02 mai, 2024 - 15:00 • Inês Braga Sampaio
Em 2017, o Como entrou na bancarrota e perdeu o plantel inteiro. Sete anos depois, à boleia de Cesc Fàbregas, Thierry Henry e de um dos maiores fabricantes de tabaco do mundo, está a um passo de regressar ao escalão máximo do futebol italiano.
O que seria o princípio do fim para muitos clubes revelou-se, na verdade, o fim de um novo início. Comecemos, no entanto, pelo primeiro dos inícios: o Lago Como. Destino turístico por excelência, plantado a menos de 100 quilómetros de Milão, tem em George Clooney o seu residente mais famoso (Madonna e Gianni Versace também gostam de lá passar férias). É onde James Bond recuperou de tortura no filme "Casino Royale", de 2006. É onde Anakin Skywalker e Padmé Amidala se apaixonaram, em "Star Wars: Episódio II – Ataque dos Clones". É palco de "O Jardim dos Prazeres", de Alfred Hitchcock.
Em 1907, um grupo de habitantes de Como juntou-se no bar Taroni e fundou o Como Foot-Ball Club. Não imaginariam que, nas décadas seguintes, a equipa seria um autêntico elevador entre o topo e o fundo da pirâmide do futebol italiano. Reza, até, a lenda de que o clube recusou Lionel Messi aos 15 anos.
Da última vez que o Como esteve na Serie A, em 2002/03, desceu logo a seguir. A partir daí, caiu a pique até à Serie D, até abrir falência em 2016. Foi salvo, um ano depois, por Akosua Puni, mulher do antigo futebolista Michael Essien, mas rapidamente voltaram os antigos vícios - salários em atraso, documentação em falta e, em última instância, a impossibilidade de inscrição na Série C. Nova bancarrota, o Como foi excluído dos campeonatos profissionais e teve de libertar todo o plantel profissional.
Foi aí que o então presidente da Câmara Municipal de Como pôs mãos à obra e nomeou uma comissão para examinar propostas de potenciais interessados na re-fundação do Como e no registo nos campeonatos amadores. O Grupo Nicastro Group reergueu o clube: dois anos depois, os "nuovi azzurri" estavam de volta à Série C.
Entretanto, em abril de 2019, a empresa SENT Entertainment adquiriu o clube, que passou a chamar-se Como 1907, por 850 mil euros - e ainda despendeu mais 150 mil para limpar as dívidas -, quando este disputava ainda a quarta divisão. Por trás, estava o dinheiro da empresa indonésia Djarum, um dos maiores produtores de tabaco do mundo, especializado em cigarros com especiarias, os chamados "kretek".
Ao contrário do que seria de esperar, tendo em conta os vários exemplos existentes, os donos mais ricos do futebol italiano - os irmãos Hartono, donos da Djarum, são avaliados em 43,5 mil milhões de euros, mais do dobro da família Agnelli, os donos da Juventus - não operaram uma revolução no Como. Para começar, reconheceram que não sabiam muito de futebol, pelo que decidiram ceder as rédeas do negócio a quem sabe.
Em 2021, entregaram a presidência do clube ao antigo internacional inglês Dennis Wise. No verão de 2022, Cesc Fàbregas surpreendeu o mundo do futebol, ao trocar o Mónaco pelo Como, para jogar na segunda divisão italiana. Também se tornou acionista minoritário do clube; pouco depois, o antigo jogador Thierry Henry fez o mesmo.
Alessandro Gabrielloni, goleador que se juntou ao Como em 2018, fala de "dois mundos diferentes", "dois clubes diferentes", antes e depois da entrada da Djarum, em entrevista ao portal "The Athletic".
"Quando cheguei, não tínhamos campo para treinar. Havia meses em que não éramos pagos. É incrível como tudo mudou", recorda.
Agora, o clube tem uma casa, em Mozzate, a 30 minutos de carro de Como. Há campo de treinos, há uma casa do clube, há um restaurante, há até um bar. E há muitos adeptos muito apaixonados.
Fàbregas foi jogador do Como durante uma temporada. Esta época, assumiu o comando dos sub-19. Quando Moreno Longo foi despedido, em novembro, assumiu o comando da equipa principal, no entanto, por não ter ainda as habilitações necessárias - a lembrar Silas, Rúben Amorim e, mais recentemente, Rui Borges, entre outros, em Portugal -, só pôde ficar no cargo durante um mês e, depois de três vitórias em cinco jogos, teve de passar a treinador-adjunto. A envolvência na vida do clube continua a ser absoluta.
A liderar a equipa, de forma interina, ficou o galês Osian Roberts, que também assumiu o cargo de diretor da formação para lá desta temporada.
As trocas e baldrocas têm corrido bem ao Como, que conseguiu convencer jogadores experimentados da Série A e originários da região, como Simone Verdi, Patrick Cutrone - nascido e criado em Como e um apaixonado pelo clube -, Edoardo Goldaniga, Daniele Baselli e Gabriel Strefezza, a descer um degrau, na expectativa do regresso ao topo já esta época, 21 anos depois.
Antigo jogador de AC Milan, Valência ou Wolverhampton, Cutrone abdicou de continuar a carreira em clubes que disputam a Liga Europa e a Liga Conferência para ajudar o clube do coração a subir à Serie A. É o melhor marcador da equipa, com 14 golos.
A duas jornadas do fim da Serie B, o Como está no segundo lugar, o último que dá acesso direto à primeira divisão, com quatro pontos de vantagem sobre o terceiro classificado, o Venezia. Uma vitória no próximo jogo garante a subida. A meta está ali pertinho, pertinho, e desenrola-se no sonho de, um dia, disputar a Liga dos Campeões. Porém, pode esta corrida de barreira em barreira desfigurar a alma do Como?
Henry não quer que isso aconteça. O antigo jogador de Arsenal e Barcelona sabe que, "por vezes, os clubes de futebol já não são clubes de futebol, são empresas". No entanto, garante ao "The Athletic" que tudo fará para o impedir: "Isso não pode acontecer com o Como. Não pode ser exclusivo. Não pode ser frio. Tem de ser 'comasco'."
"Como vai ter de continuar a ser Como", conclui.