O título desta crónica é retirado de uma peça da “Time” (19 de Outubro) que tentou responder a um problema já abordado nesta coluna: o mal-estar da mãe dos nossos dias. Numa época marcada por um bem-estar material e médico sem precedentes, porque é que tantas mães sentem uma permanente desilusão com a maternidade? Porque é que sentem que estão sempre a falhar?

A peça da “Time” vai no sentido certo: fala-se muito no tema abstracto chamado “filhos”, mas fazem-se poucos filhos; a maternidade está presa em abstracções, ideologias e manias que projectam um Filho abstracto, um Parto abstracto e uma Maternidade abstracta que pouco ou nada têm que ver com o caos criativo que é ter filhos reais e concretos. As mães de hoje deixaram-se rodear por uma multidão de manias e modas sobre partos, comportamento, aleitação, alimentação, etc. Esta miríade de opiniões tem várias origens a montante, mas a jusante tem sempre a mesma consequência: a permanente culpabilização das mães.

Elas sentem-se culpadas porque não tiveram o tal parto natural e “trendy” recomendado por gurus anti-hospital, anti-medicina, anti-vacinas, anti-anestesia. Sentem-se culpadas porque não conseguem alimentar o bebé apenas com o leite natural; é como se dar leite em pó e suplemento fosse um pecado cardinal equivalente ao espancamento, é como se tivéssemos de viver num estado de pureza primitiva, quais Neandertais com iphone, é como se tivéssemos de ter vergonha por possuir meios químicos e médicos que permitem diminuir a dor e aumentar as possibilidade de sobrevivência do bebé. Sentem-se culpadas quando dão leite com lactose e pão com glúten. Sentem-se culpadas quando dão água da torneira à criança. Sentem-se culpadas quando a criança come doces; já vi gente mais indignada com a ingestão de doces do que com a evidente má-criação. Sentem-se culpadas quando a criança faz uma birra em público, como se uma criança a fazer birras fosse um estranho fenómeno nunca antes avistado. Sentem-se culpadas porque as pessoas não suportam uma criança a chorar num avião ou autocarro, apesar de estarem sempre prontas a opinar sobre um choro que evidentemente não conhecem. Sentem-se culpadas porque estão cansadas do trabalho e não conseguem o tal “tempo de qualidade” exigido pelas revistas de grã-finas que não têm de trabalhar. Sentem-se culpadas porque a sogra diz que o ketchup dos meninos não é orgânico. Sentem-se culpadas porque foram sugadas para uma guerrilha moralista que circula entre mães: a mãe do 3.º esquerdo censura a mãe do 1.º direito, que por sua vez censura a mãe do rés-do-chão; depois censuram em conjunto a mãe do 2.º direito, que volta a ser censurada pela sogra e pela própria mãe.

A desilusão é reforçada pelo largo tempo que a minha geração gasta numa espécie de segunda adolescência. As pessoas estão a ter filhos aos 30 e mesmo aos 40. Nós adiamos até à demência a chegada do primeiro filho e, durante esse largo período de tempo, projectamos ideias e fantasias sobre a paternidade e maternidade.

Como é óbvio, esta utopia criada num estirador não sobrevive aos primeiros choros e dores. A peça da “Time” fala de uma mulher de quarenta anos, Margaret Nichols, que, na projecção do seu primeiro filho, criou um futuro ideal de acordo com um dos mantras em voga: parto natural e aleitamento natural durante pelo menos dois anos. Problema? A sua biologia não obedeceu às suas ideias.

Durante o parto caseiro e anti-epidural, Margaret sentiu dores insuportáveis que a fizeram “uivar como um animal”; acabou por ir para o hospital onde, depois da anestesia, teve o seu bebé, Bo. Já em casa, pretendia amamentar Bo com o seu leite durante dois anos, mas o corpo voltou a não colaborar. Margaret sente-se hoje desiludida. Diz até que atravessa um período de “luto”. Luto? Como se atreve? Ela está bem e, acima de tudo, o bebé está bem, é saudável. Como se atreve ela a dizer que está de “luto” só porque não deu à luz numa piscina moderninha e só porque dá leite em pó ao bebé?

A guerrilha entre mães, entre sogras e mães, entre mães e filhas, entre amigas, está a destruir o prazer da maternidade; a cacofonia de manias e ansiedades está a bloquear a beleza de cada parto, de cada mulher, de cada bebé.

Esta trindade (parto, mãe, bebé) é sempre diferente, porque cada uma contém os seus defeitos e fragilidades que não encaixam neste asfixiante mito da mãe perfeita, da mãe deusa, da mãe juíza de outras mães, da mãe que lê bulas de remédio como um farmacêutico fanático, da mãe que lê a fórmula química e energética de todos os alimentos, a mãe que está sempre com medo do julgamento moral de uma sociedade que não faz filhos mas que insiste em palestrar sobre o tema.

PS: falarei dos pais na próxima semana.