Existem cerca de uma dúzia de portugueses nas fileiras do grupo terrorista que se autodenomina Estado Islâmico, mas todos foram radicalizados no estrangeiro ou através da internet.
O imã da Comunidade Islâmica de Lisboa diz que por enquanto não existe qualquer problema entre os muçulmanos portugueses, mas “nunca se sabe o dia de amanhã”, avisa, mas nesta entrevista à Renascença David Munir confessa que os líderes muçulmanos portugueses não têm formação para lidar com o assunto caso surja.
Rui Machete disse à Renascença que há alguns portugueses que ingressaram no Estado Islâmico e que querem voltar para Portugal. Se isso acontecer, e se quiserem continuar a ser muçulmanos, como reagirá a comunidade?
Se o Estado português os condenar, não podemos ir contra essa decisão. Mas se isso não acontecer e se quiserem um apoio espiritual, de fraternidade, uma boa convivência – porque todos nós erramos, todos nós pedimos perdão e desculpas – claro, se eles precisarem do apoio espiritual, sempre o terão.
Imaginemos que voltam, que o Estado os condena e estão presos. Se precisarem do nosso apoio, claro que iremos apoiar e fazer ver que o que fizeram não é uma coisa certa, não é Islão, é tudo menos islâmico, infelizmente foram facilmente influenciados e tentamos corrigir o que está mal. Não podemos dizer que os vamos ignorar e abandonar porque assim irão sentir-se mais frustrados.
Existem técnicas para lidar com pessoas que foram radicalizadas. Existe alguma formação na comunidade de Lisboa nesse sentido?
Ainda não.
Há planos para o fazer?
Provavelmente sim, é uma coisa que terá de ser pensada.
Com a comunidade portuguesa a crescer, sobretudo com a chegada de pessoas de outros contextos geográficos e sociais, sente-se seguro a dizer que em Portugal não há um problema de radicalismo?
Até agora podemos dizer que não há. Felizmente não há qualquer preocupação com pessoas, mesquitas ou grupos radicais, que promovam a violência para atingir os seus objectivos. Mas nunca sabemos o dia de amanhã.
A comunidade é multicultural, há muçulmanos de quase todos os países, tentamos criar uma boa convivência entre as várias mesquitas, conhecer melhor as pessoas que chegam, apoiá-las naquilo que é possível, manter este ambiente de proximidade, não só internamente mas também externamente, mas muitas vezes as coisas acontecem fora das mesquitas, através da internet. Virtualmente, a pessoa pode ser recrutada, ser influenciada.
Mas, em termos gerais, até agora, a situação está calma, não há nenhuma preocupação muito grave.
Este ano o líder do Estado Islâmico proclamou-se califa. Esse acto merece algum crédito?
Claro que não. Ele não representa o Islão, nem sequer representa os muçulmanos. Ele intitula-se como califa, provavelmente alguns apoiantes consideram-no como tal, mas isto não significa que seja o califa de todos os muçulmanos.
Quando falamos na restauração do califado, estamos a falar de uma pessoa honesta, justa, sincera, transparente, que quer o bem de todos. E essas pessoas nunca se intitulam, são nomeadas, são escolhidas.
Quando se fala de um califado, ou de um califa dos muçulmanos, estamos a falar de uma pessoa que nos dê segurança, de uma pessoa bondosa, generosa e não de um assassino que manda matar pessoas inocentes indiscriminadamente.
Mas existe um desejo, entre os muçulmanos, de se restaurar um califado?
Acho que a maior parte das pessoas não pensa que tem de haver um califa que representa todos os muçulmanos. O mundo islâmico está muito fragmentado, portanto muitas pessoas nem sequer pensam em escolher alguém como califa ou têm esse desejo.
Custa-lhe ver atrocidades cometidas em nome do Islão?
Claro que sim, sem dúvida, dói muito mais aos muçulmanos do que aos não-muçulmanos.