Dúvidas Públicas

​Há 3 mil camas aprovadas para imigrantes na agricultura

20 jan, 2024 - 12:00 • Sandra Afonso , Arsénio Reis

Em entrevista à Renascença, a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, defende os cortes no consumo de água no Algarve, aponta o trabalho que transita para o sucessor e mostra-se disponível para assumir novo cargo governamental ou até rumar à Europa.

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​Há 3 mil camas aprovadas para imigrantes na agricultura
​Há 3 mil camas aprovadas para imigrantes na agricultura

Há três mil camas aprovadas para imigrantes na agricultura, avança a ministra da Agricultura. Em entrevista ao programa Dúvidas Públicas, da Renascença, Maria do Céu Antunes admite que ainda não chegam.

A governante avisa ainda que sem medidas as torneiras do Algarve secavam no final do verão e deixa em aberto a declaração de calamidade pública.

Para já, os agricultores algarvios podem contar com cortes de 25% no abastecimento de água, muito abaixo dos 70% que chegaram a ser discutidos. A ministra da Agricultura recusa falar em medida eleitoralista e até aproveita o exemplo para garantir que nunca deixou de negociar com o setor, apesar das duras críticas dos representantes, que marcaram o mandato.

Maria do Céu Albuquerque dá ainda o dito pelo não dito sobre o Observatório dos Preços e, depois de garantir que funciona como previsto, acaba por admitir que ainda está a ser afinado.

Já com o Governo de gestão, a ministra aponta o trabalho que transita para o sucessor e mostra-se disponível, mas não “em bicos de pés”, para assumir novo cargo governamental ou até rumar à Europa.

O Algarve confronta-se com a maior seca desde que há registo. Ponderou a declaração de Estado de Calamidade na região?

Não discutimos essa matéria. O que discutimos, sim, é de que maneira é que podemos ajudar os cidadãos nos territórios mais fragilizados, em relação à disponibilidade de água e a eventuais compensações.

Acompanhamos 65 albufeiras hidroagrícolas, todas com planos de contingência. Dessas 65 albufeiras, cinco têm neste momento uma capacidade instalada para o fornecimento de água abaixo dos 30%, todas a sul. A bravura tem menos de 10%, já vai para o terceiro ano que não rega. O Monte da Rocha rega muito pouco, mais uma vez, só para garantir alguma sobrevivência às plantas e, basicamente, para o consumo humano. Depois temos o Funcho, que abastece o aproveitamento hidroagrícola de Lagoa, Silves e Portimão, que vai ter um corte na casa dos 40%.

Temos muito pouca água e, se nada fosse feito, corríamos o risco de chegar ao final do verão e não termos água para o abastecimento público.

Apesar da gravidade, não acham ainda necessária uma medida tão drástica como a Calamidade Pública?

Se isso trouxer água ou soluções às pessoas, nós fá-lo-emos. Mas, aquilo que estamos a fazer é encontrar soluções verdadeiramente para o imediato. Isto leva a que o corte, genericamente, no fornecimento de água à agricultura se situe nos 25%, por este justo equilíbrio, entre aquilo que é possível retirar das albufeiras e retirar das massas subterrâneas e com isso fazer esta compensação.

A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) defendia cortes de 70%, acabaram por anunciar apenas 25%. Foi por estarmos em véspera de eleições?

Não, não tem a ver com isso. Aquilo que viemos a apresentar é a introdução de fontes alternativas, seja através de águas residuais tratadas, através da utilização de massas freáticos, como é o caso do Sotavento, através do aquífero da Luz de Tavira, onde é possível captar água. Lembro que dos 135 hectómetros cúbicos que o Algarve precisa para a rega, 100 são retirados dessas massas subterrâneas.

Ouvimos aqui várias percentagens. Os 70% da APA, os 25% que o Governo anunciou, há produtores que falam em restrições até 50%. Afinal, quais são realmente os cortes?

Aquilo que os agricultores têm de saber é que vão ter um corte de 25%, juntando as diversas origens da água. É esse o compromisso. É um corte médio, que leva a que haja no Sotavento, nas águas superficiais, um corte de 50% e depois no Barlavento de 40% na albufeira do Funcho, no fundo um pedido de poupança nas captações subterrâneas de 15%.

