Quatro albufeiras podem ficar sem água até 2024. Ambientalistas avisam que mais barragens podem secar

Alto Lindoso (Viana do Castelo) Alto Rabagão (Vila Real), Bravura (Faro) e Campilhas (Setúbal) podem chegar aos 0% de capacidade em dois anos ou menos. Ambientalistas criticam a falta de medidas direcionadas à agricultura intensiva, que gasta 75% da água, em Portugal.

26 set, 2022 - 07:29 • Maria Costa Lopes , João Malheiro , Rodrigo Machado (infografia)



Barragem de Campilhas, no concelho de Santiago do Cacém, a 3% da sua capacidade, devido à seca. Foto: Maria Costa Lopes/RR
Barragem de Campilhas, no concelho de Santiago do Cacém, a 3% da sua capacidade, devido à seca. Foto: Maria Costa Lopes/RR

Um modelo matemático elaborado pela Renascença indica que quatro albufeiras portuguesas podem ficar sem água, até 2024.

O modelo prevê que as albufeiras de Alto Lindoso (Viana do Castelo) Alto Rabagão (Vila Real), Bravura (Faro) e Campilhas (Setúbal) cheguem aos 0% de capacidade em dois anos ou menos, se pouco ou nada chover e se nada for feito para combater a seca que se tem feito sentir por estes territórios do país.

À Renascença, o analista de dados Paulo Maia refere que o modelo estatístico aprende com os “dados históricos” do volume de água nas albufeiras e não quer dizer "que as coisas aconteçam mesmo". Realça que a previsão "assume bastantes coisas que podem ser prevenidas".

"A primeira componente é a tendência, que é o valor de crescimento, que normalmente é uma coisa mais a longo prazo. Por exemplo, se o nível da água está a baixar ao longo do tempo, a tendência vai ser uma linha de crescimento negativa. Esta componente é linear. Depois há componentes sazonais que são adicionados à tendência original. E podes ter aqui sazonalidades semanais, mensais, anuais. E o modelo tenta também aprender isto", explica.

Em reação a estas previsões, Alice Pisco, porta-voz da Plataforma Água Sustentável (PAS), diz que "é preocupante que isto seja uma possibilidade", mas indica que a situação já era problemática "há alguns anos".

A representante da Plataforma acrescenta que "todas as barragens do Algarve estão com armazenamento abaixo da média" e não tem dúvidas que mais "se encaminham para o mesmo cenário" às do modelo da Renascença.

Já Rosa Guedes, também da PAS, considera que as medidas tomadas até agora para combater a seca têm sido "pontuais e não estruturais".

Rodrigo Proença de Oliveira, doutorado em Engenharia Civil do Ambiente, lembra que “há medidas de eficiência que estão a ser tomadas, há algumas barragens em que foi proibida a produção de energia, outros em que foi proibida o uso da água para rega.”

Em fevereiro deste ano, o Governo ordenou a suspensão da produção elétrica em cinco barragens da EDP: Alto Lindoso/Touvedo, Alto Rabagão, Vilar/Tabuaço, Cabril e Castelo de Bode no Zêzere. Foi também suspenso o abastecimento de água para a rega a partir da albufeira da Bravura em Lagos. O objetivo: garantir o abastecimento de água para consumo humano durante dois anos, mesmo em barragens utilizadas para produzir eletricidade.

Albufeiras com volumes de água entre os 3% e os 20%

De acordo com o Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos, a barragem em pior situação é a de Campilhas, no concelho de Santiago do Cacém, que está a 3% da sua capacidade, com valores abaixo do volume morto de 1 milhão de metros cúbicos.


 

A albufeira da Bravura, situada no barlavento algarvio, está a 9% de capacidade, com valores abaixo dos 4 milhões de metros cúbicos.


 

Situada no Parque Nacional da Peneda-Gerês, a albufeira do Alto Lindoso é uma das sete maiores albufeiras de Portugal e encontra-se agora a 19% de capacidade. No último ano perdeu 30% do seu volume total de água.



 

Já a albufeira do Alto Rabagão perdeu 50% do volume de água nos últimos 12 meses, mantendo-se agora nos 20%.



 

Ambientalistas apontam o dedo à agricultura intensiva

Também contactada pela Renascença, Sara Serrão, da plataforma Juntos Pelo Sudoeste, vê com preocupação a previsão do modelo matemático e defende que a agricultura intensiva "tem de se adaptar" ao território.

A representante do movimento percebe que faz sentido "um novo relacionamento com a água", estando a favor de um racionamento do recurso natural, contudo critica que a medida seja aplicada aos consumidores.

"É uma profunda injustiça social. A agricultura intensiva tem tarifas de água que não se comparam com as tarifas de consumo doméstico, mas são estas últimas que vão aumentar. Toda a gente, todos os setores têm de poupar. Cada gota poupada conta. Estas medidas afetam quem menos contribui para o problema", critica.

Sara Serrão acrescenta que a população da região sente-se "abandonada" pelo Governo e que o que se passa com a seca "é extremamente preocupante" e pode "inviabilizar a vida em certos territórios de Portugal".

Rosa Guedes, da PAS, refere, igualmente, que a agricultura intensiva "devia ser quem mais devia sentir a falta de água", em vez de agricultores precários - "aqueles a quem têm cortado a água", realça.

A porta-voz da Plataforma, Alice Pisco, acredita que "há receio" de prejudicar a agricultura intensiva e que esta tem sido "incentivada".

"Não somos contra a agricultura, todos temos de comer. Mas a agricultura tem de se adequar aos recursos hídricos que temos e não o contrário", defende, apontando que a média europeia do consumo de água no setor agrícola é de 25%, enquanto, em Portugal, é de 75%.


Foto: Maria Costa Lopes/RR
Foto: Maria Costa Lopes/RR

Portugal tem de "melhorar em muito a eficiência hídrica"

O especialista em planeamento e gestão dos recursos hídricos Rodrigo Proença de Oliveira tem mais cautela ao interpretar as previsões do modelo matemático, até porque "há imensos problemas com os dados, em Portugal".

"O que nós temos é uma tendência genérica de diminuição da precipitação, sobretudo no sul do país, que resulta muito das alterações climáticas. Mas dentro dessa tendência há, pois, ciclos de anos mais humidos e anos mais secos. O que nós temos neste momento é uma tendência de longo prazo de redução da precipitação e simultaneamente, o período seco que é a seca que estamos a sofrer", explica, à Renascença.

Proença de Oliveira indica que o fator principal é a falta de precipitação, mas refere que a solução passa por "melhorar em muito a eficiência hídrica".

"Há ainda muito desperdício, quer no setor urbano, quer no setor agrícola. O setor agrícola é mais preocupante porque usa mais volumes de água mais significativos. E é utilizar outras fontes. Para outras fontes temos a desalinização e temos a utilização de águas residuais tratadas", aponta.

"Também o uso mais intensivo, mas cuidadoso das águas subterrâneas. E finalmente, temos também a construção de mais uma ou outra barragem, o que nalguns casos pode justificar. Tendo em conta que, obviamente, se as disponibilidades estão a descer, não é por construírmos uma barragem que vamos produzir água, o que vamos poder fazer é atenuar a variabilidade da disponibilidade de água e pode haver um ou outro caso em que uma barragem seja útil", sugere, ainda.


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