Como foi isto (a eleição de Donald Trump) possível? Como se chegou até aqui? Para estas perguntas haverá nos próximas semanas múltiplas respostas.

Trump derrotou Hillary, mas de alguma forma derrotou também o legado de Barack Obama. O estado do país foi o melhor rastilho para a vitória de Trump. E o empenho do actual Presidente na campanha eleitoral revelou-se insuficiente para evitar a derrota.

O populismo de Trump foi música para os ouvidos de muitos americanos que nos últimos anos empobreceram enquanto o país crescia. Desprotegidos no presente e assustados com o futuro acreditaram num candidato que parecia ter tudo para sair derrotado. Fanfarrão, provocador e ofensivo, Trump derrotou uma Hillary Clinton combativa, mas identificada com o sistema.

Socialmente, Hillary tinha uma agenda ambiciosa que lhe havia sido imposta por Bernie Sanders. Mas para responder ao sobressalto social americano, a receita escolhida acabou por não vir da esquerda. Com isto, não digo que tenha vindo da direita, porque é difícil perceber as verdadeiras convicções de Trump. Essencialmente, Trump acredita nele próprio e naquilo que o pode levar a atingir os seus objectivos. E o eleitorado, órfão de quase tudo, decidiu acreditar em quem não acredita em quase nada.

Cerca de metade da sociedade americana optou por um candidato que tem sabido retirar do sistema tudo o que lhe interessa, mas que montou a sua campanha como se de um outsider se tratasse. Só que não é.

Ao longo da sua vida pública e empresarial, Donald Trump tem vivido do sistema, e com o sistema, e em todas as suas entrelinhas: desde a legislação fiscal até aos favores do “star system” americano e dos “reality shows”.

O Trump que chega a Washington a bordo do seu próprio avião para conversar com Barack Obama, não é nem pode ser anti-sistema. Mas enquanto lhe der jeito desempenhará o papel de forma conveniente, porque a retórica anti-sistema permitiu-lhe ir ao encontro de muitas franjas da sociedade americana, fustigadas pela crise e pelo desencanto.

Para explicar a cavalgada populista de Donald Trump há também quem aponte o dedo à internet e às redes sociais. Para o bem e para o mal, ninguém pode ignorar o poder das novas ferramentas de comunicação; até na difusão das coisas mais cobardes e abjectas que sempre existiram, mas que encontram agora novo território de afirmação. E é verdade que Trump foi claramente eficaz no combate digital.

Em todo o caso, o populismo não nasceu com a Internet. Não consta que tenham sido as redes sociais a impulsionar a vitória de Hitler nas eleições alemãs.

Hoje como no passado, nas redes como noutros espaços da vida social, o populismo contagia e propaga-se quando ao desencanto se juntam o défice de convicções e de comparência. Sem convicções autênticas protagonizadas por gente credível é difícil combater o populismo. E voltar as costas às redes sociais deixaria o terreno (ainda mais) livre para todo o tipo de instrumentalização que explora, de modo massivo e global, os instintos mais baixos e primários.

Depois do Brexit, o populismo arrecadou nova vitória com a eleição de Trump. Na Europa receia-se agora que no próximo ano a França possa sucumbir a Marie Le Pen e até o ministro alemão das finanças já expressou a sua ansiedade quanto ao futuro.

A Europa tem vindo a perder densidade de pensamento e de convicções, entregando a sua sorte aos ventos da economia. Mas quando a economia não resolve, o panorama complica-se. Resta saber como é que os efeitos do Brexit e da eleição de Trump vão ser digeridos pelos eleitores europeus.

De resto, sobram ainda grandes incógnitas quanto ao processo do Brexit. A pressão para um novo referendo não vai abrandar tão cedo. Como é cedo para avaliar o início do mandato do novo presidente americano.

Para já, no discurso de vitória, Trump deixou no ar um certo sabor presidencial, pelo seu carácter inclusivo e até pelo modo como se referiu à sua adversária. Este Trump presidencial e conciliador dificilmente teria ganho as eleições; e se Hillary tivesse sido tão autêntica na campanha como foi no discurso da derrota, talvez não as tivesse perdido.