Sendo certo que há um conjunto de investimentos grandes em curso. Temos um programa nacional de regadio a ser desenvolvido. Já em 2019, começámos a desenhar também um plano de eficiência hídrica para as zonas mais afetadas e o Algarve foi a primeira, canalizámos para este plano 240 milhões de euros que estão em execução e onde se inclui uma dessalinizadora para o abastecimento humano.

Já lá iremos. Os produtores antecipam já, em função do corte que está anunciado, quebras na produção. Foi avaliado o impacto na produção e no preço, antes desta decisão?

Foi e temos números em concreto, que eu não vou adiantar, porque estão em negociação e estão a ser ajustados em função deste novo corte médio a que chegámos.

Estamos neste momento a estudar três linhas de apoio aos agricultores: uma linha de apoio diretamente à produção, para que não se perca o potencial produtivo; outra linha para as associações de regantes (no Algarve são três), para que possam manter as infraestruturas a funcionar; e a terceira, uma linha de crédito bonificada, para poder ajudar às operações de tesouraria.

Pode adiantar valores para essas linhas?

Temos uma proposta em cima da mesa que nos foi trazida pela Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional do Algarve, que neste momento também tem já os serviços de agricultura instalados nesta perspetiva de desenvolvimento integrado de todo o território. É com base nisso que em breve levaremos a Conselho de Ministros esta mesma proposta.

Não vale a pena estarmos a atirar números para o ar, levaremos uma medida que seja justa. Longe de nós perdermos a maior mancha de laranjal do país, que é uma indicação geográfica protegida.

A Associação de Regantes de Silves fala em 12 milhões de euros de prejuízos e admite falências. Parece-lhe um valor muito longe da realidade?

Não, são valores reais e nós temos que olhar para a realidade do país. Vamos encontrar soluções para não termos cortes mais radicais e termos este corte dos 25%. Agora, não nos podemos esquecer é que não temos água e, não tendo água, aquilo que temos de fazer é utilizar muitíssimo bem a pouca que temos e encontrar forma de não perder a atividade agrícola.

Quando é que acha que os agricultores poderão saber com o que é que podem contar e, em consequência disso, quando é que poderão começar a receber esses apoios?

Durante a próxima semana estabilizaremos as medidas em cada uma das áreas, são 46 medidas. Estas três áreas governativas (agricultura, ambiente e economia), vão submeter a processo legislativo uma resolução do Conselho de Ministros e a partir daí vamos encontrar forma de o poder fazer.

Na agricultura a dimensão é diferente, tem a ver com o facto de estarmos na Política Agrícola Comum. Ou seja, não vamos poder atribuir o montante financeiro aos agricultores, sem antes utilizarmos um dos dois instrumentos disponíveis: ou através de um regime simplificado em que cada Estado-Membro e cada agricultor pode receber do Estado até um montante - neste momento os agricultores portugueses têm basicamente esse plafond esgotado, atendendo aos sucessivos apoios extraordinários que temos vindo a dar; por outro lado, os auxílios de Estado, onde teremos que notificar a Comissão Europeia para nos autorizar a dar esse mesmo montante.

Quer isso dizer que a única solução será auxílios de Estado?

Sim, possivelmente é isso.

E ainda serão decididos por si? Ou seja, haverá uma decisão antes de 10 de março?

Sim, sim, claramente. A agricultura não pára, o país não pára. O governo neste momento está em gestão, os serviços não estão em gestão, continuaremos a trabalhar. Até porque, a agricultura não é uma atividade económica em que se desliga a máquina e daqui a um mês se vai reabilitar.

No último ano já foram apresentadas várias medidas para combater a seca, nomeadamente no Algarve. Já há resultados práticos dessas medidas anunciadas?

No Algarve, aquilo que tentámos implementar não foi tão eficiente quanto nós gostaríamos e, destas 46, uma das medidas que temos em cima da mesa é aumentar a monitorização, para podermos acompanhar também os resultados mais amiúde.

Continuamos a incentivar os nossos agricultores e a disponibilizar meios. O PRR no Algarve, para as medidas de agricultura são 17 milhões de euros, aos quais juntámos mais cerca de 60 do Programa de Desenvolvimento Rural, para podermos ir mais rápido.

Esses 17 milhões do PRR para o Algarve já estão em execução?

A maioria das nossas medidas estão todas em execução e vão ser concluídas durante o ano de 2024 e 2025.

