armas e outros objectos importantíssimos para a investigação”.

José Monteiro enquadra o caso argumentando que Pedro Dias, “infelizmente, não é o primeiro foragido da história de Portugal e não há-de ser o último.”

A estratégia passa por ser sereno e tranquilo, não haver precipitações. “Nós prendemos assaltantes a bancos, homicidas, associações criminosas, todos os dias”, avança Monteiro.

“Às vezes, vemo-los a fazer os assaltos e não estão criadas as condições de segurança, nossa, deles e das próprias populações. Eles seguem a vidinha deles e quando menos esperam, ou quando achamos que do ponto de vista táctico é oportuno, avançamos para eles”, ilustra.

Rui Pereira também relativiza este “jogo do gato e do rato.” “Não só em Portugal mas também nos EUA, onde a imagem da polícia é sólida, há pessoas que fogem à justiça durante anos e anos. Nem sempre a perseguição é coroada de sucesso sobretudo quando o perseguido conhece bem o terreno e pode ter as suas cumplicidades”.

Houve perda de tempo por falta de informação?

José Monteiro conta à Renascença que só cerca de 12 horas depois dos primeiros crimes de Pedro Dias é que a PJ conseguiu recriar os passos do suspeito de duplo homicídio com maior grau de fiabilidade. O coordenador da Judiciária garante que isso não atrasou a polícia.

“Não punha as coisas dessa forma. Tínhamos a informação, mas não toda a informação. A que estava disponível no início é susceptível de várias leituras e de várias interpretações. Começaram até a surgir notícias que tinha sido uma emboscada”, lembra.

Neste tempo, a PJ quis juntar provas que relacionassem o suspeito com o crime. “Vivemos num Estado de direito e temos de ter provas para que quando o levarmos a um juiz haja consistência no caso”, explica José Monteiro.

Mas era mais importante deter o homem ou juntar prova? “As duas coisas são importantes, porque se eu detiver o homem e não tiver prova suficiente de que foi ele, nesta fase de forma indiciária, o que é que acontece? O juiz não consegue aplicar-lhe uma medida de coacção adequada.”

Perseguir sem estratégia pode aumentar a tragédia

José Monteiro sublinha que, apesar da cautela que se deve ter neste caso, a localização do homem mais procurado de Portugal “é uma urgência.”

Mas o coordenador da PJ não concorda que a captura do homem seja mais rápida e com menos danos colaterais se ele se sentir acossado.

“Se ele estiver quieto, ele representa um nível de perigo. Mas se a Polícia e a GNR estiverem a fazer perseguições de forma inopinada, sem estratégia concertada, o perigo aumenta porque ele está por tudo. A qualquer momento pode fazer uma coisa pior”, avisa.

A PJ acredita que Pedro Dias está ferido e debilitado, mas nem por isso canta vitória. “O que vai acontecer? Se ele vai conseguir escapar outra vez, ou não? Não faço ideia”, sublinha José Monteiro.