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O "filho pródigo" de Baptista-Bastos, cuja missão é salvar crianças

29 mai, 2017 - 13:19 • Ângela Roque

Advogado, assumidamente de esquerda e “bon vivant”, Pedro Baptista-Bastos baptizou-se em Abril, aos 47 anos. Em entrevista à Renascença, conta como a fé o ajudou a enfrentar a morte do pai e como sente que teve, durante anos, “uma caixa com uma jóia” que só abriu quando se baptizou.

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Filho do escritor e jornalista Armando Baptista-Bastos, que faleceu este mês, Pedro revela nesta entrevista como a fé o ajudou neste momento difícil. A si e ao pai. E fala da sua conversão. Baptizado na vigília pascal deste ano, na igreja da Penha de França, em Lisboa, diz que este era o passo pelo qual ansiava há muitos anos. Conta como foi percebendo os sinais de Deus na sua vida, como a família encarou a sua decisão, como profissionalmente passou a entender o que faz como uma missão – a de “salvar crianças” –, e como o facto de ser de esquerda e “bon vivant” não o impedem de ser católico. Mesmo que isso tenha surpreendido alguns dos seus amigos.

O que é que representou para si ser baptizado este ano, na vigília pascal?

Foi um momento de confirmação e um momento de testemunho, acima de tudo. Confirmação no sentido de ter uma aceitação formal de fé. Mas, mais importante ainda, de prestar um testemunho diante de Deus e diante de uma congregação de fiéis.

Mas isto foi o culminar de um processo. Quando é que se deu o clique?

Quando tinha 14 anos e a minha mãe quebrou a perna. Ela esteve internada no hospital de São Lázaro, onde havia muito a imagem da fé popular, do santo que acompanhava a enfermeira chefe, do médico crente que tinha um rosário, e isso impressionou-me muito. Foram sinais que me foram marcando. E depois pedi à minha mãe que me ensinasse a rezar...

A sua mãe é católica?

A minha mãe é católica.

Mas o pai não era...

Não, o meu pai não era. Muito embora fosse baptizado, não era católico. Estranhamente o meu pai quando viajava para o estrangeiro ia sempre com uma Bíblia. Portanto, o meu pai dizia que não era católico, mas acho que no seu íntimo ele sempre guardou a sua crença em Deus. E sempre teve experiências ao longo da sua vida que, creio eu, mais o aproximaram de Deus do que o afastaram. Foi isso também que sucedeu comigo.

O seu pai teve, naturalmente, um grande ascendente sobre si. Estamos a falar de Armando Baptista-Batos, escritor e jornalista, que morreu há pouco tempo. Também o ajudou neste momento difícil ser crente, já ter sido baptizado e encarar a fé de outra forma?

Sim. Na doença e na morte todos nós procuramos o conforto e o amparo da fé. Eu entendo que não devemos encarar o sofrimento como uma punição, mas sim como uma possibilidade que Deus nos dá para conseguirmos obter uma ligação com Ele. As pessoas muitas vezes, ou na maior parte dos casos, entendem a fé como uma busca de um favor. Para mim a minha fé não é uma busca de um favor, para mim é sempre isto – uma confirmação e um testemunho. O meu baptismo foi como se eu durante anos tivesse uma caixa com uma jóia que me foi aberta no sábado aleluia, diante de Deus. Foi um momento muito bonito.

E a família? Como é que reagiram quando souberam que queria ser baptizado?

Contei primeiro à minha mãe, que ficou extremamente feliz e curiosa, e acompanhou sempre o meu progresso na catequese. O meu irmão Miguel também. Só relatei ao meu pai mesmo à última, para não o chocar muito. Disse-lhe, num jantar de família, que ia ser baptizado, e o meu pai olhou para mim e perguntou: ‘Mas, vais ser baptizado porquê?’. E eu disse ‘ó pai, porque eu quero’. O meu pai olhou-me espantado e só perguntou isto: ‘Vais ser feliz com esse teu acto?’. E eu disse ‘vou sim, pai’. E ele não me disse mais nada.

Foi muito bonito constatar como alguém que se dizia marxista, e sempre se afirmou marxista até ao final da vida, encarou muito bem e com muita felicidade o meu momento de fé.

Ao longo da doença de que padeceu – o meu pai esteve dois meses internado com uma meningite bacteriana –, deu-me a sua última lição, que eu interpreto de duas maneiras: o meu pai lutou contra a meningite até ao. E lutou também ajudado pela força da minha fé. Eu dizia-lhe isso nos momentos em que estava consciente.