Terá admitido recorrer a dessalinizadoras móveis no Algarve. A longo prazo não seria mais barato e eficaz avançar com a prometida central de dessalinização?

Mas esse procedimento concursal está a decorrer e será uma realidade, já com base nos fundos e no financiamento do PRR, até final de 2026. Aí não temos dúvida nenhuma. Agora, não pode ser a única solução, porque não nos vai resolver os problemas da resiliência, nomeadamente no setor agrícola, no Algarve e no Alentejo.

Explique-nos então melhor como vão ajudar estas dessalinizadoras móveis.

No fundo, é pegar na água salobra e transformá-la, de maneira a poder ser utilizada em água destinada à rega, retirando-lhe algum sal. Isso será sempre uma solução de recurso, que entendemos que pode estar em cima da mesa, porque para além das medidas que mencionei de apoio financeiro direto, também há estímulos a investimentos para respostas de curto prazo, como a reabilitação de furos. A instalação de uma dessalinizadora demora algum tempo!

Continuam a ser pedidos transvases a partir do Norte, nomeadamente pelos autarcas algarvios. Pode ser uma solução?

Tudo pode estar a ser estudado e tudo deve ser estudado de maneira a criar condições de resiliência ao nosso território. As opiniões divergem. Neste momento o que posso dizer é que, do ponto de vista da dessalinização, com o tamanho de costa que nós temos e com aquilo que hoje já é possível fazer instalando dessalinizadoras. Antes tinham um custo de operação muito alto, hoje, através das energias alternativas, é possível tirar água a valores mais baixos. Claramente, esta é uma forma mais rápida de se ter soluções.

Na agricultura estamos a desenhar um livro branco que tem de servir de estratégia à atualização do atual programa para o regadio nacional, onde claramente a eficiência é o motor para gastarmos menos água e para a disponibilizarmos.

Gostava de a ouvir também sobre a falta de mão-de-obra, outro dos grandes problemas do setor que tutela. Chegou a visitar os contentores em Odemira, onde viviam os trabalhadores imigrantes?

Sim e chamar-lhe contentores não é propriamente a expressão mais feliz, embora pareçam de facto contentores. Infelizmente, encontramos contentores com excelentes condições temporárias e infelizmente encontramos depois casas onde não oferecem eu diria um quarto das condições desses mesmos contentores.

Neste momento, o Governo tem em marcha um conjunto de iniciativas financiadas, que permitem às autarquias, aos próprios agricultores, organizarem-se para podermos ter residências condignas, sejam temporárias, em equipamentos temporários, ou em residências coletivas, como encontramos no Fundão ou noutros pontos do país, ou definitivas para quando esses trabalhadores vêm com as suas famílias.

Este verão, a paisagem alentejana a este nível, que não era agradável para ninguém, já será diferente?

Nós conseguimos licenciar um conjunto de equipamentos amovíveis, com condições que foram atestadas, em cerca de 3.000 camas. Não são suficientes. Há outras camas que são obtidas dentro das aldeias.

Devemos recuperar as aldeias e ter não só residência definitiva, mas também alojamento temporário em modalidade de alojamento coletivo. Em último reduto, e durante um período de tempo que terá de ser limitado, alojamento dentro das explorações agrícolas, seja por via da instalação desses equipamentos móveis, seja pela recuperação de casarios que nos permitam fazer essa instalação.

Agora, não tenhamos dúvidas, a população portuguesa vai envelhecendo. Temos menos pessoas, os nossos migrantes são bem-vindos e nós temos de encontrar forma de os instalar. Por outro lado, também sentimos que na agricultura, que é cada vez mais tecnológica, a necessidade de mão de obra também vai diminuindo, porquanto essa mesma mão de obra é mais qualificada. É outro trabalho que estamos a fazer, na qualificação.

Isso implicará, no limite, algum tipo de limitação ou de escolha do tipo de imigração que vamos receber?

Não, nós não fazemos essa seleção. Acolhemos e queremos acolher ainda melhor.

Em matéria de apoios, o Orçamento do Estado tem inscritos 34 milhões para ajudar agricultores e pescadores com o chamado gasóleo colorido. Até quando é que se devem manter estas ajudas?

