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Reportagem Euranet

Da vergonha ao orgulho de estudar Medicina na República Checa

30 dez, 2015 - 17:27 • João Cunha , em Pilsen, a República Checa

Falharam o grande objectivo das suas vidas em Portugal: o de entrarem numa faculdade de Medicina. Mas não desistiram e estão a estudar fora do país. A Renascença foi a Pilsen, na República Checa, conhecer alguns desses alunos portugueses.

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Há quase 20 anos que o pólo de Pilsen da segunda Faculdade de Medicina da Charles University, com sede em Praga, desloca-se a Portugal para “angariar” estudantes portugueses.

Fazem exames de admissão de Biologia, Química e Física. Raros são os alunos que não conseguem ultrapassar as provas. A dada altura, despedem-se da família, enchem-se de coragem e começam o ano lectivo a quase três mil quilómetros de casa. Arranjam casa, estudam a rede de transportes da cidade, aprendem os hábitos e a cultura locais e começam as aulas, todas em Inglês.

Adriana Correia é de Castro Marim, no Algarve, tem 19 anos e está no segundo ano de Medicina. A grande diferença que encontrou, logo à chegada, foi nos preços e na qualidade dos transportes: “De Cacela a Tavira, que são cerca de 15 minutos de carro, pagava 35 euros por mês e cá pago 35 euros por todos os transportes por vários meses. E a qualidade dos transportes é muito boa.”

Chegou a ter vergonha por não ter entrado em Medicina em Portugal (achou que só os maus alunos vinham para a República Checa), mas rapidamente percebeu que não é assim, dada a exigência do curso.

“Achava que isto ia ser tudo muito fácil, mas não é. Às vezes, o inglês é um problema entre nós e os professores. É um curso que exige muito trabalho e sem trabalho não vamos a lado algum”, afirma Adriana, que, longe de casa, percebeu que houve valores que quase perdeu em Portugal – mas que recuperou em Pilsen.

“Sinto que cá crescemos muito. Sempre que alguém chumba um crédito vai-se a casa e oferece-se chocolates. Sempre que alguém passa num exame é uma festa”, diz esta estudante, que já passou dois aniversários em Pilsen e teve direito a festas surpresa.

André Fernandes, de 22 anos, frequenta o quarto ano de Medicina. É de Luanda e de Lisboa, como diz. A sua história é idêntica à de tantos outros portugueses a estudar em Pilsen. “Não tinha acesso ao curso de Medicina em Lisboa por falta de média. Ainda ponderamos outros países para além da República Checa, como Inglaterra ou África do Sul. Mas por ter um amigo na República Checa vim para cá”, conta André.

Sente-se olhado “com desdém” pelos estudantes de Medicina em Portugal: “Pensam que como não tivemos média não temos conhecimento ou competência para o curso.” Mas a verdade é que os estudantes portugueses são muito bem cotados na República Checa e até conseguem recomendações para centros de excelência internacionais.

Objectivo: Alemanha

Catarina Neves, de 21 anos, vivia em Fátima. Também está no quarto ano de Medicina em Pilsen.

Sublinha que o primeiro ano do curso foi muito difícil do ponto de vista emocional, mas diz que a amizade entre todos os alunos portugueses faz deles uma família, o que ajuda a superar as dificuldades. Tal como muitos, regressar a Portugal, depois de terminado o curso, não é sua intenção.

“Gostava muito da Alemanha e já estive um mês a fazer um curso intensivo de Alemão e continuo a estudar Alemão. O meu objectivo é ter o nível e alemão necessários para fazer a especialidade lá”, afirma esta estudante.

Para Catarina, a grande diferença entre cursos – os da República Checa e os que são ministrados em Portugal – aparece no quinto ano. A partir dessa altura, os alunos que estudam em Pilsen e em outras faculdades da Europa podem começar a prescrever medicamentos. Os que estudam em Portugal só o podem fazer depois de fazer o “exame Harrison”, que dá acesso à profissão e determina a escolha da especialidade.

