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Associação que trouxe o microcrédito para Portugal vai fechar

11 dez, 2018 - 12:25 • Sandra Afonso

Associação Nacional de Direito ao Crédito faz 20 anos, mas este deverá ser o último aniversário. A associação perdeu o financiamento e há meses que estão a ser rejeitadas novas candidaturas.

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Continuam a chegar pedidos de microcrédito à Associação Nacional de Direito ao Crédito (ANDC), mas há vários meses que nenhum é aceite.

"Embora haja pessoas que continuam a ir bater à porta, dizemos que estamos em fase de restruturação e que neste momento não temos capacidade de tratar os projetos que temos em mãos, sem anunciar ainda o fecho. É verdade que já não estamos a aceitar projetos. Aqueles que temos em mãos vamos terminá-los até ao final do ano", afirma José Centeio, secretário-geral da associação há 19 anos.

A Renascença apurou que a associação perdeu o financiamento e a atual direção já informou os associados que não vai renovar o mandato. Sem perspetivas de futuro, há meses que estão a ser rejeitadas novas candidaturas e já está em execução o despedimento coletivo, no qual está incluído José Centeio. No próximo ano a ANDC deixa de ter custos salariais.

Bárbara deverá ser uma das últimas microempresárias a receber apoio da ANDC. À Renascença diz que, mesmo sem esta ajuda, acabaria por conseguir financiamento para as ecografias emocionais, o negócio que abriu este ano no Algarve, mas que teria demorado mais tempo e gasto mais dinheiro em todo o processo. Através da ANDC, conseguiu melhores preços e melhorou o projecto.

“Eu não sou da área de negócios, não sou da área de gestão, seria muito diferente se não tivesse tido aquele apoio por trás”, explica.

O apoio traduziu-se não só em contactos, mas também em ideias. “Hoje tenho um negócio completamente rentável. Se não fosse o apoio desta entidade, hoje não sei se estaria aqui a fazer o mesmo, mas sem dúvida que não seria a mesma coisa, e não falo apenas no apoio inicial mas também o contínuo. Muito provavelmente teria investido nos fornecedores iniciais, que me cobravam o dobro do que cheguei a gastar, e o produto está cá. Mesmo as novas ideias não as teria implementado ou se calhar lembrava-me delas mas já seria um bocadinho tarde. Tudo seria diferente.”

Precipício chegou com falta de financiamento

A fechar a porta da associação está António Baptista, o atual presidente, que quer continuar no projeto mas que já disse aos associados que não está disponível para liderar um novo mandato.

Ainda espera por “um projeto que seja sustentável nas circunstâncias atuais", incluindo a falta de financiamento, e por "um conjunto de associados que assumam esse projeto para prosseguir", para dar "uma nova direção” à ANDC. A verdade, contudo, é que na última Assembleia Geral, em novembro, não apareceu nenhuma lista proponente aos órgãos sociais.

José Centeio acredita que a dissolução será inevitável, até porque já andam há um ano e meio há procura de soluções, sem sucesso. “Tentou-se ver se era possível continuar, mesmo procurando outros apoios, mesmo com uma atividade noutros moldes e equipas mais reduzidas. Mas quando as próprias instituições no seu seio não conseguem encontrar soluções, dificilmente há futuro.”

Este precipício foi criado pela perda do financiamento, que era garantido através do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) em 90%, com a restante verba a vir dos associados (as empresas contribuíam com produtos, serviços e voluntariado).

O presidente da associação acredita que foram as alternativas que o próprio IEFP oferece que levaram a que retirasse os apoios ao microcrédito, sem noção de que vão deixar pessoas sem apoio.

Para António Baptista, "o apoio ao microempreendedorismo inclusivo tem de ser um apoio de entidades especializadas".

"Nós estamos convencidos que, apesar dessa oferta diversificada, ainda há pessoas que não encaixam em nenhuma dessas soluções e que, com o término da operação da ANDC no terreno, irão certamente ficar sem solução", lamenta.

A Renascença questionou também o IEFP, há vários dias, e aguarda ainda por esclarecimentos.

Segundo o Secretário-Geral da Associação, a dificuldade em procurar apoios “fora da órbita do setor público” foi sentida desde o início, porque “não há assim tantos financiadores e somos uma associação que funciona com crédito, o que coloca algumas questões para eventuais financiadores”, diz José Centeio.

A associação recebia por ano mais de dois mil pedidos, mas rondavam as duas centenas os projetos que chegavam ao fim.

Um balanço positivo, faz questão de sublinhar o presidente, António Batista, porque falamos em vidas e famílias que deixam os apoios sociais e porque superam a taxa de sucesso das empresas: “Segundo os dados do INE, mais de metade das empresas criadas não sobrevivem ao segundo ano de vida, a percentagem de microempresas apoiadas pela ANDC (que sobrevivem) é muito superior", explica à Renascença. "Anualmente, em velocidade cruzeiro, trabalhávamos com cerca de 2 mil, 2500 pessoas que batiam à porta da ANDC, das quais, entre 170 a 200 chegavam à criação do seu negócio, cerca de 3 por semana.“

Sem a Associação, os interessados podem procurar o IEFP ou ir diretamente aos bancos que disponibilizam microcrédito.

Ao que a Renascença apurou, a partir de janeiro a Associação Nacional de Direito ao Crédito já não terá assalariados, apenas voluntários. A sede deverá ser desocupada até final de março. Os negócios dos últimos microempresários estão já a ser concluídos. Falta marcar a próxima Assembleia Geral e saber se é para votar a dissolução da ANDC.

Na próxima sexta-feira, a Associação Nacional de Direito ao Crédito faz 20 anos, mas este deverá ser o seu último aniversário. Para assinalar as duas décadas de existência, a ANDC vai promover um debate no ISEG, em Lisboa, sobre o microempreendedorismo, a inclusão e as respostas no terreno.

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