Emissão Renascença | Ouvir Online
A+ / A-

Da capa à contracapa

O risco somos nós? "70% das pessoas não sabem usar um extintor se acontecer algo"

04 mar, 2019 - 17:53 • José Pedro Frazão

Falta cultura de segurança em Portugal e a solução passa por formar os mais novos. A tese é dos especialistas em Protecção Civil Manuel Velloso e António Duarte Amaro, em entrevista no programa “Da Capa à Contracapa”.

A+ / A-

Cinquenta anos depois do sismo de grande magnitude que, em 1969, abalou a zona centro e Sul do país, Portugal precisa de apostar na formação das gerações mais novas, já que dispõe de planos de qualidade no quadro da emergência e Protecção Civil, embora subsistam carências nalguns municípios.

“O Plano Especial de Emergência para Risco Sísmico da Área Metropolitana de Lisboa e concelhos limítrofes é um plano de excelência. Lisboa tem o seu plano municipal de emergência e tem um plano especial para o risco sísmico, que é o primeiro a ser feito em Portugal. Não tenho a certeza no resto do país. Tenho grandes duvidas que alguns planos respondam efectivamente aquilo que se pretende no ciclo das catástrofes”, afirma à Renascença Manuel Velloso, ex- director de operações do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil.

A diferença está na “qualidade do decisor político”, complementa este veterano do socorro nacional e internacional com um extenso currículo de cargos, missões e operações. “Existem presidentes de câmara que têm grande qualidade nas suas políticas de protecção civil, incluindo nos seus planos de emergência, e outros que nem isso”, acrescenta Velloso na Renascença.

António Duarte Amaro, autor do livro “Socorro em Portugal” sobre a organização do sistema de Protecção Civil no nosso país, concorda com a tese.

“Ainda não há planos de emergência para todos os 278 concelhos de Portugal Continental. Ou há vontade política para fazer isso ou de facto não há sensibilidade desse próprio presidente de Câmara. Alguns deles, por nada ter acontecido no seu município, acham que a Protecção Civil, não é algo assim tão importante”, sustenta o sociólogo, doutorado em Geografia Humana e vice-presidente da Associação Portuguesa de Riscos, Prevenção e Segurança.

Cultura de segurança “é como lavar os dentes”

Olhando para os últimos cinquenta anos, a prevenção mudou tanto quanto a sociedade portuguesa. “Houve uma grande transformação em 50 anos. Metade da população portuguesa vivia ainda no interior e num meio rural. Tinha um modo de prevenção muito curioso. As pessoas não sabiam que estavam a fazer prevenção quando limpavam as matas com os animais. Houve um esforço do Estado no sentido de caminhar numa certa profissionalização e racionalidade. Se calhar a parte mais frágil poderá estar no cidadão”, admite António Duarte Amaro no programa “Da Capa à Contracapa”, parceria da Renascença com a Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Professor convidado da Universidade Nova de Lisboa na disciplina de Segurança Comunitária e Protecção Civil, Duarte Amaro lembra alguns resultados de teses de mestrado sobre cultura de segurança e de cidadania com resultados que provam falta de cultura de segurança.

“Setenta por cento das pessoas não sabiam para que serve bem o extintor e não saberiam bem utilizá-lo. Uma percentagem muito alta aparecia a dizer que não sabia onde desligar o gás, a água e a electricidade se acontecer qualquer coisa”, exemplifica no “Da Capa à Contracapa”.

A capacidade de auto-protecção de cada cidadão é decisiva. “Quando acontece qualquer acidente ou incidente, estamos sozinhos nos primeiros momentos. Não está ninguém ao pé de nós. Não há INEM, não há sistema pré-hospitalar, não há bombeiros, não há GNR. Estamos sós. E se estamos sós tem que haver um esforço no sentido de cada um de nós começar a pensar na sua auto-protecção e nos entes queridos que ali tem. Há muito a fazer e também compete ao Estado a formação, informação, sinaléctica de risco, etc”, complementa este especialista em socorro.

Manuel Velloso, 75 anos ex- inspector de Bombeiros e coordenador de dezenas de missões internacionais, prefere falar na qualidade de avô. “Dos meus netos, ninguém tem nas suas escolas qualquer tipo de formação ligada à segurança. Isso é gravíssimo”.

Duarte Amaro corrobora a ideia e lança um apelo à mobilização junto dos mais novos. “ Temos que insistir na comunidade escolar. Os filhos e os netos é que dão a volta aos pais e aos avós. São eles que levam a informação para casa. A cultura de segurança tem que ser algo que apeteça. Não poder ser uma coisa chata. Tem que ser como lavar os dentes. Se sei que não posso fazer fogo aqui ou ali, eu não o faço. Quando vier um sismo tenho que me proteger, porque o sismo em si não mata, mas sim os edifícios mal construídos”, alerta o doutorado em Geografia Humana.

Aldeia (mais ou menos) segura

Questionado sobre a capacidade de resposta da população em caso de um grande incêndio rural, António Duarte Amaro admite que muitas pessoas não saberão ainda como agir ou reagir.

“Seguramente que terá havido uma melhoria sobretudo nos espaços onde ocorreram as grandes catástrofes. Nos outros, penso que as coisas continuam mais ou menos como estavam. Talvez dos programas lançados pelo Governo, o "Aldeia Segura" poderá ser aquele que tenha maior impacto. Nasce da ideia da criação de um líder local, alguém que conheça a realidade e que saiba o que fazer para dizer aos outros”, explica este investigador na área da Protecção Civil.

Já Manuel Velloso, também antigo comandante distrital da Protecção Civil, reconhece que nas zonas mais afectadas “haverá alguns que apreenderam as medidas de auto-protecção”. Este veterano das missões de socorro considera que o "Aldeia Segura" é um programa excelente e muito bem pensado. “Mas não vale a pena lançar programa se este não for permanentemente monitorizado. E isso não está a ser feito. Por isso a situação torna-se frágil. E os programas "Aldeia Segura" deviam ter começado não pela própria comunidade, mas pelo decisor político daquele concelho”, critica Velloso.
Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+