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Número de sem-abrigo está a cair na Finlândia. Qual o segredo?

13 jan, 2020 - 10:38 • Vasco Gandra, em Bruxelas

No dia em que o Parlamento de Estrasburgo discute medidas urgentes para resolver o problema dos sem-abrigo na Europa, a Renascença foi conhecer a chave do sucesso finlandês, o único país da União Europeia onde o número de sem-abrigo está a diminuir.

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O Programa finlandês, assente no princípio "Habitação Primeiro", começou a ser implementado em 2008 para dar resposta ao problema das pessoas que não têm abrigo ou condições económicas para aceder a uma casa. A iniciativa introduz uma mudança radical na forma como se encara esta problemática. Segundo este modelo, a habitação não é uma recompensa que um sem-abrigo recebe no final de um processo de integração mas sim o ponto de partida para reconstruir a sua vida.

Em vez de gerir o problema a posteriori através de centros de acolhimento e outras medidas -, as autoridades finlandesas tentam evitar que a pessoa fique na rua, facilitando-lhe de imediato uma casa para tentar que normalize a sua situação social. Cada uma têm acesso a uma pequena habitação, pagando uma renda modesta com parte da ajuda que recebe do Estado. Em troca, estas pessoas devem cumprir algumas condições e serem igualmente acompanhadas por técnicos sociais que as ajudam na reintegração social.

A implementação deste programa para resolver a problemática dos sem-abrigo numa perspetiva de longo prazo exigiu a mobilização de diversas entidades públicas, associações de voluntários, ONGS e diversos serviços sociais. A eurodeputada finlandesa Heidi Hautala, que integrou um dos governos responsáveis pela implementação de um dos programas, reconhece que é necessário uma grande articulação entre os diversos poderes.

"Requere uma cooperação muito ativa entre o Estado e os municípios que na Finlândia têm muita autonomia e fortes competências em termos de impostos. São verdadeiros protagonistas na cena pública. Também o terceiro setor [do voluntariado] está muito comprometido. É uma responsabilidade pública fazer com que as pessoas vulneráveis tenham um abrigo".

O modelo exigiu igualmente investimentos consideráveis por parte das diferentes autoridades. Foi, por exemplo, necessário adquirir ou construir centenas de habitações, ou encerrar centros de abrigo para os transformar em blocos habitacionais. Também implicou uma forte intervenção de diversos serviços sociais e de saúde junto destas pessoas, algumas das quais com diversos problemas sociais ou de toxidopendência.

Segundo o plano de ação do governo finlandês para 2016-2019, o custo para este período é de 78 milhões de euros, verbas provenientes do orçamento dos diferentes ministérios e dos municípios, mas também de outras fontes como a associação finlandesa de "slot machines".

Os especialistas sublinham que a abordagem preventiva do problema, para além de ser mais humana, traz inúmeras vantagens em termos de custo-benefício no lango prazo. Segundo estudos referidos pelo governo de Helsínquia, facilitar habitação a uma pessoa sem-abrigo (ou sem casa) de longa duração permite economias de cerca de 15 mil euros por ano aos fundos públicos.

Desde que a Finlândia lançou o programa o número de pessoas sem casa de longa duração diminui em cerca de 35% (há mais 1.350 pessoas com habitação). Segundo dados das autoridades finlandesas, em finais de 2018 havia ainda mais de cinco mil pessoas sem habitação, a maioria a viver em casa de familiares ou amigos, os restantes em abrigos de emergência, na rua ou em instituições. O modelo não é perfeito, admitem os especialistas, e pode ser melhorado. Ainda assim, atualmente a Finlândia é o único país da União Europeia onde o número de pessoas sem-abrigo está a diminuir.

Aos países que tentam resolver o problema - como Portugal -, a eurodeputada Heidi Hautala deixa algumas sugestões. "Aquilo em que as autoridades portuguesas deveriam pensar é que, em termos humanos e económicos, é mais barato e rentável evitar que as pessoas percam as suas casas, e até mesmo que durmam na rua. Por isso, acho que [se deve] comprometer as autoridades a todos os níveis e também talvez a sociedade civil, as organizações humanitárias e de proteção social. Acho que é útil pensar num programa à escala nacional, com metas".

O modelo finlandês tornou-se uma referência. O plenário do Parlamento Europeu vai hoje discutir o "Habitação Primeiro", juntamente com outras medidas urgentes para os sem-abrigo na Europa. Os eurodeputados querem debater as ações urgentes que devem ser tomadas para dar resposta à situação nos Estados-membros.

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