E ele sentiu isso, que a sua fé também estava a ser importante para ele?

Sentiu. O meu pai sentiu uma coisa que Jesus Cristo ensinou, o ‘amai-vos uns aos outros’. Sabe, ao longo da minha vida... Bom, eu tive uns vinte anos muito turbulentos. O Nietzsche costumava dizer que nós somos meninos até aos 30 anos, e que um homem só se transforma quando chega a essa idade. E a década dos 20 foram os meus 10 anos da guerra de Tróia, digamos assim. Foi muita coisa em que andei, que fiz, que vivi, mas em que comecei não só a descobrir as injustiças do mundo, mas também os confrontos que eu tinha comigo e com o meu pai. E foi só há coisa de uns cinco anos que eu disse ao meu pai pela primeira vez que o amava. E ele olhou para mim muito surpreendido, porque era de uma geração em que a palavra amor não era dita muitas vezes, em que o conceito de amor não era trabalhado. Uma das coisas que eu descobri na mensagem de Jesus Cristo foi isto – nós para amarmos temos que dar.

É advogado, numa área difícil como é a do direito de menores. Crescer na fé ajudou-o a ser melhor advogado, a olhar as coisas de outra maneira?

Ajudou. A minha especialização é família e menores, especialmente dentro do direito dos menores. Quando comecei a trabalhar nesta área eu assisti a coisas inacreditáveis, vi bebés queimados com pontas de cigarros, coisas para além daquilo que se possa classificar de violência. Eu vi o mal mesmo, que pode ser induzido noutra pessoa. Eu vi um bebé que a mãe deixava dentro do berço 24 horas, com uma televisão constantemente ligada, o bebé não conseguia dormir. Eu vi meninos que nunca receberam um colo até terem entrado para instituições de acolhimento...

Há mais miséria humana a esse nível do que às vezes imaginamos… Muito mais.

Porque a violência que é feita sobre quem não se pode defender assume graus inimagináveis. E eu percebi que a minha profissão era uma missão. Durante um determinado período da minha vida, no tribunal de família e menores de Lisboa, eu fiz julgamentos ininterruptos, três a quatro vezes por semana (que era uma violência), só para salvar meninos. Eu tinha a cargo a parte judicial dos meninos, de ir a tribunal, de acelerar processos, de ir junto dos juízes e procuradores e dizer assim “eu tenho este caso que é urgente. Senhor doutor, senhora doutora, temos de marcar uma data de julgamento, vamos resolver isto”. E eu percebi que estava a defender meninos que não podiam falar, exprimir-se.

Para um cristão ou católico há sempre a consciência de que tem uma missão na vida. Acha que a sua missão é esta?

Profissionalmente a minha missão é salvar crianças. É tentar abrir uma estrada que Deus me disse para abrir para eles, que sirva para a vida deles. É isto que eu procuro fazer.

O Papa Francisco teve alguma influência na sua caminhada?

A minha caminhada começou muito antes. Houve certos aspectos da mensagem de João Paulo II que me influenciaram muito. Foi um Papa que entendeu que a Igreja tinha que ir ao encontro ao mundo, que ia ser um trabalho muito difícil, muito delicado, mas deveria abrir-se ao mundo. Bento XVI foi outro Papa extraordinário, racionalizou essa abertura ao mundo. Por fim, agora, Francisco está a falar da esperança, que é uma coisa que eu acho lindíssima. E está a apontar o dedo àqueles que podem estar a causar os males do mundo.

Como é que acompanhou a recente visita a Fátima? Aconteceu numa altura em que também estava mais fragilizado, com a perda do seu pai…

Tudo isto para mim foi muito avassalador, e eu ainda estou a processar e a entender tudo isto que tem ocorrido na minha vida. Mas quando ele diz que devemos procurar em Fátima a nossa mãe, quando diz “Eis a nossa mãe, temos mãe”… O meu pai morre e ele estava a dizer isso, e eu tenho estado a dar amor e apoio à minha mãe e aos meus irmãos… Essas palavras para mim tiveram um profundo impacto. Isso e a noção de esperança que ele transmite relativamente à mensagem de Fátima.

Esta aproximação à Igreja, e a forma como tem falado disso muito naturalmente, por exemplo, na página do Facebook, tem surpreendido alguns dos seus amigos…

Tem.

As pessoas ainda têm muitos preconceitos em relação ao que significa ser católico, ser de esquerda e ser católico, ser um “bon vivant” e ser católico?

