A invasão da Ucrânia cumpriu um ano com as frentes de batalha imobilizadas no Leste, um país destruído, um saldo dramático de baixas, refugiados e desalojados e a certeza de que a agressão russa dinamitou as previsões do futuro à escala global feitas 365 dias antes de 24 de fevereiro de 2022.

Ao mesmo tempo, a resistência ucraniana e o apoio ocidental a Kiev contribuíram para conter a invasão e desmentir previsões iniciais de uma rápida vitória de Putin e multiplicaram as possibilidades de Zelensky, o ex-comediante que revalorizou a ideia de Europa. Pelo menos, o presidente ucraniano pode agora reclamar uma solução negociada com a Rússia, exigindo a devolução dos territórios ocupados desde 2014.

Não há sinais do passeio aguardado por Putin e a possibilidade da Rússia ser obrigada a aceitar algum tipo de solução negociada deixou de estar tão distante. Mas a instabilidade provocada pela guerra reclama um permanente exercício de prudência para que a ‘mundialização’ do conflito não provoque mais estragos.

É verdade que a NATO e a UE definem a guerra como “um combate da democracia contra o autoritarismo” e apresentam-se à cabeça de uma coligação internacional que está a isolar a Rússia. Mas esta visão pode ocultar cenários desconfortáveis para o Ocidente.

A Rússia é um regime autocrata e repressivo, mas nem todos os membros da NATO são democracias. A Turquia é um regime com eleições, mas autoritário e coercivo na perseguição a juízes que bloqueia a adesão da Suécia e Finlândia. Em Bruxelas também são conhecidas as dores de cabeça provocadas pela Hungria e Polónia.

À escala planetária, só quarenta países aplicaram sanções à Rússia e um destacado membro da NATO, a Turquia, não só recusa impor sanções como ajuda Moscovo a frustrar punições económicas ocidentais.

Nenhum país da América do Sul, África e Ásia (exceção do Japão, Coreia do Sul, Taiwan e Singapura) avançou com sanções contra a Rússia, muito menos a China, e só 8,5% das empresas ocidentais retiraram os seus investimentos de Moscovo.

Mais: o relatório final da Conferência de Segurança de Munique 2023 reconhece claramente que o Ocidente está a perder o apoio do resto do mundo, definido como o ‘Sul Global’.

A análise é do professor José Pedro Teixeira Fernandes, do gestor da ACP – Câmara de Comércio e Indústria Nuno Botelho e do professor Francisco Pereira Coutinho.