O corte dos contratos de associação com os colégios privados tem uma raiz ideológica. Falta o Governo assumir se a raiz é meramente economicista ou tendencialmente estatizante.

Ouvindo o ministro da Educação no parlamento, o problema parece ser económico. Diz Tiago Brandão Rodrigues que a redução dos contratos de associação é uma forma de “não duplicar a factura paga pelo contribuinte”. Se à demagogia devesse responder-se com demagogia, valia a pena perguntar ao ministro qual é então o valor do reembolso que o contribuinte vai receber, com a medida agora tomada. Se o contribuinte está a pagar demais, vai agora pagar menos?

Para além de demagógico, o argumento do ministro parece aproximá-lo da linha ideológica meramente economicista que a anterior oposição, agora apoiante do Governo, militantemente zurziu (por vezes, com razão) durante a última legislatura.

Mas debaixo do (aparente) zelo económico, surge a ideologia do Estado. O preconceito contra outras propostas educativas que não as do Estado. A compressão da liberdade de escolha. A limitação da liberdade de ensino. Daí que os cortes em discussão incidam sobre as turmas em início de ciclo – 5º, 7º e 10º anos – dissuadindo as famílias de matricular os seus filhos em escolas privadas, num momento de alteração do respectivo ciclo escolar.

A visão estatizante comprova-se ainda por um despacho publicado há umas semanas em Diário da República. Nesse despacho, o Governo restringe a frequência dos colégios financiados pelo Estado aos alunos que residam na respectiva área geográfica. Este “controleirismo” do Estado sobre as famílias fez-me recordar que antes do 25 de Abril, era prática generalizada a mudança artificial de moradas, de modo a que os pais conseguissem matricular os filhos na escola (estatal) que mais garantias lhes dava. Faz sentido este regresso ao passado? Ninguém percebe o anacronismo desta exigência?

Pode haver, nestes contratos de associação (como em muitas outras situações, tanto na esfera do Estado como no sector privado), negociatas ou abusos que devam ser corrigidos e resolvidos. Mas nada do que se disser consegue apagar o serviço que tantos colégios privados – católicos ou não católicos - têm prestado à sociedade portuguesa, designadamente a famílias pobres ou com fracos recursos económicos.

Ao cortar, nestes termos, o financiamento a estas escolas, o Estado parece apostar no seu esvaziamento progressivo e na redução das respectivas competências educativas. Claro que os alunos mais ricos poderão sempre suportar aumentos de propinas, que permitam a viabilização de algumas destas escolas. Deve então concluir-se que a medida do Governo tem como principais vítimas as crianças oriundas de famílias pobres ou “remediadas” que deixarão de ter condições mínimas para frequentar outra escola que não a do Estado.

A liberdade de escolha fica reservada aos mais ricos. Aos mais pobres resta-lhes a escolha que o Estado faz por eles. Escapa-se-me o conceito de liberdade e a noção de igualdade subjacentes a estas decisões.

Cortar estes contratos de associação significa, na prática, coarctar a liberdade e agravar a desigualdade: entre aqueles que podem continuar a pagar um projecto educativo diferenciado e aqueles que deixam de poder sonhar com ele.

A menos que, por absurdo, o objectivo fosse a total asfixia do ensino privado. Nesse caso, continuaria a não haver liberdade de escolha, mas todos – pobres e ricos – condenados a frequentar as escolas do Estado (esse verdadeiro educador das massas), estariam em pé de igualdade.

Este “amanhã que canta” pode entusiasmar o PC, mas não envergonha ninguém?