Quando se fala da lei de separação entre a Igreja e o Estado, que no próximo dia 20 de Abril cumpre 100 anos, pensa-se sempre na Igreja Católica.
Contudo, já na altura havia algumas comunidades de religiões minoritárias para quem, ao contrário dos católicos, a nova lei foi vista não como um ataque, mas como um passo no sentido da emancipação.
Jorge Martins, especialista no legado judaico em Portugal, abordou este tema durante o congresso que se realiza até ao próximo sábado na Universidade Católica Portuguesa (UCP), em Lisboa.
Logo em 1912, explica este académico, a comunidade judaica de Lisboa oficializa-se pela primeira vez: “Ao contrário do que se passou com a maioria católica, para os judeus a lei da separação da Igreja e do Estado é um passo muito importante no sentido da emancipação e do reconhecimento público e do seu estatuto legal, que não existiu até 1912, quando se legalizou a Comunidade Israelita de Lisboa. Em 1913, legalizou-se a do Porto.”
É nessa mesma altura que se revela uma série de comunidades que até então tinham subsistido de forma clandestina. Estes judeus, conhecidos como "marranos", levaram durante séculos uma vida dupla, praticando o cristianismo em público, mas, em privado, dando continuidade aos cultos judaicos.
“Mesmo as que não se legalizam surgem à luz do dia. Nada disto seria possível sem a separação”, explica Jorge Martins
Penamacor, Sabugal, Trancoso, Guarda, Bragança, Marvão e, claro, Belmonte são exemplos de locais onde essas comunidades surgem à luz do dia, embora nesta altura os judeus não tenham ultrapassado o milhar. Hoje, porém, já só há comunidade em Belmonte.
O que aconteceu especificamente a essas pessoas, ou aos seus descendentes, ainda não foi estudado, explica Jorge Martins, mas arrisca dizer que as comunidades que resistiram séculos à perseguição não sobreviveram à recém-descoberta liberdade.
“Nos anos 30, já não havendo muita necessidade de se esconderem, apareceu o Estado Novo e surge até pressão nos jornais a dizer que estamos a ser invadidos pelos judeus e nessa altura é natural que haja muita assimilação."
Mesmo os que então terão regressado às práticas escondidas, podem não ter resistido à democracia: “A democracia que foi instaurada em 74 veio favorecer a assimilação, porque, a partir do momento em que são reconhecidos oficialmente, não se sente a necessidade de ser outra coisa. Não sendo necessário fazer em privado algo que já se pode fazer em público, perde-se o apego”, afirma Jorge Martins.