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Salário mínimo acima dos 600 euros depende da vontade dos parceiros

22 out, 2018 - 22:57 • Eunice Lourenço (Renascença) e Raquel Martins (Público)

Vieira da Silva, ministro do Trabalho, alerta que há sectores, sobretudo no pequeno comércio e nas áreas sociais, onde o aumento do salário mínimo coloca algumas dificuldades

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Vieira da Silva. Salário mínimo acima dos 600 euros depende da vontade dos parceiros
Vieira da Silva. Salário mínimo acima dos 600 euros depende da vontade dos parceiros

O Governo vai abrir, já em Novembro, a discussão sobre o aumento do Salário Mínimo Nacional (SMN) no próximo ano e Vieira da Silva não arrisca cenários, lembrando que do lado patronal há declarações contraditórias quanto à possibilidade de ir além dos 600 euros. O ministro defende que as empresas estão cada vez mais conscientes de que aumentar os salários é uma forma de reter trabalhadores qualificados. Mas reconhece que há sectores onde os aumentos feitos nos últimos anos colocam dificuldades.

Em 2019 o SMN pode ficar acima dos 600 euros previstos no programa do Governo?
O compromisso dos 600 euros está no programa do Governo. O salário mínimo, segundo a nossa legislação, é fixado pelo Governo, ouvidos os parceiros sociais. Foi assim no passado e será assim no futuro. Durante esta legislatura aconteceu algo novo que foi a existência de estudos trimestrais de acompanhamento dos impactos do salário mínimo. Os resultados obtidos nesses estudos têm sido discutidos e há hoje um maior consenso na sociedade portuguesa e nos parceiros de que estes aumentos – dos maiores da história do salário mínimo – foram compatíveis com o crescimento da economia e do emprego e, portanto, estou absolutamente convencido de que não haverá nenhuma oposição a que o Governo mantenha o seu compromisso. Se poderá ser mais elevado, vamos ouvir e discutir com os parceiros. Se for essa a vontade dos parceiros...

Sente que há essa vontade?
Já ouvimos coisas contraditórias.

Mas acha que há margem para ir além dos 600 euros?
Não sei, vamos ouvir os parceiros. É uma discussão que será iniciada durante o mês de Novembro e creio que será muito mais pacífica do que nos outros anos. Já no ano passado não foi assim tão inflamada como noutros tempos.

As confederações patronais já se conformaram?
Não é uma conformação. Tenho ouvido, não apenas do lado sindical mas de muitas empresas, a constatação de que os baixos salários são um problema para a nossa economia. As empresas que vendem para o mercado interno beneficiam de melhores salários. Poder-se-á dizer que isso prejudica as empresas exportadoras, mas as nossas exportações já não dependem principalmente de salários muito baixos, dependem de outros factores, como a qualidade ou a diversificação. Muitos sectores exportadores já têm, na contratação colectiva, um salário mínimo acima do legal.

Não ouvirão da minha parte dizer que estes aumentos do salário mínimo são uma coisa fácil e que só não se fazem porque alguns não querem. Não é tão simples quanto isso. Há sectores na nossa economia – estou a falar do pequeno comércio, de alguns serviços ou das áreas sociais – em que este impacto tem significado e coloca algumas dificuldades às empresas e às instituições.

O desemprego em Portugal registou melhorias significativas. O emprego também melhorou mas ainda não estamos nos níveis anteriores à crise. O que explica isto?
Parece quase um paradoxo. Hoje temos um número de desempregados que já é claramente inferior ao número que existia em 2008, antes da falência do Lehman Bothers, mas ao nível do emprego ainda estamos com 300 mil postos de trabalho a menos. A explicação é muito simples, apesar de ser dura. Se olharmos para a estrutura etária da população trabalhadora, vemos que o grupo etário onde o emprego menos cresceu e onde há pouco desemprego é o dos jovens adultos. A razão é simples: o fenómeno migratório retirou a Portugal umas centenas de milhares de trabalhadores em plena idade activa, que estão a trabalhar, a pagar as suas contribuições e a ter os seus filhos noutros países. É um preço demasiado alto que estamos a pagar.

