De que falarão Obama e o Papa?
27 mar, 2014 • Filipe d’Avillez
Liberdade religiosa, imigração e a guerra na Síria são alguns dos temas na agenda dos dois líderes.
O Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e o Papa encontram-se esta quinta-feira, no Vaticano, pela primeira vez desde a eleição de Francisco.
Os dois cruzam-se em momentos muito diferentes do percurso de cada um. O Papa atravessa ainda uma fase de enorme popularidade, com índices de aprovação altíssimos também nos Estados Unidos. Já Obama está a passar uma fase difícil junto do seu eleitorado, segundo as sondagens.
Para agravar a situação, Obama está actualmente envolvido num grande braço de ferro com a Igreja Católica americana. A jóia da coroa da sua presidência, a reforma do sistema de saúde, conhecida como "ObamaCare", inclui um decreto que obriga todas as empresas a fornecer seguros de saúde aos seus funcionários, mas esses seguros devem incluir a cobertura de contraceptivos e serviços abortivos.
As instituições católicas, como universidades e hospitais, por exemplo, não estão isentas, mas recusam-se a acatar a lei. O caso está agora a caminho do Supremo Tribunal. Entretanto, os nove juízes que compõem essa câmara já começaram a ouvir os argumentos de duas empresas privadas cujos donos recusam o mandato também por princípio religioso.
Obama não aceita criar uma isenção para as instituições religiosas que tenham problemas de consciência. Este conflito tem dificultado muito a relação entre o Estado e a Igreja Católica naquele país. Kim Daniels, uma porta-voz da Conferência Episcopal, é clara: “O Presidente Obama poderia resolver a situação, mas optou por não o fazer”.
Para mais, a Igreja sempre apoiou o "ObamaCare", opondo-se apenas ao que considera ser este abuso que põe em causa a sua consciência moral, pelo que a insistência de Obama tem hostilizado desnecessariamente um aliado natural.
A esta questão soma-se ainda o problema da objecção de consciência ao casamento entre homossexuais. Vários Estados americanos têm aprovado esta prática ao longo dos últimos anos, com outros a proibi-la, mas recentemente o caso também chegou aos tribunais, com o Supremo a decretar que a lei federal que definia o casamento como sendo apenas entre um homem e uma mulher, impedindo assim o Governo federal de reconhecer estas uniões, era discriminatória.
Após essa decisão, várias proibições estaduais têm sido abrogadas e têm surgido casos de cidadãos a serem multados ou condenados por se recusarem a prestar serviços em casamentos entre pessoas do mesmo sexo, como fotografias ou fabrico de bolos.
Até há pouco tempo este problema colocava-se só ao nível dos Estados, mas ao longo da sua presidência, Obama tem mudado de opinião, de defensor do casamento tradicional para favorável ao casamento homossexual.
Preocupações eleitorais
Mas nem tudo é hostilidade entre os bispos americanos e Obama. Na questão da imigração, a Igreja tem sido um aliado fiável em todas as tentativas de criar leis que promovam a dignidade dos imigrantes ilegais. É possível que este tema, que também é muito caro para o Papa Francisco, seja abordado quando Obama estiver em Roma.
Outro assunto que deve ser focado no encontro entre Obama e Francisco é a guerra civil na Síria. Tanto Obama como Francisco já falaram muito sobre este assunto, fazendo repetidos apelos à paz e a uma resolução do conflito. Contudo, enquanto Obama chegou a defender uma intervenção miliar, o Papa sempre se opôs a esta solução e convocou mesmo uma jornada de jejum e oração para que ela não acontecesse, como se veio a verificar, devido em parte à intervenção de Vladimir Putin.
Não se sabe se a conversa entre os dois será tornada pública, mas a haver cedências estas devem vir do lado do Presidente norte-americano. Os Estados Unidos terão eleições para o Congresso e para o Senado, este ano, e um conflito com a Igreja é algo que o Partido Democrata não precisa numa altura em que os republicanos podem de novo ganhar a maioria em ambas as câmaras.
O gesto pacífico de Bento XVI
Mas nem todas as pressões estão do lado do Presidente. Muitos católicos envolvidos na linha da frente destes conflitos sociais, sobretudo nos Estados Unidos, estarão a aguardar um sinal claro de apoio do Papa e a sua falta poderá ser entendida como ausência de interesse por parte de Francisco, o que poderá até enfraquecer a posição da Igreja na sua actual disputa com a administração.
Deve-se ter em conta que um dos principais conselheiros de Francisco é o cardeal Sean O’Malley, que tem estado na linha da frente de muitas destas questões.
Mas uma censura a Obama por parte do Papa poderá não surgir de forma evidente. Em 2009, quando visitou Bento XVI, o Presidente, que tem um historial de políticas pró-liberalização do aborto, recebeu das mãos do então Papa um exemplar de um documento escrito quando Ratzinger era ainda prefeito da congregação para a doutrina da Fé.
O texto, “Dignitas Personae”, elenca as posições filosóficas e sociais da Igreja em relação à questão do aborto. Um gesto pacífico, mas cujo alcance não escapou a muitos observadores.