Os juros historicamente baixos são um alívio para muitas famílias que estão a pagar a casa ao banco, mas são também um problema que o BCE tem de resolver e para o qual não está preparado.

O economista francês Olivier Blanchard, do Institute for International Economics, acredita (e disse-o na abertura de mais uma edição do Fórum do Banco Central Europeu, em Sintra, o último na presidência de Mário Draghi) que tão cedo os juros não deverão aumentar, a probabilidade de ultrapassarem 1% em 3 anos é de 0,3%. Por isso, a autoridade monetária tem de ter um papel mais activo e o antigo economista-chefe do FMI questiona a meta rígida da inflação. Porque não sobe o BCE o patamar dos 2%, ainda que temporariamente?

“Uma vez que conseguiu mudar tanto (BCE), sem perder a credibilidade, estou desapontado por continuar a recusar mudar o limite da inflação. Penso que ajudaria, se tivéssemos um limite acima do actual (2%), eventualmente regressaríamos.” Blanchard defende ainda que a redução da dívida deixou de ser urgente, com a descida dos juros, os custos e os riscos são agora também mais baixos – “A crise da dívida já não existe”.

Qualquer urgência que existisse, hoje é menor, qualquer velocidade de ajustamento que fosse necessária, hoje é mais lenta. Não quer dizer que não nos deva preocupar. Por outro lado, com a procura baixa, e o risco de abrandamento, a zona euro deve preparar-se para usar défices fiscais, caso se verifique uma nova recessão.

Chegou o momento de rever as regras do euro: “As várias regras (do euro) que definem os limites da dívida, a velocidade de ajuste à dívida, devem ser revisitadas. Primeiro, não têm sido respeitadas e deixaram de fazer sentido.”

Por outro lado, segundo este economista francês, os défices agora até se tornaram necessários. Como a procura desceu, eles sustentam a produção e, se os défices existem, que sejam usados, tanto quanto possível, para investimento público e reformas estruturais. Ou seja, é necessário acabar com a regra dourada que não permite considerar o investimento dívida.

“Penso que pode ser feito, estou ciente dos perigos de classificar qualquer coisa como investimento. Recentemente, foi-me dito, num país do euro, que reduzir a idade da reforma deveria ser investimento público, porque liberta empregos para jovens, e eles são o futuro. Isto é o que não queremos, mas pode ser controlado por uma comissão em Bruxelas.”

Olivier Blanchard destaca ainda outra fraqueza do BCE, este é um problema antigo que continua por resolver – o ajustamento dos preços relativos. “Esteve na origem dos grandes défices currentes no Sul, nos anos recentes, a agora aparecem no grande excedente das contas correntes da Alemanha e Países Baixos”. “No início havia alguma esperança de que as taxas nominais fixas acelerassem o ajustamento dos preços e salário. Mas tal não aconteceu. De facto, por causa da baixa inflação, os salário baixos estão ainda mais rígidos. Pode ser resolvido? Não será fácil e penso que continuará a ser um problema no futuro”.

Os países do euro devem acordar o ajustamento que cada um precisa e implementá-lo, através dos salários e preços. Blanchard avisa que é sempre preferível a inflação à deflação, que tornará o ajustamento mais difícil. Por fim, desafia o BCE e a Comissão Europeia a serem mais ousados e a avançarem com uma expansão fiscal coordenada, nos 19 países do euro, com o aumento da dívida limitado às condições de cada país, e com um Orçamento Único, financiado por EuroBonds.

Na recta final do mandato de Mário Draghi no BCE, Olivier Blanchard elogiou ainda os oito anos de presidência do italiano, que “salvou a Europa da tragédia”. Blanchard define o presidente do BCE como uma mistura rara de pragmatismo, criatividade e senso político. Numa altura em que a instituição assinala 20 anos do euro, Blanchard admite que muitos duvidaram no início, mas, o BCE foi testado e transformou-se. Está “praticamente irreconhecível”.

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