Esse montante é para a pequena agricultura, pequena pesca e agricultura familiar. Sentimos que é uma necessidade para garantir condições para que deem sequência à sua atividade e não é do ano passado, nem de há dois anos, nem de há quatro anos. Mantemos há uns anos a esta parte este apoio ao gasóleo colorido e marcado, a estes pequenos agricultores e pescadores.

Não há uma data para terminarem esses apoios?

Não. Aquilo que nós queremos mesmo é que cada um dos setores rapidamente evolua para podermos utilizar formas que não dependam dos combustíveis fósseis. Queremos fazer essa transição.

Avançou durante o seu mandato com o Observatório dos Preços, que começou por atribuir apoios aos produtores e acabou por conduzir depois ao IVA zero no cabaz de alimentos essenciais. O IVA já foi reposto no início do ano. Que balanço faz da medida?

Penso que foi uma boa medida, até porque quando a comparamos com Espanha percebemos que fez a diferença. Quando avançámos com um pacote financeiro de apoio aos agricultores permitiu um maior equilíbrio entre a produção e o preço ao consumidor. Portanto, a medida foi positiva.

Através do Observatório nós acompanhamos a evolução dos preços, numa metodologia diferente daquilo que outros observatórios fazem. Nós fazemos a média da fatura das famílias em casa, no cabaz básico alargado, e com isso podemos ajustar e introduzir as medidas necessárias a todo o tempo do ponto de vista da política pública, para poder intervir.

Recorrendo justamente aos dados do Observatório, a Confederação Nacional da Agricultura denunciou esta semana que a diferença entre o preço pago aos produtores e o preço de venda final aos consumidores chega a 300%. É possível avançar com alterações à lei, como eles pedem, para proibir pagamentos abaixo dos custos de produção?

Isso sim, ficará para a próxima legislatura, para quem estiver. O que posso dizer é que o Observatório está preparado e inclusivamente temos um conjunto de cadeias de produção a serem avaliadas.

O que queremos verificar é se em cada elemento da cadeia produtiva, desde a produção, à distribuição, ao retalho e depois ao consumidor, se ninguém tem prejuízo. Ou seja, se cada um desses elementos recebe a justa retribuição pelo seu trabalho.

Com uma diferença de 300%, há aqui um desequilíbrio.

Resta saber o que aconteceu durante a cadeia de valor. Desde que o produto sai da produção, por norma vai para uma organização de produtores, daí para o embalador, um transformador rural e um distribuidor até à cadeia (de retalho) ou até casa do consumidor. Há todo um conjunto de fatores que estão a ser estudados.

Mas considera que isso é um problema?

Eu não conheço o suficiente da cadeia para poder dar-lhe nomes, foi por isso que criámos este Observatório e que queremos estudar a cadeia de formulação dos preços ao longo de cada um dos elementos, para que ninguém tenha prejuízo.

Estamos a ajustar ainda o modelo de cálculo. Temos um histórico grande, aliás, exigido no âmbito da Política Agrícola Comum, para podermos conhecer os preços no produtor, também conhecemos os preços no consumidor, mas pelo meio não sabíamos e ainda não sabemos

E quando é que poderá ter esses elementos todos reunidos?

Estamos a afinar a metodologia, que nunca foi feita, para chegarmos a um modelo justo, que nos permita ter dados fiáveis.

Muito disto que estamos a falar prende-se diretamente com as nossas reservas agrícolas. Que grau de independência nos dá hoje a agricultura portuguesa?

A agricultura portuguesa tem dois pontos muito positivos: uma grande resiliência na produção nacional e uma grande vocação exportadora. Para termos uma ideia, mesmo num período particularmente difícil, que foi 2019-2022, assistimos a um aumento das nossas exportações em 2,5 mil milhões de euros.

Entre setembro de 2022 e setembro de 2023 disponibilizámos 360 milhões de euros de apoios extraordinários aos agricultores portugueses. Com isso, foi possível aumentar a produção em 2023, tivemos inclusivamente a terceira maior subida da União Europeia, que ainda assim nos deixa num valor não muito diferente do que tínhamos antes. Temos um grau de auto aprovisionamento de 86%, que é um nível que está estável.

Compara bem com os restantes países da UE?

Temos de comparar à nossa dimensão, não nos podemos esquecer que somos um dos países do Sul, pequeno, onde a pouca água, os solos pobres e as nossas condições climáticas são claramente um problema.

