Emissão Renascença | Ouvir Online
A+ / A-

Coronavírus

“Aprendemos alguma coisa com o que vivemos?” Arcebispo de Évora surpreendido com “amnésia coletiva”

27 jun, 2020 - 13:55 • Rosário Silva

“Durante o período de confinamento era habitual ouvir dizer que tudo ia ser diferente após a esta crise sanitária”, porém “sem qualquer pessimismo, creio que a aprendizagem foi de “pouca duração”, pois ao final de um mês e meio de retomarmos paulatinamente as nossas vidas, assistimos a incompreensíveis ondas de intolerância, violência e vingança cultural”, escreve D. Francisco Senra Coelho.

A+ / A-

Veja também:


O arcebispo de Évora pede “sensatez e prudência”, para se lidar com a atual pandemia, uma “ameaça gigante”, que “volta a ameaçar as populações da Arquidiocese de Évora.”

A reflexão de D. Francisco Senra Coelho aconteceu na sexta-feira, dia em que foi confirmada a segunda vitima mortal, pela Covid-19, num lar de Reguengos de Monsaraz, no distrito de Évora.

“Ainda que se multipliquem muitos discursos sobre a atual pandemia, creio que é necessário ter a sensatez e a prudência de confiar aos investigadores a solução terapêutica, aos médicos e profissionais de saúde os cuidados hospitalares, às autoridades governamentais a logística e as medidas necessárias para a salvaguarda do bem comum e da saúde pública, às autoridades militares e policiais e a tantos profissionais que arriscam todos os dias nas diferentes áreas do trabalho humano a maior gratidão pela redobrada competência”, escreve o prelado.

Uma declaração que o arcebispo justifica por ter constatado que, depois do Estado de Emergência, “o regresso a uma fictícia normalidade provocou uma amnésia coletiva das vidas que se perderam, do sacrifício feito por tantos profissionais e seus familiares, das limitações a que estivemos sujeitos e, sobretudo, do valor que recuperámos sobre tantas dimensões da vida.”

D. Francisco Senra Coelho, recusa intrometer-se “no profissionalismo e no esforço de tantos portugueses”, mas não pode deixar de “relembrar o que construímos durante o primeiro surto pandémico, sobretudo no que diz respeito aos territórios do Alentejo e Ribatejo que constituem a Arquidiocese de Évora”, da qual é o Pastor.

“Durante o período de confinamento era habitual ouvir dizer que tudo ia ser diferente após a esta crise sanitária, chegando ao ponto de alvitrarmos que teríamos a oportunidade de construir algo mais belo e melhor”, porém, “sem qualquer pessimismo, creio que a aprendizagem foi de “pouca duração”, pois ao final de um mês e meio de retomarmos paulatinamente as nossas vidas, assistimos a incompreensíveis ondas de intolerância, violência e vingança cultural”, declara nesta reflexão.

O arcebispo de Évora recorda que o país que lutou “incansavelmente por salvar a todo o custo as vidas humanas”, é o mesmo que “assiste agora à insensata agenda política de alguns que cismam em ser profetas da morte pela eutanásia.”

E, para rematar, prossegue, perante “tanta insensatez, tomamos conhecimento da incapacidade social para continuar a saber conviver de forma vigilante e combativa ao vírus que não nos dá tréguas, sobretudo com comportamentos de risco que nos deixam em total estado de alerta para um segundo surto que se avizinha e parece não ser nada inofensivo.”

Com o título, “No limiar do risco e da confiança: Vivemos tempos de vigilância”, a reflexão pretende colocar a pensar, crentes e não crentes, a quem deixa algumas pistas.

“Pergunto-me se realmente aprendemos alguma coisa com o que vivemos? Será que os sinais dos tempos acuais não nos aperfeiçoaram na humanidade? Será que as vidas perdidas e os esforços empreendidos não nos transformaram o coração e nos concederam uma prudente responsabilidade?”, questiona.

Face aos dados preocupantes que, todos os dias, são revelados, D. Francisco Senra Coelho pede que as palavras do Papa, “sabedoria, prudência e compromisso”, para lidar com esta fase da pandemia, não sejam esquecidas.

Palavras que devem, sim, ser “gravadas na nossa mente em cada gesto e em cada decisão que tomamos, porque as perdas e as condições a que estivemos sujeitos roubaram milhares de vidas, roubaram muitos sonhos e projetos, isolaram muitos idosos e doentes, lesaram muitas famílias e, diante dos estudos macroeconómicos apresentados, irão deixar no desemprego e na pobreza muitos irmãos e concidadãos nossos”, afirma.

Para o prelado, a pandemia que “volta a ameaçar as populações da Arquidiocese de Évora, não se circunscreve a um problema médico, mas é uma ameaça gigante” para cada cidadão, dos mais novos aos mais velhos, abrindo “brechas que necessitam de ser saradas com inteligência, rigor, determinação e sensatez.”

Trata-se de uma responsabilidade que “não se pode atribuir apenas aos governantes”, mas que é de todos e que “tem como princípio básico «Não cantem vitória, cumpram as normas que ajudam a evitar que a epidemia avance», apelo feito pelo Papa Francisco.”

O arcebispo de Évora fala, ainda, em “comportamentos díspares”, quando se verifica a passagem “do confinamento absoluto para os ajuntamentos irrefletidos”, sublinhando a necessidade de ser encontrado um ponto de equilíbrio.

“Não podemos permitir que o mundo volte a parar para nos refugiarmos do coronavírus, mas também não podemos arriscar as nossas vidas e as dos que nos rodeiam”, acrescenta.

“Se a prudência e a responsabilidade forem o nosso critério, então é possível viver na confiança e na esperança, sobretudo porque esta pandemia permitiu a muitos regressar à confiança que a fé nos ensina”, nota, D. Francisco.

Nesta ponderada carta, o prelado chama a atenção para o período que se vive, na medida em “não são tempos de vitória de uma guerra, mas tempos de vigilância em cada batalha”, e a “comunhão fraterna” que se viveu no confinamento, “deverá ser agora o segredo que nos ajudará a vigiarmos na segurança, a cumprirmos as normas, a sermos solidários com quem mais precisa e, obviamente, a recuperar as oportunidades que perdemos de poder sondar e viver confiados e cuidados pela ternura e pelo Amor de Deus.”

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+