09 jan, 2024 - 20:48 • Diogo Camilo
O vírus da gripe que está a circular na população portuguesa e que pode estar por detrás do excesso de mortalidade nas últimas semanas é de “má memória”, mas ainda é cedo para dizer se é mais ou não mais grave que surtos anteriores.
Atualmente, as taxas de vacinação estão nos 73,4% para maiores de 65 anos, quase 10 pontos percentuais abaixo dos números finais da época passada de vacinação (83,2% em 2022/23, números do Vacinómetro) e abaixo da meta de 75% definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), mas ficam acima de quase todos os anos pré-pandemia.
De acordo com o estudo da Sociedade Portuguesa de Pneumologia publicado na revista científica Pulmonology, antes da pandemia, apenas em 2019/20 foi ultrapassada esta fasquia.
Para o epidemiologista Manuel Carmo Gomes, as taxas de cobertura vacinal “não são baixas”, mas “podiam ser mais altas”. “Isso evitaria que muita gente fosse a correr para os hospitais”, acrescenta.
À Renascença, refere ainda um lado bom da vacinação: “a estirpe H1N1 que está na formulação da vacina é muito coincidente com o H1N1 que está a circular na população. Esta é uma garantia de que, pelo menos, a doença grave é menos provável caso as pessoas se vacinem.”
Comparando o final de 2023 com o final de 2022, a taxa de vacinação em maiores de 80 anos está quatro pontos percentuais abaixo (76% contra 80% em 2022) e cinco pontos percentuais com a época sazonal anterior (72% contra 77% em 2022).
Relativamente à vacinação de profissionais de saúde com contacto direto com doentes, a diferença é de quase 10 pontos percentuais (43,9% este ano, em relação aos 52,6% em 2022/23).
Ainda assim, Carmo Gomes acredita que a cobertura vacinal inferior em relação ao ano passado seja uma “explicação muito simplista” para o aumento da mortalidade.
Desde 24 de dezembro que Portugal apresenta dias com mortes acima do esperado: são já mais de 1.700 em excesso, no espaço de 16 dias. No resto de 2023, foram registados apenas nove. A última semana, de 1 a 7 de janeiro, foi a mais mortal em quase três anos.
Mortalidade
O final do ano passado e início de 2024 regista 15(...)
Segundo Carmo Gomes, este aumento de mortalidade começou mais cedo e tem maior notoriedade no Norte do país, em relação com a região de Lisboa e Vale do Tejo. Mas, ao mesmo tempo, as coberturas vacinais são também melhores no norte do que no centro e sul do país.
“O facto da cobertura vacinal estar alguns pontos percentuais abaixo daquilo que gostaríamos não parece que seja a explicação para este excesso de mortalidade. Provavelmente há outras explicações, como os dias muito frios, que são mais intensos no norte do que no sul”, conclui.
O subtipo particular H1N1 é conhecido dos portugueses: causou a grande pandemia de 1918 e 1919 e esteve associado à pandemia de 2009 e, em ambas, lembra Carmo Gomes, “do ponto de vista clínico, as coisas foram graves e morreu muita gente relativamente nova, jovens adultos”.
Ainda assim, tal não quer dizer que este H1N1 seja idêntico aos anteriores. “O vírus da gripe vai mudando. É preciso algum tempo para avaliarmos se os quadros clínicos que estão a ser causados por este H1N1 este ano são ou não mais graves do que aquilo que é habitual em gripe”, sublinha o epidemiologista.
A última vez que a população portuguesa teve um maior contacto com esta estirpe foi no inverno de 2019/20, imediatamente antes da pandemia.
Isto deixou a população portuguesa sem um contacto muito relevante com o vírus durante quatro anos.
“As crianças que nasceram há quatro anos ou menos nunca tiveram contacto com o H1N1, ou pelo menos tiveram um contacto em baixa escala, e os adultos já contactaram com o H1N1, mas a imunidade entretanto foi desaparecendo à medida que o tempo passa, especialmente nas pessoas mais idosas”, explica Carmo Gomes.
Assim, desde 2020, foi criada uma “bolsa muito grande de pessoas suscetíveis” de apanhar a infeção com esta estirpe.
“Este H1N1 está a causar quadros clínicos mais severos do que apresentou H3N2 ou o tipo B da gripe, que esteve connosco em anos mais recentes. Esta é uma das razões pelas quais estamos a ter este grande surto da gripe com este subtipo muito particular”, afirma.
Gripe e Covid-19
O ministro da Saúde admite que a pressão nos cuida(...)
O epidemiologista lembra que, quem ainda não se vacinou, ainda está a tempo de o fazer.
“As pessoas que ainda não se vacinaram, ainda podem-se vacinar. Ao fim de quatro, cinco dias já têm proteção devido à vacina”, acrescenta.
Carmo Gomes lembra ainda a etiqueta respiratória adquirida na pandemia da Covid-19, como o isolamento no caso de apresentar sintomas, a hidratação, o repouso, o evitar de contactos com outras pessoas sem máscara. E, para pessoas sem sintomas, o evitar permanecer em espaços fechados ou pouco arejados durante muito tempo.
“Estes vírus respiratórios não se vão embora. Vão continuar connosco todos os invernos. E a própria Covid-19 também não se foi embora, continuamos a Covid a circular”, lembra, referindo que a doença que causou a pandemia não aparenta ser responsável pelos casos de síndrome gripal que Portugal está a viver.