Bastonária dos Advogados: “Não há inversão de valores [na contratação pública] no recurso ao ajuste direto”

A Bastonária da Ordem dos Advogados olha para os números avançados pelo especial da Renascença "O Império do Ajuste Direto" com "tranquilidade". Em três anos, apenas 1% dos contratos entre o Estado e setor público e os escritórios de advogados foram por concurso público.

14 mar, 2023 - 13:46 • João Carlos Malta



 

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"O império do ajuste direto"


A Bastonária da Ordem dos Advogados, Fernanda Pinheiro, considera que, apesar de o concurso público ser o mecanismo “mais desejável” para ser utilizado pelo Estado e o setor público, “não há nenhuma perplexidade” no recurso e na dimensão que ele atinge na relação destes com sociedades de advogados e que foi revelada esta terça-feira no especial da RenascençaO império do ajuste direto”.

Entre os anos 2020 e 2022, o Estado e o setor público - que engloba autarquias, entidades públicas, ordens profissionais, etc - fizeram 2.551 contratos de serviços com escritórios de advogados, mas desses apenas 25, ou seja 1%, é que foram feitos através de concurso público.

Já em relação ao ajuste direto - modalidade da contratação pública em que quem quer um serviço pode escolher diretamente o fornecedor sem recorrer ao mercado - vale 80% do número de contratos, num total de quase 70 milhões de euros.


A análise feita pela Renascença aos dados que constam do Portal Base permitiu ainda hierarquizar as autarquias, as entidades públicas que mais gastam com serviços jurídicos e os escritórios de advogados que mais ganham nas relações com o setor público. As contas dos três anos somados dão um custo para o erário público que pode ascender aos 92 milhões de euros na contratação de advogados e juristas.

Em reação aos números, a bastonária começa por dizer à Renascença que olha para os números avançados no especial “O império do ajuste direto” com “tranquilidade”.

“É preciso não diabolizar aquilo que é uma figura perfeitamente admissível pelas regras da contratação pública”, explica. “Não é porque existem muito mais ajustes diretos do que concursos públicos que isso os coloca numa situação de ilegalidade.”

Ao analisar esta realidade, Fernanda Pinheiro defende que não lhe “parece que exista nenhuma espécie de inversão de valores no recurso ao ajuste direto”.


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"Há necessidade de recorrer a serviços externos, quando o Estado tem dentro dos próprios serviços advogados e juristas?", Bastonária da Ordem dos Advogados, Fernanda Pinheiro.

A representante dos advogados reconhece contudo que, a bem da transparência, “o desejável seria que todos os procedimentos pudessem ser feitos através de concurso público, mas isso não é possível”.

Em razão do valor (contratos até 20 mil euros) e também da situação em que são requeridos (especificidade do trabalho e dos saberes do contratado), a bastonária percebe que a dimensão do recurso ao ajuste direto possa ganhar uma dimensão substancial.

No entanto, no que se refere ao valor dos contratos, mais de 60% dos ajustes diretos são feitos com valores superiores a 20 mil euros, e há muitos celebrados com valores de largas centenas de milhar de euros.

Neste caso, Fernanda Pinheiro ressalva que na Ordem dos Advogados, quando a adjudicação é acima de 5 mil euros, “nós contratamos sempre através de concurso público, porque queremos inclusivamente uma melhor garantia do serviço, e a maior transparência possível”.


A mesma responsável concede que sempre que o número diminuto de concursos públicos “pode ser uma forma de distorcer um pouco a transparência, que é absolutamente indispensável”. No entanto, afirma que este mecanismo é, muitas vezes, moroso e não se coaduna com as necessidades de quem contrata.

Por fim, a recém-empossada bastonária dos Advogados questiona a necessidade de o setor público e o Estado recorrerem “a serviços externos quando, muitas das vezes, têm essa especialização dentro dos seus próprios serviços”.

São poucos os organismos públicos que não têm os seus juristas dentro de casa e que não podem criar esses pareceres e elaborá-los em igualdade de circunstâncias”, remata.


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"Não é porque existem muitos mais ajustes diretos do que contratação pública que os torna ilegais".

No especial “Império do ajuste direto”, a recolha de dados do Portal Base permitiu também perceber que nas autarquias, em 77 contratos, a Câmara de Lisboa, entre 2020 e 2022, gastou quase 2,3 milhões de euros e lidera o ranking.

Já o Banco de Portugal (BdP) gastou cinco vezes mais, num total de 11 milhões de euros, no mesmo período. Deste valor, 99% foi em contratos por ajuste direto. No tempo analisado, o BdP celebrou 23 contratos com escritórios de advogados.

A sociedade Vieira de Almeida foi quem mais faturou nos últimos três anos, num total de 9,3 milhões de euros, muito por causa dos contratos que estabeleceu com o Banco de Portugal. Deste valor, a quase totalidade (97%) resulta de ajustes diretos.


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