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50 anos de liberdade

Antes do 25 de abril de 1974, a revolução começou a ferver na década de 60

24 abr, 2024 - 21:22 • Pedro Leal , Salomé Esteves , Sérgio Costa

Da defesa pela independência das colónias, ao desgaste das Forças Armadas, ao massacre dos povos no Ultramar, ao falhado Golpe das Caldas: o que fez estalar a revolução entre os militares que, a 25 de Abril de 1974, marcharam sobre Lisboa?

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Há 50 anos viviam-se os últimos minutos da ditadura do Estado Novo. O movimento dos capitães desencadeou um golpe militar que em pouco mais de 20 horas derrubou o Governo de Marcello Caetano e põe fim a 48 anos de ditadura.

Desde a década de 60, que o regime de Salazar enfrentava contestação interna e externa. Em 1974, o país estava deteriorado por 13 anos de guerra colonial, paralisado pela política isolacionista, perdido numa ditadura assente na censura e na Polícia Internacional e De Defesa do Estado/Direção-Geral de Segurança (PIDE/DGS). Um Portugal “orgulhosamente só” e ostracizado pela comunidade internacional.

O último dos impérios entra em crise nos anos 60

O grande confronto começa no prelúdio da guerra em Angola. Em 1960, as Nações Unidas aprovavam uma resolução a favor do direito à independência dos territórios colonizados.

No documento, constam duas ideias principais. Em primeiro lugar, que o colonialismo é uma negação dos direitos do homem e, depois, que os atrasos das colónias não podem ser um pretexto para atrasar as independências. A resolução é aprovada por larga maioria.

Em 1961, estala a guerra no Norte de Angola., durante a qual a ação da União das Populações de Angola (UPA) lança o pânico entre os colonizadores.

No mesmo ano, o então ministro da defesa, o general Júlio Botelho Moniz tentou levar a cabo um golpe de Estado que ficou conhecido como Abrilada. O ministro queria afastar António de Oliveira Salazar e destituir Américo Thomaz como Presidente da República. Mas o presidente do Conselho antecipou-se a Botelho Moniz e o golpe saiu fracassado.

Depois de vencer o golpe, Salazar assume a pasta da defesa e envia o exército para Angola. O conflito alastra à Guiné e Moçambique. Durante 13 anos as populações das colónias, as famílias e os jovens sobreviveram aos horrores da guerra.

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O ano de 1961 não acabaria sem Salazar ter um novo sobressalto. A União Indiana invade os territórios portugueses da Índia. O presidente do Conselho exige soldados vitoriosos ou mortos. Portugal está derrotado.

Em 1963, a BBC retomou o serviço para Portugal. Depois de alguns anos de silêncio, Londres percebe a pertinência e a necessidade de um serviço em português. A BBC oferece emissões em Onda Curta que eram escutadas também nas colónias portuguesas. A Voz de Londres será um importante veículo de informação não censurada, muitas vezes escutada em segredo.

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A volta da cadeira e os desafios de Marcello lá fora

Quase no final da década, o regime tem mais um sobressalto. A três de agosto de 1968, Salazar cai da cadeira no Forte de Santo António no Estoril.

Um mês depois, ao fim de 42 anos de permanência no Governo, é declarada a incapacidade física do ditador. Cabe a Américo Thomaz a decisão e o Presidente da República substitu a figura maior do Estado Novo por Marcello Caetano.

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O novo presidente do Conselho traz um projeto político que define em duas palavras: “evolução na continuidade”. Na tomada de posse diz que chegou “o tempo em que o país vai ser dirigido por homens normais”.

Começa, então, a chamada Primavera Marcelista. Durante esta altura, Marcello autoriza o regresso do exílio de Mário Soares e do Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes. Também nas eleições de 1969 dá sinais de abertura. Nas listas da União Nacional são integrados nomes da chamada Ala Liberal, como Sá Carneiro, Pinto Balsemão e Miller Guerra.

Dois anos depois, a revisão constitucional de 1971 frusta a esperança dos reformadores e todas as propostas da Ala Liberal sido reprovadas.

