14 mar, 2017 - 09:23
O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) decidiu que as empresas podem proibir as funcionárias de usarem véu islâmico no local de trabalho, desde que isso corresponda a uma política interna de proibição de qualquer símbolo político, filosófico ou religioso e que obrigue os funcionários a vestir-se de forma "neutra". É o que se conclui de uma sentença referente aos casos de duas mulheres muçulmanas despedidas depois de insistirem em usar os véus islâmicos no emprego. As situações aconteceram em França e na Bélgica.
O tribunal estava a considerar ambos os casos em simultâneo, mas encontrou diferenças importantes entre elas. No caso de Samira Achbita, que foi despedida do seu cargo de recepcionista da empresa GS4 por se recusar a retirar o véu, os juízes deliberaram que isso não constituia ilegalidade, desde que as regras internas da empresa fossem claras e iguais para todos os funcionários. De acordo com a deliberação, esta proibição "não constitui uma discriminação directa por razões religiosas ou convicções".
Já no caso de Asma Bougnaoui o tribunal decretou que poderia haver um caso de discriminação, caso a funcionária da Micropole, uma empresa de informática, tivesse sido despedida não por se recusar a aderir a políticas internas de vestuário, mas porque um cliente se queixou do facto de ela utilizar o véu.
O tribunal traça assim um princípio geral, mas deixa aos tribunais nacionais a responsabilidade de determinar se nos casos particulares existiu discriminação.
Já em 2014, o o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) considerou “legítima” a proibição do uso de véu integral em França, rejeitando um pedido de uma francesa que reivindicava o direito a usar o niqab ou a burca.
A decisão do TJUE surge numa altura em que as questões ligadas às comunidades muçulmanas na Europa dominam as discussões políticas, sobretudo na Europa central e em países como a Holanda e França que estão à beira de eleições e onde os partidos anti-imigração estão em alta nas sondagens.
"Não faz sentido nenhum"
A portuguesa Teresa Tito de Morais, do Conselho Português para os Refugiados, considera que a decisão do tribunal está errada, caso também se aplique a véus que deixam a cara à vista e a outro tipo de indumentária que, como diz a sentença, revela posições filosóficas, políticas ou religiosas.
"Isso não faz sentido absolutamente nenhum. Desde que não seja um atentado contra a segurança interna das empresas, deve ser livre, não tem de obedecer a regras estigmatizantes que possam pôr em causa a liberdade individual de cada um", diz.
A maioria das muçulmanas que usam o véu islâmico fazem-no para tapar o cabelo, havendo apenas uma minoria que tapa totalmente o rosto.
Já no caso de véus que tapam a cara, como a burca, poderá haver razões de segurança que se impõem, considera. "Pode de certa maneira por em risco algumas regras que os países europeus têm, no sentido de reconhecer os seus empregados - para aqueles que estão com a cara tapada esse processo é mais complicado - e até por razões de segurança."
Em Portugal, o Conselho Português para os Refugiados não tem conhecimento, explica Teresa Tito de Morais, de casos de conflito laboral por causa deste género de questão.
Também o presidente da Associação Empresarial de Portugal considera inaceitável qualquer tipo de discriminação de ordem religiosa. Ainda assim, Paulo Nunes de Almeida admite a existência de códigos de conduta mais restritivos por razões de relacionamento com o exterior ou de segurança.
“Somos contra qualquer tipo de discriminação por razões religiosas, aliás penso que a própria constituição não o permite. Penso que se deve dar a possibilidade de qualquer um poder exprimir as suas tendências religiosas da forma como entender”, começa por dizer Paulo Nunes de Almeida.
“Salvaguardo contudo que em relação a determinado tipo de empresa pode haver formas de apresentação das pessoas, até tendo em conta a relação com a clientela, razões de segurança, questões de identificação da própria pessoa, que muitas vezes não permitam que determinado tipo de vestes ponham em causa esse relacionamento que a empresa quer ter com o exterior e com quem se relaciona”, acrescenta.
“Portanto aí admito que em determinadas situações a empresa possa ter um código de conduta, mas isso não tem a ver com questões de natureza religiosa, tem a ver fundamentalmente com a forma como a empresa entende que em determinadas funções o relacionamento com o exterior tenha de ser feito de determinada maneira.”
[Notícia actualizada às 13h27]