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O fairplay e o cartão branco

17 abr, 2024 - 12:25

Muitas vezes na vida lutamos pelo primeiro lugar e não pela vitória definitiva, a da ética, do fairplay, do carácter. Buscamos pontos para nós, obtidos de qualquer modo e, com isso, nunca recebemos um cartão branco na vida, o que é pobre.

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No ano passado a minha filha Maria participou no campeonato nacional de vólei de praia, numa dupla de Marias, amigas, bem-dispostas, divertidas, descontraídas, mas que dão sempre o seu melhor, competitivas e que procuram superar-se.

As rondas foram passando e os resultados melhorando até terem chegado à final, concluído como vice-campeãs nacionais, no que foi um feito absolutamente extraordinário e amplamente celebrado.

Mas, pelo caminho, houve um episódio que representa a vitória mais absoluta e que nos marcou definitivamente. Num jogo das meias-finais, na disputa de um ponto determinante, o árbitro marca bola fora a favor da equipa das Marias, o que fecharia o jogo a seu favor. Mas, na realidade, a bola tinha tocado na ponta dos dedos de uma das Marias, sem que o árbitro se tivesse apercebido e, ao informarem da situação, o ponto acabaria por ser revertido, a favor da equipa adversária. Foi o que fizeram, falando com o árbitro que lhes mostrou um cartão branco/fairplay e referiu “vocês perderam um ponto, mas ganharam um árbitro”.

Esta foi a verdadeira vitória, a definitiva, a que fica, a que perdura, a que mais nos orgulha. Muitas vezes na vida lutamos pelo primeiro lugar e não pela vitória definitiva, a da ética, do fairplay, do carácter. Buscamos pontos para nós, obtidos de qualquer modo e, com isso, nunca recebemos um cartão branco na vida, o que é pobre.

Vem isto a propósito do tempo que vivemos, em particular no ruido político, que é um péssimo exemplo para o país, com o contributo amplificado dos media. É a busca permanente do erro do outro, da imposição de condições, em berros e gritarias para se ser ouvido. Onde se perde o bom senso e, até, o decoro. Onde se confunde o que é fazer oposição com ser do contra.

Não me recordo de, no mundo das empresas, na sociedade em geral - exceto, talvez, no futebol -, ver os líderes a tratarem-se por mentirosos, ludibriadores, enganosos. A berrarem uns com os outros.

É fundamental que se viva numa sociedade que escrutina, com critério, com rigor, com propósito, com dever de informação. Quando atingimos o insulto, a denúncia insidiosa, a saída de informação a qualquer preço, sem esclarecer, sem investigar, sem conhecer o verdadeiro propósito, já não colocamos o outro sob escrutínio, mas sob suspeita.

Onde há muito ruído perde-se o sinal. E o tempo presente é, infelizmente, de pouco sinal, de poucos sinais, o que é pena pois, com isso, perde-se o rumo, a direção e, até, a clareza. Perde-se a capacidade de discernir e optar.

Onde está o serviço público feito com respeito? Onde não me coloco como dono absoluto de uma verdade que não me assiste, mas que, erradamente, me dá uma sensação de superioridade?

Quando denuncio que “a bola me bateu nos dedos e o arbitro não viu”, tendo decidido erradamente? Mesmo que isso me prejudique.

Não me sinto com amnésia, mas confesso que não me recordo. Quando busco a quem mostrar um cartão branco tenho dificuldade. No final do dia, vivemos numa sociedade de perdedores, com perda de nível e de valores. O que importa é ficar em primeiro temporariamente, a qualquer preço, mesmo que isso não me faça um vencedor para a vida.

*João Pedro Tavares é presidente da ACEGE, Associação Cristã de Empresários e Gestores

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  • Cristina Freitas
    17 abr, 2024 Parede 23:06
    Na realidade, a honestidade é um valor supremo que irradia e transforma no meio do ruído em que se vive atualmente. Não tem preço. Apenas existe em seres que sabem viver o silêncio dos momentos e a fazem emergir.

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