Operação Censos Sénior: 60% são mulheres que vivem sozinhas ou isoladas

No distrito da Guarda, o segundo distrito do país com mais idosos a viverem sozinhos ou isolados, a percentagem de mulheres nessa condição é superior, indicam os resultados da Operação “Censos Sénior 2022”. Dos 5.243 casos sinalizados, 3.100 são mulheres. A reportagem da Renascença foi conhecer um lugar com apenas três habitantes.

23 nov, 2022 - 07:08 • Liliana Carona



Guarda Adriana Ferreira verifica aparelho que monitoriza os idosos sozinhos ou isolados através de teleassistência
Guarda Adriana Ferreira verifica aparelho que monitoriza os idosos sozinhos ou isolados através de teleassistência

Na povoação de Barco houve no início do século passado o registo de 70 habitantes. Hoje há três um deles é Isabel Ferreira, 96 anos, viúva há 30 anos e sem filhos. É uma das 118 mulheres que vivem sozinhas ou isoladas em Celorico da Beira, onde há também 34 homens na mesma condição.

“Estou a fazer uma fogueira para me aquecer, senão está frio. Vivo sozinha, o meu irmão não quer que eu viva sozinha, mas sinto-me bem na minha casa. O Caramelo, o meu cãozinho é a minha companhia e um vizinho aqui perto”, aponta.

Sobre a rotina diária, Isabel tem os passos decorados. “Tomo o pequeno-almoço cedo, café com leite e um papo-seco migado e os medicamentos. Cavei muito com enxada nas mãos e ainda o faço”, assegura, revelando que recebe a visita das funcionárias do lar para lhe limparem a casa e levarem o almoço. E de vez em quando os militares da GNR “vêm ver como eu estou”, confirma esta idosa, que trabalhou toda a vida como agricultora.

As panelas ao lume já não são para cozinhar, apenas para aquecer água para lavar a loiça.

E como apareceu o amigo canino? O dono do Caramelo morreu e o cão foi pedir ajuda a Isabel. “Veio aqui ganir, e ficou comigo. É como uma pessoa que tenho aqui”, diz enquanto lhe faz uma festa.


Isabel Ferreira, de 96 anos, vive sozinha, numa aldeia com três habitantes
Isabel Ferreira, de 96 anos, vive sozinha, numa aldeia com três habitantes
Barco, concelho de Celorico da Beira, tem três habitantes
Barco, concelho de Celorico da Beira, tem três habitantes


Quem é que gosta de estar sozinha?

A solidão não atrapalha Isabel Ferreira, mas Fátima Santinho, 78 anos, viúva, não gosta da solidão dos dias.

“Não vejo vantagens na solidão, estamos a olhar para as paredes, tenho uma televisão grande, mas aqui não há ninguém. Vim-me aqui espetar, saí da França, mas se fosse hoje não vinha. Não gosto nada de estar sozinha. Quem é que gosta de estar sozinha? E se eu cair?”, desabafa, sem deixar de comentar que já teve o convite das filhas para viver com elas. “Viver com os filhos não, os novos com os novos, e os velhos com os velhos”, assume.

Foi empregada de limpezas, estudou até à terceira classe e depois mãe tirou-a da escola, recorda Fátima, que trata a militar da GNR que se aproxima por “Adrianinha”.

A guarda Adriana Ferreira, do Posto da GNR de Celorico da Beira, tem 29 anos, e estava preocupada porque a idosa não atendia as chamadas. “Ela dá-me muitos abraços, é muito meiguinha. Esta militar da GNR era boa era para estar a tomar conta dos velhos. Você passa multas? Duvido”, graceja Fátima Santinho, que ao pescoço traz um aparelho que monitoriza os idosos sozinhos ou isolados através de teleassistência.

“O Governo não faz tudo mal, pôs esta maltinha nova a ver dos velhos em territórios abandonados. É muito bom e salvam até vidas”, elogia.

“Depois que me trouxeram este coisinho, estou melhor”, conta Fátima Santinho. “É um aparelho de teleassistência, basta a Dona Fátima tocar e fala com um colega meu”, repete a guarda Adriana Ferreira.


Capitão Daniel Fernandes observa que grande parte dos idosos vive em condições precárias
Capitão Daniel Fernandes observa que grande parte dos idosos vive em condições precárias

Faltam condições de habitabilidade e higiene

No mês de outubro, o Comando Territorial da Guarda realizou a Operação “Censos Sénior 2022”, no âmbito do Policiamento Comunitário, que visa garantir um conjunto de ações de patrulhamento e de sensibilização à população mais idosa, que vive sozinha ou isolada, através da atualização dos registos das edições anteriores.

Durante a operação, os militares realizaram uma série de ações que privilegiaram o contacto pessoal com as pessoas idosas em situação vulnerável, no sentido de sensibilizarem e alertarem este público-alvo para a adoção de comportamentos de segurança que permitam reduzir o risco de se tornarem vítimas de crimes, nomeadamente em situações de violência, de burla e furto.

Na edição de 2022 da Operação “Censos Sénior”, a Guarda realizou 26 ações em sala e 202 ações porta a porta, abrangendo um total de 2701 idosos. A primeira edição da Operação Censos Sénior decorreu em 2011. Em 2022, no país foram sinalizados 44.511 idosos que vivem sozinhos e/ou isolados, ou em situação de vulnerabilidade, em razão da sua condição física, psicológica, ou outra que possa colocar em causa a sua segurança.

A trabalhar na Operação Censos Sénior há dez anos, o Capitão Daniel Fernandes, Comandante do Destacamento Territorial da GNR de Gouveia, observa que grande parte dos idosos vive em condições precárias. “No distrito da Guarda, existem mais mulheres sinalizadas do que homens, cerca de 60%. De uma forma geral, são viúvas ou pelo facto de os seus companheiros estarem institucionalizados. É uma realidade do nosso distrito. Os idosos que sinalizamos têm uma situação económica com carências, falta de condições de habitabilidade e de higiene. Temos vindo a aumentar o número de idosos sinalizados, mas também temos mais equipas no terreno”, justifica, realçando que este ano sinalizaram 32 idosos em situação vulnerável, para serem acompanhados noutras instituições.


Dados relativos ao concelho de Celorico da Beira

248 idosos sinalizados

- 118 Sexo Feminino (47,5%)

- 34 Sexo Masculino (13,7%)

- 96 N/S - N/R (38,7%)

Idades entre 67 e 100 anos.


Dados relativos ao distrito da Guarda

5.243 idosos sinalizados

3.100 – Sexo Feminino (59,1%)

967 – Sexo Masculino (18,4 %)

1,176 – N/S – N/R (22,4 %)

Idades entre 61 e 105 anos.


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