Concluímos em 2021 a reforma da Política Agrícola Comum, mas já não fomos a tempo de a ajustar a esta nova realidade que é este impacto todo. E por isso mesmo, queremos fazer uma revisão mais profunda do nosso plano estratégico num curto espaço de tempo e deixamos isso, em pasta de transição, para quem vier a seguir.

Mas, dizia eu, a nossa taxa de cobertura é de 86, estamos a comer mais, duplicamos o número de calorias, estamos a exportar mais e importar menos, a taxa de cobertura vai aumentando.

Sobre o Plano Estratégico da PAC para Portugal, que balanço faz da execução até ao momento?

Houve uma adesão muito significativa. Quando comparamos as candidaturas às ajudas à produção de 2023 com as de 2022, o número de candidaturas é muito semelhante, o número de candidatos é muito semelhante, cerca de 185.000 agricultores para uma área sensivelmente igual e para um volume de apoio financeiro muito semelhante. Tem uma nuance, vai ajudar os nossos agricultores a instalarem produções mais sustentáveis.

Repito, não é a reforma ideal, nem nunca seria. Quem começou a reforma e quem a concluiu ainda estava longe de perceber em 2021, no meio da pandemia, quais eram as consequências reais na vida dos cidadãos e a nível mundial. Depois, não estávamos à espera que passado um ano começasse uma guerra, agora duas guerras, com consequências muito grandes, nomeadamente nos fatores de produção: combustíveis, energia, fertilizantes e água.

Em 2020 colocámos mais 85 milhões de euros nas ajudas à produção, para garantir uma capacidade de previsibilidade maior aos nossos agricultores. Queremos estudar a possibilidade de aumentar esse pacote das ajudas à produção, no limite daquilo que o regulamento nos permite, sem perder a ambição ambiental de produzir de forma mais e mais sustentável.

Para além das respostas à seca, o Plano Estratégico da PAC foi alvo de várias críticas por parte dos agricultores. Acusaram-na, vou citar livremente, de estar a destruir a tutela, de não apresentar soluções, de dificultar os acessos às ajudas. São críticas sem fundamento?

Se tivéssemos dificultado, não tínhamos o mesmo nível de adesão que tivemos na realidade. Aliás, se olharmos um bocadinho para o histórico e não quero colocar o ónus sobre os agricultores, antes pelo contrário, foram parceiros com quem dialogamos durante todo o processo.

O período de candidaturas, por norma, começa a 1 de Fevereiro e termina, no limite, em Maio. Em 2023 começámos um mês depois, em março, e prolongamos até ao dia 1 de agosto, para precisamente dar tempo para os próprios serviços se adaptarem a esta mudança.

Mas em outubro e novembro pagámos metade dessas ajudas à produção. Não conseguimos pagar em Dezembro, porque estavam a ser feitos os controlos e os agricultores, através das suas confederações, sabiam desta questão, Vamos pagar agora, dia 24 ou 25 (janeiro), o restante montante que teríamos pago em dezembro e que arrastou este período de tempo.

Pela política. O Governo está em gestão, após a queda da maioria absoluta do PS, há eleições já agendadas para março. Está disponível para integrar um futuro executivo?

Há tempos alguém me fazia uma pergunta parecida e disse que o futuro a Deus pertence. Eu tenho uma profissão, o meu posto de trabalho, estou fora há 17 anos (da Universidade de Coimbra). O que sei é que, independentemente daquilo que venha a fazer no futuro, será sempre ligado ao serviço público. E é isto que estou disponível para continuar a fazer.

Isso, na prática, é um sim. Ou seja, estaria disponível para integrar um futuro executivo.

Estou disponível para continuar a trabalhar com e para os portugueses e as portuguesas, independentemente daquilo que venham a ser as minhas funções.

Ainda que fosse, por exemplo, no Parlamento Europeu?

Diria que não cabe a Deus escolher, mas também não me cabe a mim colocar em bicos de pés.

Passou uma imagem na sua tutela de conflito permanente com o setor. O que é que correu mal?

Posso dizer que aquilo que tentámos e que fizemos durante todo este tempo foi encontrar consensos, promover equilíbrios, porque não nos podemos esquecer que temos um país muito diverso. Temos um sul do Tejo de maior dimensão, se olharmos verdadeiramente para o número de agricultores que existem no Norte e no Sul e para a dimensão da propriedade, é completamente inverso da distribuição dos apoios.

