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Comités controlam distribuição e abastecimento de alimentos na Venezuela

10 jul, 2016 - 12:05

Alguns supermercados estão a limitar a venda de bens básicos a residentes locais. O comprovativo é conseguido nos Comités Locais de Abastecimento, que não aceitam “contra-revolucionários” no seu seio.

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A distribuição de alimentos na Venezuela começou a ser feita sob o controlo dos chamados Comités Locais de Abastecimento e Produção (Clap), criados pelo Governo do Presidente Nicolás Maduro.

Trata-se de uma iniciativa polémica que o Executivo insiste que vai permitir combater o contrabando e a revenda ilegal de produtos, mas parte da população critica e associa aos sovietes, os conselhos de representantes operários que apareceram pela primeira em 1905 na Rússia, para impulsionar a revolução russa.

No centro da polémica está ainda o facto de muitas pessoas verem nela uma tentativa de aplicar uma versão moderna da popular caderneta de racionamento alimentar usada em Cuba, numa altura em que a Venezuela atravessa uma prolongada escassez de produtos alimentares básicos e medicamentos, que têm originado constantes protestos da população.

No meio da polarização existe um importante número de cidadãos, entre eles alguns portugueses, que estão esperançados de que esta nova medida – criada em Abril de 2016 pelo Presidente Nicolás Maduro mas que apenas agora começou a funcionar –, possa ser uma solução “que sirva para aliviar” os constrangimentos diários da população.

“Aqui, o Governo já criou guias de circulação, já fez fiscalizações e muitas outras coisas. O problema (de abastecimento), que inicialmente diziam que era temporário, já lá vai para quase três anos e a situação em vez de melhorar piora, a tal ponto que todos os dias temos que estar preparados para ver o que terá chegado ao supermercado para comprar”, disse à Lusa uma emigrante portuguesa.

Manuela de Agrela diz que “qualquer solução que funcione é boa”, mas diz ter dúvidas que os Clap possam vir a privilegiar algumas pessoas em detrimento de outras.

“Apesar de saírem notícias na imprensa, no passado houve casos de conselhos comunais que esbanjaram recursos dados pelo Executivo, destinados para obras nas comunidades”, acrescentou.

“Será que com os Clap vamos ter acesso real a produtos como a farinha de milho para fazer ‘arepas’ (tradicional massa de milho achatada que depois de frita ou assada é recheada com queijo, fiambre e outros produtos, substituindo o pão), o óleo, arroz, massa, leite em pó, açúcar, feijão e café, creme dental, papel higiénico e produtos de asseio pessoal”, questiona a portuguesa de 60 anos, que diz não ser “politicamente de esquerda nem de direita e que o mundo não pode ser visto apenas por esse prisma (político), mas sim pela qualidade de vida que os governantes são capazes de dar à população”.

Com o programa piloto já em funcionamento, estão já activos alguns milhares de Claps nos mais de trezentos municípios do país, naquele que o Presidente Nicolás Maduro diz ser “o início de um novo caminho produtivo cujos primeiros passos anunciam o sucesso” na missão de “ser a máxima expressão da revolução económica na base”, combater o flagelo da guerra económica, a usura, o contrabando, o açambarcamento e fortalecer o Sistema Popular de Distribuição de Alimentos.

Trabalhando em conjunto com o Ministério de Alimentação, na distribuição de produtos de primeira necessidade cujos preços máximos de venda são fixados pelo Executivo, os Clap iniciaram a distribuição de bolsas de alimentos a algumas famílias de comunidades pobres, que apesar de aprovarem a iniciativa começam a queixar-se de que a quantidade de alguns produtos não está de acordo com as necessidades, porque, por exemplo, “um quilo de farinha de milho e um quilo de arroz não são suficientes para uma quinzena”.

A alimentar a polémica dos alegados sovietes está o facto de integrarem militantes do Partido Socialista Unido da Venezuela, das Unidades de Batalha Bolívar – Hugo Chávez (Ubch) e de várias frentes criadas pelo regime.

“Aplicamos os Clap para que não nos derrubem. São uma política de Estado com objectivos definidos, entre os quais evitar que (a oposição) nos derrube no quadro da denominada guerra económica contra o país”, disse recentemente aos jornalistas o coordenador dos Clap, Freddy Bernal.

Segundo o vice-presidente Executivo da Venezuela, Aristóbulo Istúriz, os Clap estão centrados em “três tarefas principais: O abastecimento, a produção e a defesa da revolução” como “instrumento político de defesa do povo que luta contra uma burguesia e uma oligarquia que quer derrotar a revolução”, enquanto que a governadora e dirigente socialista Erika Farias insiste que “nos Clap não podem haver esquálidos (elementos da oposição), nem contra-revolucionários”.

Supermercados limitam venda a residentes locais

Os supermercados de Caracas estão a exigir aos clientes que apresentem um cartão de inscrição nos conselhos comunais da zona ou nos Clap, para poderem comprar produtos básicos que escasseiam no mercado venezuelano.

“Cada vez que nos chegam produtos básicos, há centenas de pessoas a fazer fila para comprar, mas muitas delas não sabemos quem são. A ideia é impedir que quem viva noutra zona compre as coisas que são para os clientes que vivem na nossa área”, explicou o administrador de um supermercado à agência Lusa.

Segundo João Ferreira, “há produtos que são muito procurados e que escasseiam no mercado local, como a farinha de milho, o óleo, o açúcar, o arroz e a massa, que chegam em camiões protegidos pela Guarda Nacional (polícia militar) e, muitas vezes, as pessoas que sabemos que vivem na zona ficam sem nada”.

O processo para “conseguir a acreditação é fácil”, basta ir aos conselhos comunais e aos Clap, “levar um documento de identificação, o comprovativo de endereço fiscal ou uma factura de um serviço público com o endereço da pessoa”.

Para os comerciantes a apresentação de um cartão dos Clap pode ajudar a solucionar a falta de abastecimento e a revenda ilegal de produtos, principalmente nos supermercados onde as autoridades ainda não instalaram um sistema de identificação biométrico, que limita a quantidade de produtos que é vendida semanalmente a um cliente, como acontece nas grandes redes, que mesmo de diferentes empresas estão ligadas entre si e quem comprar arroz ou outro produto numa cadeia está impedido de comprar o mesmo produto noutra.

Mas alguns cidadãos queixam-se de que estão a ter dificuldades para fazer a inscrição e dizem temer que mais tarde os seus dados possam ser usados com fins políticos.

“Na minha zona (Los Cedros), é apenas às terças-feiras, das 17h às 19h, que fazem as inscrições. Eu trabalho longe não posso estar aí a essa hora”, disse Diamela Castellanos à Lusa, manifestando-se preocupada porque tem que mais um contratempo: Vive num prédio alugado e os serviços públicos estão no nome da proprietária do imóvel.

Fonte do conselho comunal local explicou à Lusa que nesses casos a proprietária do imóvel pode enviar uma carta a explicar a situação e que a acreditação é então emitida.

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  • VICTOR MARQUES
    10 jul, 2016 Matosinhos 16:47
    Aquilo agora é um "come inté"... acabar! Ou já acabou? Como é que um país tão "maduro" se deixou-se apodrecer?...

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