Têm. Houve uma parábola de Jesus que me impressionou muito, que é a parábola do filho pródigo. Eu fui um filho pródigo. Muitas vezes as pessoas ficam surpreendidas com o facto de eu ser de esquerda e ser um “bon vivant”, e que num determinado momento consiga conciliar aspectos que parecem irreconciliáveis… Ora, não há nada de errado em eu sair e divertir-me com as pessoas de quem gosto, contando que o faça sem grandes doideiras! Mas, mesmo que uma pessoa faça uma doideira, Deus concilia tudo.

Mas há essa imagem de que os católicos são gente triste, enfadonha?

Gente triste, oprimida, enfadonha. E não, isso é tudo mentira! Jesus comia com os publicanos e com os pecadores, Jesus bebia água com a samaritana. Até as nossas festas populares são festas em que a nossa expressão de religiosidade são momentos de festa, de alegria, de beber um copo com os amigos.

O Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou recentemente que “faz falta mais esquerda católica”. Concorda?

Concordo, sim senhor. Eu sou um homem de esquerda católico. Entendo que muito embora a questão do campo político da esquerda possa ter sido determinada no contexto de uma revolução que se pretendia laica ou ateia, o que é certo é que enquanto católico eu noto que a mensagem de Jesus é também a mensagem daquilo que eu possa propugnar para o meu campo político. E eu não concebo a minha actividade política sem ter também uma orientação de fé. Há pessoas de esquerda que eu fico surpreendido com o conhecimento que têm da Bíblia e da mensagem de Jesus Cristo, e que se envergonham disso. E não têm que se envergonhar.

E acha que estamos num ponto de viragem, com mais pessoas a falarem publicamente da sua fé?

A nossa geração está a procurar unir o país, isto é, os velhos ódios, as velhas querelas, as velhas divisões, para nós não nos fazem sentido. Há um livro do Agostinho da Silva, muito engraçado, que se intitula “Reflexão”, onde ele diz que este país era um milagre, e que o verdadeiro milagre não foi nem termos ido ao Brasil, nem termos expandido a fé. O nosso milagre foi termos existido enquanto união de povo, cultura e fé. Até 1385 o que sustém Portugal foi ter mantido sempre a sua fé, a sua crença inabalável em ser português. Ser português também é um acto de fé.

Quando as pessoas ficaram surpreendidas com a minha assunção de fé, elas só ficaram surpreendidas porque eu já fazia tudo aquilo que Jesus Cristo me dizia. Eu ainda não tinha era dito “eu faço isto em Seu nome”. Mas, nada mudei.

Era tudo transparente na sua vida?

Tudo completamente transparente. Foi isso que surpreendeu algumas pessoas.

Depois deste momento tão importante na sua vida, que foi esta vigília pascal em que se baptizou, sente-se um homem novo?

Sinto. Há de facto uma transformação que como que nos fortalece. É indiscritível. Foi também essa transformação que me permitiu encarar com coragem a morte do meu pai, porque eu sei que o meu pai neste momento está com Deus. E ao mesmo tempo é também a fé que me permite dar forças à minha mãe, dar amor à minha mãe, conseguir acordar todos os dias, e muito embora eu tenha umas saudades tremendas do meu pai, é isso que me permite ir em frente. Dizer assim “tu vais cuidar da tua mãe”, “tu vais ganhar forças de novo, vais voltar a fazer aquilo que tu fazes neste mundo”. Porque os momentos da morte são também momentos de recolhimento para nós.

A entrevista foi transmitida no espaço informativo das 12h, na Renascença, que às segundas-feiras dá destaque ao temas sociais e da vida da Igreja . A versão integral será publicada no livro “Gente Feliz com Fé – conversas na rádio”, que vai ser lançado no próximo mês na Feira do Livro de Lisboa.

Comentários
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  • César Gonçalves
    01 jun, 2017 Fogueteiro - Amora 21:58
    Que dizer de um Filho e Neto de dois Homens de quem eu gostei Muito, O Pedro ainda vai dar que falar, Neste País Abraço Grande Pedro.
  • Mara
    29 mai, 2017 Portugal 18:18
    Engraçado meu pai não frequentava a igreja embora descendente duma família cristã, jamais me proibiu do fazer e todos dias se fechava no seu quarto, rezava o terço e terminava com a leitura da Bíblia, enfim há muita forma de se chegar a Deus este caso é lindo, gostei do conhecer porque me trouxe à memória os anos lindos em que tinha o Homem mais querido da minha vida o meu Pai.

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