Tentei fazer um equilíbrio mais justo entre Norte e sul, entre grandes e pequenos, entre regadio e sequeiro. De tal maneira que este Plano Estratégico da Política Agrícola Comum quer atribuir a territórios do interior, como Trás os Montes ou centro interior, mais 30% dos apoios das ajudas à produção. Quase 6000 agricultores, pela primeira vez, vieram às ajudas à produção em 2022, nunca o tinham feito.

Tentei, reunindo com as confederações, chamando os diversos atores do território, encontrar este consenso, mas de maneira a poder fazer da política ou dos instrumentos de política que temos à nossa disposição um veículo de maior justiça.

Mas então acha que foi mal interpretada? Não me lembro de um ministro da Agricultura que tenha deixado de ser convidado, por exemplo, para a Feira da Agricultura de Santarém.

Percebo a sua questão. Eu não interpreto aquilo que está na base das ações de quem quer que seja. O que eu fiz, o que faço e o que farei é sempre a tentativa de equilíbrio, no sentido de criar plataformas que melhorem a vida dos portugueses e das portuguesas e utilizando os instrumentos que tenho à minha disposição.

Mas ainda conseguia negociar com os agentes do setor? Mesmo depois daquele episódio, há cerca de um ano, em que acusou a CAP de apelar para que não votassem no PS?

Eu não vou fazer mais considerações, até porque estamos de novo no período eleitoral, permitam-me que não o faça agora. O que quero dizer é que ainda esta semana negociámos à mesa, eu e o meu colega do Ambiente, com os agricultores, para podermos encontrar uma plataforma que nos tenha levado a um corte de 25% e não um corte mais alto como esteve em cima da mesa.

Portanto, a nossa capacidade negocial não se esgotou, antes pelo contrário. Se assim não fosse, não tínhamos dois acordos: o IVA zero e o último acordo de Concertação Social.

Sentindo sempre que havia boa vontade do lado de lá?

Não tenho como como dizer que não. O que é facto é que conseguimos ter resultados. É claro que nem sempre agradam a todos, mas mal de nós se aquilo que fizéssemos agradasse a toda a gente. Isso leva nos a outros formas de fazer política que não é claramente a minha nem a do Governo.

Chegou a estar envolvido nos vários casos que atingiram o governo em poucos meses, quando se descobriu que a secretária de Estado nomeada para Agricultura 25 horas antes, Carla Alves, tinha processos judiciais em curso. Não caiu. Os agentes do sector pediram várias vezes a sua demissão. Não caiu. Trabalhava com receio de estar a prazo? Confiava que chegaria ao fim do mandato?

Se trabalhasse com esse receio não tinha feito um quarto daquilo que conseguimos fazer. Deixo um programa nacional de regadio a ser cumprido, neste momento com 70% das obras inicialmente previstas em execução ou já concluídas, com uma nova ambição até 2028, com os recursos suficientes; a construção do novo programa para o regadio em marcha; um Plano Estratégico (para a PAC) a ser implementado e a poder ser ajustado; deixamos uma agenda para a inovação com recursos, nomeadamente através do PRR; um processo para a digitalização do ministério em curso para desburocratizar, simplificar; e uma reforma da PAC que na realidade poucos acreditavam que seríamos capazes de concluir.

É esse o seu legado pessoal?

Eu não tenho legados pessoais. O legado que deixo é a construção de um mundo melhor, mais justo, onde todas e todos tenham a mesma oportunidade.

Estamos mesmo no final deste Dúvidas Públicas, nunca terminamos sem pedir ao nosso convidado que escolha uma música, que de alguma forma marque a sua vida.

Gostaria de propor o Desfado, da Ana Moura, que é do meu distrito e também fez parte da reforma da Política Agrícola Comum, sem saber. Este é um fado que mostra a nossa capacidade de não nos resignarmos e de sermos cada vez e cada dia capazes de fazer mais e melhor. É um fado alegre, bem disposto, mas que tem uma letra muito relevante, nomeadamente para quem acredita que é possível fazer todos os dias mais do que fizemos na véspera.

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  • ze
    20 jan, 2024 aldeia 13:00
    e mostra-se disponível para assumir novo cargo governamental ou até rumar à Europa.Há que assegurar um "tacho" pois arranjar trabalho é mais dificil.

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