Um ano depois, aos 78 anos, Américo Thomaz é de novo candidato à Presidência da República e o regime volta a perder a oportunidade de se renovar. Poucos meses depois, Sá Carneiro e Miller Guerra são os primeiros deputados da Ala Liberal a renunciarem aos mandatos de deputado.

Assaltado pelos duros do regime, em 1972, Marcello Caetano ainda tem de enfrentar um grande embaraço internacional. É conhecido o massacre de Wiriyamu, na província de Tete, em Moçambique, onde as tropas portuguesas são acusadas de massacrar 300 pessoas. Em Portugal, a notícia é censurada e só é conhecida através dos serviços portugueses da BBC.

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Pouco depois, a ONU condena o regime, por não alterar a política colonial. A Assembleia Geral apela a todos os Organismos das Nações Unidas para que apoiem os movimentos de libertação das colónias portuguesas.

Mais tarde, em 1973, o regime é confrontado com a declaração unilateral da independência da Guiné-Bissau. Dezenas de países e a Assembleia Geral da ONU confirmam o novo estado e aprofunda-se o isolamento de Portugal.

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Adensa-se a crise e a revolta nas Forças Armadas

Ainda em 1973, o regime tinha falta de capitães dos quadros permanentes e aprova a lei 353/73 , que permitia a passagem aos quadros permanentes das armas de infantaria, da artilharia e da cavalaria os oficiais que frequentassem um curso intensivo na Academia Militar.

O esforço de guerra estava comprometido e o Governo, perante a falta de cadetes na academia militar, facilitou a entrada de milicianos no quadro permanente, o que provocou mau estar entre os capitães de carreira. Com esta lei, Marcello Caetano abre a porta à contestação nas forças armadas, ao movimento dos capitães e à própria queda do regime.

Em fevereiro de 1974, António de Spínola publicou o livro “Portugal e o Futuro”. O general contesta a política colonial, defende a constituição de uma federação de estados, a liberalização do regime e a adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (CEE).

Marcello Caetano lê o livro numa noite e considera-o “um autêntico golpe de estado”, mas não deixa de reagir, convocando para São Bento todos os oficiais superiores dos três ramos das forças armadas para uma manifestação de apoio ao regime.

Nesta sessão, que ficou conhecida como a “Brigada do Reumático”, Marcello diz:

“O país está seguro de que conta com as suas Forças Armadas e em todos os escalões destes não poderá reiniciar dúvidas sobre a atitude dos seus comandos.”
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A 14 de março, Costa Gomes e António Spínola são demitidos por faltarem à cerimónia e recusarem apoiar publicamente a política do Governo

Dois dias depois, a 16 de março, surge o Golpe das Caldas. É a primeira tentativa do Movimento dos Capitães para derrubar o Governo. Nesse dia, o Regimento de Infantaria n.º 5, das Caldas da Rainha, rumou a Lisboa para destituir Marcello Caetano e por fim à ditadura, mas foram travados. O golpe fracassou e terminou com a detenção de cerca de 200 militares.

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Os primeiros traços de 25 de abril

Mas o Movimento dos Capitães está em marcha. Desde o início de março de 1974, circula entre os militares o primeiro documento contra o regime e a Guerra Colonial. Foi redigido por Melo Antunes e tinha como título "Os Militares, as Forças Armadas e a Nação".

A 24 de março, acontece a última reunião clandestina da Comissão Coordenadora do Movimento das Forças Armadas (MFA), em que se decide o avanço do golpe militar. As ordens das operações são distribuídas um mês depois por Otelo Saraiva de Carvalho.

A 24 de abril, o jornal “República” chama a atenção para a emissão do programa Limite da Renascença, que iria para o ar nessa noite. É assim que o país chega à revolução.

A partir das últimas horas dessa quarta-feira de 1974, os acontecimentos escalaram de hora em hora. A Renascença apresenta as 24 Horas do 25 de Abril num mapa narrativo, com fotografias, vídeos e os áudios da reportagem na altura realizada para o programa Limite da Renascença, pelos repórteres Adelino Gomes, Paulo Coelho e Pedro Laranjeira.

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