17 jun, 2019 - 16:29 • Olímpia Mairos
As alterações climáticas, com a consequente escassez de chuva, estão a ter efeitos particularmente graves em Portugal. O alerta é de João Santos, investigador da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), especializado em Ciências Geofísicas.
“Há medidas urgentes que se impõem, seja ao nível da gestão da água, seja ao nível das práticas agrícolas, sob pena de o país ficar em condições comparáveis ao Norte de África”, defende o investigador, observando que, “quando percorremos o país e vemos a quantidade de fontes e fontanários secos, quer nas aldeias e vilas, quer na beira das estradas, e se juntarmos a isso os rios, ribeiras e lagos que secaram nos últimos 50 anos, logo se percebe como a quantidade de água tem diminuído assustadoramente”.
O investigador da UTAD refere que “este ano está a ser particularmente grave, pois a precipitação durante a primavera ficou muito abaixo da média” e “não é expectável que chova muito mais no verão”, questionando-se sobre a água que estará disponível no outono e chamando à atenção para “o caso especial da agricultura que depende muito das chuvas da primavera”.
Para o especialista em Ciências Geofísicas, “se as alterações climáticas produzissem efeitos apenas ao nível do aumento das temperaturas, desde que continuasse a chover ou passasse a chover mais, como acontece nos países do centro e norte da Europa, que vão ter climas mais quentes, mas mais chuvosos, não se colocaria o problema com esta premência, pois, havendo água, em último recurso até poderíamos ter culturas alternativas, oriundas de regiões subtropicais e tropicais”.
“O problema é que, se o nosso clima se vai tornar não só mais quente, mas também mais seco, semelhante ao que temos hoje no Norte de África, não haverá muitas alternativas e isso é uma ameaça muito séria que temos de ter já em conta”, alerta o investigador.
Dada a gravidade do problema, João Santo defende medidas urgentes.
No caso da viticultura, o investigador considera que “há necessidade de começar a planear medidas de adaptação, que passam por uma seleção mais criteriosa das castas que cultivamos, quando possível, através de uma seleção de clones menos exigentes em água, que suportem melhor o stress hídrico e o stress térmico, mas também pela seleção do próprio microclima onde vamos implantar as vinhas novas”.
Segundo o especialista, terá também que se “analisar até que ponto vai ser viável ter vinha em zonas como, por exemplo, a margem esquerda do Guadiana, que são zonas já hoje com elevada aridez, onde, daqui a 50 anos, poderá ser impossível ter viticultura, a não ser que se regue a vinha de forma sistemática”.
Outras medidas urgentes, segundo João Santos, passam por “repensar a gestão da pouca água que temos, começando por controlar muito bem os consumos públicos e privados de água, que são com frequência exagerados”, mas também repensar a questão das hidroelétricas.
“Portugal não é um país com grande futuro, em termos de produção hidroelétrica, devendo apostar-se mais na fotovoltaica”, observa o investigador.
Com o verão à porta, o investigador alerta também para “os fogos rurais que consomem imensa água em Portugal” e dá o exemplo do problema vivido o ano passado pela “cidade de Viseu, que ficou sem água para as pessoas consumirem, porque se gastou quase toda a água disponível no combate aos incêndios”, defendendo que “também a gestão da água na agricultura terá de ser repensada”.
“Não podemos ter uma rega de abundância, mas uma rega planeada com recurso a tecnologias de precisão. Globalmente, teremos de repensar uma nova sociedade em que haja muito menos desperdício de água, por exemplo em regas de relvados, hortas e jardins, na consciência de que no futuro vamos ter cada vez menos água”, conclui o investigador da UTAD.