Quem não pretenda ir para a Alemanha como Catarina Neves e queira voltar ao país de origem, inscreve-se na Ordem dos Médicos em Portugal, que lhes faz a conversão da média. E, depois, vem o Harrison, o exame dos exames para quem quer ser médico. Como o sexto ano é muito diferente na República Checa e em Portugal há quem opte por fazer como que um ano sabático para estudar para o exame. É o que conta Ana Maria, 25 anos, que está no quarto ano e devia estar no quinto.

Vinda de Lisboa, Ana Maria explica como é difícil a época de exames, sendo certo que aqui não se deixam cadeiras para trás. “Temos testes a todas as cadeiras e muitas vezes acontece termos testes todas as semanas e, se não passarmos esses testes todos, não nos dão a possibilidade de ir a exame. Se à terceira vez chumbar a um exame, fico com essa cadeira para trás.”

Os alunos podem mesmo ser “convidados” a deixar o curso – podem voltar no ano seguinte e recomeçar no ano em que estavam, mas têm de voltar a fazer os exames de admissão. E pagar propinas com aumento.

Aprender checo pode poupar 60 mil euros

O preço das propinas é, aliás, a grande queixa dos alunos portugueses. Boa parte deles desconhecem que podiam poupar se aprendessem a falar checo.

Vladimir Komarek, reitor da segunda Faculdade de Medicina da Universidade Charles, com sede em Praga, entende as queixas dos alunos quanto ao valor elevado das propinas e sobretudo ao facto de terem de pagar o ano inteiro – mesmo estando, por exemplo, a fazer uma única cadeira.

Há, contudo, novidades: podem ter descontos e vai ser criado o "top" 15 dos estudantes da faculdade – que podem ver reduzida até metade a propina anual.

“Na semana passada, decidi atribuir aos 16 melhores alunos, entre eles alguns estudantes portugueses, a possibilidade de obter descontos significativos nas propinas. Por exemplo, metade da propina se estiverem entre os dois melhores. Os restantes podem obter até dois mil euros de redução. Oferecemos esta possibilidade porque entendo, perfeitamente, o problema: se falharem algumas disciplinas, têm de as fazer durante um ano e pagar o mesmo de propinas. Não tem lógica”, diz.

A grande poupança, contudo, é aprender checo. Foi o que fez Aurora Zanga, que tem 20 anos e é de Sintra. Apesar de ser uma estudante internacional, Aurora não paga os 10 mil euros anuais de propina. Motivo: decidiu fazer mais um ano de estudos na República Checa. Um ano em que aprendeu a língua para poder tirar o curso em checo – e não pagar essas propinas.

“Acho que sou a única portuguesa que fez esta opção até agora”, diz Aurora Zanga, que considera haver falta de informação aos alunos ou candidatos a alunos portugueses. “O facto de as pessoas estudarem em inglês é um negócio para eles.”

Comentários
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  • Joana
    02 jan, 2016 Minho 01:12
    Algumas coisas a rectificar: 1. A faculdade de medicina em Plzeň chama-se Faculty of Medicine in Plzeň. A Segunda Faculdade de Medicina é em Praga. São faculdades diferentes. Parece-me existir alguma confusão com o nome neste artigo (ambas fazem parte da Charles University). 2. O quadro de honra e os respectivos prémios aos melhores alunos é uma medida que já está em vigor há muitos anos. Basta procurar no site das faculdades para ver as listas. 3. É verdade que os exames de admissão são acessíveis, basta um aluno ter bons conhecimentos de ciências. Contudo, não é verdade que a maioria passe. Para Praga, no meu ano, apenas 10 alunos que fizeram o exame em Lisboa foram aceites. Éramos pelo menos 30. De acordo com a minha experiência (4 estágios em Portugal), nunca nenhum médico Português me achou menos competente que um colega estudante numa faculdade portuguesa. Pelo contrário, muitas vezes mostram-se surpresos pela qualidade do nosso ensino. Eu percebo que as vagas em qualquer curso têm de ser limitadas, mas é injusto que todas as notas do secundário contem para entrar na faculdade. Deveria existir um ou mais exames standardizados de admissão, para que todos os alunos interessados tivessem a mesma avaliação. Uma avaliação objectiva e justa.

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