Continuo por aqui nas perguntas óbvias da catequese. Por exemplo, sabemos em teoria o que é a revelação, mas como é que será senti-la? Como é que se traduz a revelação numa linguagem não teológica e acessível a todos, adultos e crianças, crentes e não crentes? Há dias, numa cena cinematográfica entre dois gangsters, tive uma ideia sobre esta janela imaterial mas real. Sim, dois gangsters: os caminhos do Senhor são estranhos.

Como se explica então a revelação a uma criança? Vou tentar: imagina que uma pessoa nasce cega e vive durante trinta anos com essa cegueira, ela nunca viu nada nem sabe que se pode ver, nunca viu as cores, as formas ou a luz e o escuro; apesar de estar num escuro eterno, ela não percebe o conceito de “escuro”, porque a escuridão só existe em contraste com a luz, que ela não vê nem conhece; isto não quer dizer porém que esta pessoa não sabe apreender o mundo. Ela ouve, tem uma memória de sons. Ela toca, tem uma memória das texturas dos objetos e pessoas. Ela tocou a vida toda num objeto ou numa pessoa, mas nunca a viu, nunca viu a sua plenitude. Até que um dia, ao acordar, percebe que consegue ver. E vê o mundo inteiro pela primeira vez, vê tudo o que cheirou e sentiu pela primeira vez, vê a sua plenitude. Ela pensava que conhecia as outras pessoas e muitos objetos só porque os cheirava, só porque os sentia – estava muito longe da verdade, não é?

É assim, parece-me, que devemos imaginar o milagre da revelação e o momento do juízo perante Deus: vamos perceber que éramos cegos e que não víamos nem metade das coisas, vamos finalmente perceber tudo, vamos finalmente compreender de forma total aquilo que nos rodeia. Pelo menos, é assim que eu penso que será o momento do encontro com Deus após a nossa morte: subimos à Ilha dos Amores para vermos como nunca vimos.