Um estudo recente da Organização Internacional do Trabalho sobre Portugal concluiu que, apesar dos avanços conseguidos, o emprego em Portugal continua precário e desigual. Revê-se neste retrato?
O estudo identifica um problema estrutural na nossa economia que é o problema dos baixos salários, que durante muito tempo esteve ligado às baixas qualificações académicas. Hoje começa a não ser tanto assim, há trabalhadores que têm salários abaixo do que seria o normal face à sua escolaridade. Por outro lado, verificamos que quem permaneceu empregado mudando de empresa teve um prémio salarial médio de 8% entre Abril de 2017 e Abril de 2018. Isto quer dizer que o mercado de trabalho está ele próprio a adaptar-se a uma realidade diferente em que a qualificação e os salários são considerados um factor positivo e não apenas um custo.

Quanto à precariedade, algumas situações de contratação a termo são justificáveis, agora o peso que têm em Portugal é excessivo. E é excessivo porque durante muitos anos a única forma de entrar no mercado de trabalho era através de um recibo verde, e isso diminuiu muito, ou de um contrato a termo, mais de 86% de quem entra no mercado de trabalho entra dessa forma. Fizemos o que achámos razoável em termos legislativos no acordo de concertação social que está no Parlamento.

Receia que esse acordo vai ser posto em causa com as propostas de alteração tanto dos parceiros de esquerda como do próprio PS?
Não creio que alguém ponha em causa o objectivo de reduzir de forma significativa a precariedade do ponto de vista legal. Depois há a outra parte... naturalmente que a Assembleia da República é soberana, mas não acho que os instrumentos de redução da precariedade vão ser postos em causa.

Como vê o despacho do primeiro-ministro a mandar apurar as discrepâncias entre o número de pessoas que se candidataram ao Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários da Administração Pública (PREVPAP) e o número de processos aprovados?
Estamos a trabalhar para responder ao senhor primeiro-ministro. O que lhe posso dizer é que cerca de metade dos casos que tiveram parecer negativo são pessoas que já têm uma relação de trabalho permanente [com o Estado] e que mesmo assim concorreram. Algumas, tendo um contrato individual de trabalho, pretendiam transformá-lo em contrato de trabalho em funções públicas. Não foi para isso que o PREVPAP foi feito, mas para corrigir as situações de precariedade, ou seja, de contratos a prazo ilegítimos. Há contratos a prazo legítimos, pela natureza das funções. Um militar que não é do quadro tem um contrato a prazo, no ensino superior grande parte da carreira docente é feita com contratos temporários. Também houve pessoas nestas condições que fizeram a sua candidatura.

Em diversos serviços houve trabalhadores admitidos ao programa que foram excluídos dos concursos por não terem o 12.º ano. Houve uma recomendação do Parlamento ao Governo para solucionar estes problemas. Já estão resolvidos?
Esses casos foram considerados aptos, depois nos concursos é que a interpretação feita por alguns serviços foi de que as pessoas não cumpriam os critérios da lei. A interpretação desses serviços, a meu ver, é errada e já demos orientação para que fosse corrigida, porque a Lei do Trabalho em Funções Públicas prevê que as pessoas ou têm a qualificação académica ou, em casos excepcionais, têm de ter a experiência profissional que as habilite para o lugar e foi precisamente o que foi reconhecido [no PREVPAP]. Acho que houve uma interpretação restritiva do que está na lei.

E houve ou não bloqueio de alguns dirigentes?
Não lhe posso dar essa resposta a 100%. A maioria dos serviços, pelo menos falo do ministério de que sou responsável, encarou esta possibilidade de conversão de situações precárias em situações definitivas como uma oportunidade que, aliás, era bem necessária.

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