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"Os yazidis só receberam duas opções do Estado Islâmico: converterem-se ou serem mortos"

29 dez, 2014 • Filipe d'Avillez

Uma das religiões mais antigas do mundo está ameaçada. "Dizem que somos infiéis porque a nossa religião não é mencionada no Alcorão. Por isso é que nos matam", diz à Renascença um conselheiro do Governo autónomo do Curdistão.

"Os yazidis só receberam duas opções do Estado Islâmico: converterem-se ou serem mortos"
O avanço dos terroristas do autoproclamado Estado Islâmico (EI) no Iraque levou à fuga de centenas de milhares de pessoas, sobretudo pertencentes a minorias étnicas e religiosas. Entre estes encontram-se cerca de 400 mil yazidis, membros de uma fé particularmente desprezada pelos fundamentalistas islâmicos. Consideram-na satânica.

Mirza Dinnayi é originário do Iraque e conselheiro do Governo autónomo do Curdistão, que acolheu os cerca de dois milhões de refugiados que fugiram ao EI e que trava uma luta contra os jihadistas no terreno.

OEm entrevista telefónica à Renascença, a partir do Iraque, Mirza Dinnayi diz que quando o EI ocupou Mossul, no Iraque, e as zonas circundantes deu aos cristãos três escolhas: fugirem, converterem-se ou pagar um imposto. Os yazidis só tiveram duas: a conversão ou a morte.

Quem são os yazidis?
Os yazidis são membros de uma religião antiga, com cerca de 5.000 anos. Somos cerca de um milhão, metade vive no Iraque. A maior vive na região de Sinjar – onde somos cerca de 320 mil – que foi atacada pelo Estado Islâmico.

Somos uma das religiões monoteístas mais antigas do mundo, acreditamos num só Deus, mas somos diferentes do islão e do cristianismo. Fomos atacados pelo Estado Islâmico, que matou mais de 3.000 pessoas, raptou mais de 5.000 e escravizou e violou milhares de raparigas e mulheres.

Dizem que somos infiéis porque a nossa religião não é mencionada no Alcorão. Por isso é que nos matam. Agora temos mais de 400.000 refugiados que escaparam das suas casas em Sinjar e outras áreas da planície de Nínive, agora controlada pelo EI, e que estão a viver em Arbil, capital do Curdistão Iraquiano.

Em que condições estão a viver?
As condições são muito más, porque a maioria das tendas nestes campos são muito simples, não estão preparadas para o Inverno, nem para o frio. São feitas de nylon e com um simples incêndio são destruídos em 45 segundos.

Todas as semanas há acidentes com incêndios nas tendas. Estão a viver numa situação muito má, não têm perspectivas económicas, não têm recursos, não têm casas, e o governo autónomo local e o do Iraque não podem ajudar porque são tantos. A ajuda das organizações internacionais não chega, porque a situação é muito má e não conseguem chegar a todas as necessidades.

Conhece algumas das pessoas nesta situação?
Sim, claro. A minha vila de 35 mil pessoas fugiu toda e todos estão a viver nestas tendas.

O facto de terem sido perseguidos juntamente aproximou os cristãos e os yazidis?
As comunidades crista e yazidi são amigas. Nesta situação têm o mesmo problema com o Estado Islâmico, com uma diferença: os cristãos não foram atacados imediatamente. Quando o EI ocupou Mossul foram-lhes dadas três opções: converterem-se, fugirem ou pagarem um imposto. Os yazidis só receberam duas opções: converterem-se ou serem mortos.

O EI também não fez reféns entre a população cristã, porque dizem que o cristianismo vem mencionado no Alcorão, por isso podem ser tratados um pouco melhor que os yazidis. Mas tanto cristãos como yazidis estão a sofrer muito às mãos do EI.

Que solução é que existe para as minorias no Iraque?
Penso que agora a comunidade internacional é responsável por encontrar uma saída para estas minorias no Iraque e deve-se implementar pelo menos uma de duas soluções: estabelecer uma região autónoma com apoio internacional e a ajuda de capacetes azuis nesta área de Sinjar e da planície de Nínive; ou então ajudar estas pessoas a abandonar o mundo islâmico, porque não sabemos o que vai acontecer nos próximos anos. Não sabemos se virá um novo grupo islamita.

Todos os dias surge um novo grupo islamita radical e se não houver uma solução para esta zona, para proteger as pessoas e estabelecer a paz no país, será impossível permanecer.

Acredita que o Estado Islâmico pode ser derrotado?
O que se fez contra o Estado Islâmico até agora tem sido muito pouco. Não se pode vencer esta guerra apenas com ataques aéreos. É preciso homens no terreno, não só da comunidade internacional, mas também do mundo sunita. Eles devem pegar em armas contra o Estado Islâmico, porque este foi estabelecido sob o pano de fundo da religião islâmica. Agora o mundo islâmico, sobretudo o mundo sunita, tem de tomar uma posição e trabalhar contra o EI e contra o fundamentalismo. Precisamos de forças no terreno, caso contrário não será possível combater o EI.

O EI cresceu por causa de forte descontentamento entre a população sunita. Antevê um futuro em que os sunitas e xiitas possam viver em paz no Iraque?
Sou pessimista. Não penso que os sunitas e xiitas possam viver juntos num país centralizado. Penso que a melhor solução para eles será estabelecer um sistema federal, governado por moderados, não radicais, que possam servir e representar as suas populações.

Ninguém sabe quem representa a comunidade sunita no Iraque. Será o EI? Um grupo radical? Os sobreviventes do partido Ba'ath? Ou os políticos no Parlamento? Não sabemos.

A maioria das regiões sunitas está fora do controlo do governo iraquiano e dos políticos sunitas. Por isso, não conseguem representar essas comunidades.

A maioria dos curdos são sunitas. Existe o perigo de o islão radical ganhar terreno entre os curdos também?
Existe, sim. Nós, os membros das minorias, temos medo dos radicais no Curdistão. Estamos satisfeitos pelo facto de o governo ser secular, mas na comunidade existem radicais e o governo deve combater isso.

Alguns paramilitares curdos juntaram-se ao EI, poucos, não sei ao certo quantos, mas talvez uns 300 ou 500, mais ou menos. Há fundamentalismo no Curdistão e estamos a tentar combatê-lo, para estabelecer uma comunidade liberal.

Como classifica o papel da Turquia no meio disto tudo?
O papel negativo da Turquia, de apoio ao EI, é sobejamente conhecido. Toda a gente sabe que no início a Turquia desempenhou um papel muito negativo de apoio aos grupos islamitas, sobretudo o Jhabat al-Nusra, e outros grupos islamitas, contra o Bashar al-Assad.

Paira uma grande dúvida sobre a Turquia. Será que vai colaborar com a comunidade internacional, para bloquear os recursos do EI e adoptar uma atitude positiva? Até agora o seu papel não tem sido positivo. A Turquia não pode dizer que se vai manter neutra em relação à questão do EI, porque a Turquia desempenhou um papel negativo e agora devia mudar as suas políticas e ser positiva, em vez de negativa.

Ouça a entrevista no programa "Princípio e Fim" da Renascença